Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O efeito Bukele na América Latina desafia a imprensa

(Foto: Yuri Cortez / AFP)

A questão da segurança pública está ocupando cada vez mais espaços na agenda da imprensa na maioria dos países latino-americanos, ao mesmo tempo que aumenta o número de políticos simpatizantes do tratamento de choque contra o crime organizado proposto por Nayib Bukele, presidente da república centro-americana de El Salvador.

Estamos sendo levados aos poucos para uma situação complexa porque a intensificação da cobertura da crise de segurança pública eleva o nível de ansiedade das pessoas por meio do agravamento da sensação de insegurança individual e coletiva. Isto, inevitavelmente, permite que surjam soluções de impacto como a que deu origem ao chamado “efeito Bukele” que já se propagou por países como Equador, Honduras, Argentina e Peru.

Bukele, 43 anos, ganhou notoriedade mundial ao deflagrar uma violentíssima repressão às máfias de delinquentes salvadorenhos conhecidas como “maras”, usando o exército e a polícia para invadir bairros pobres para capturar suspeitos, em sua maioria identificados a partir de tatuagens. A estratégia repressiva do presidente salvadorenho foi complementada pela construção de um mega presídio para 40 mil detentos, construído em apenas sete meses, e que deu ao país o duvidoso título de detentor da maior concentração de presos por habitante, em todo o mundo.

A moda dos mega presídios

Grande parte da visibilidade internacional obtida por Nayib Bukele veio através de reportagens e entrevistas na imprensa, o que contribuiu para que as medidas propostas por ele acabassem contagiando a opinião pública de quase todo o continente. É inevitável que populações assustadas e encurraladas pelo aumento da insegurança urbana e rural acabem preferindo soluções simples para um problema extremamente complexo.

Ainda não há evidências de que a fórmula repressiva de Bukele tenha conseguido neutralizar o avanço do crime organizado em El Salvador. Mas apesar disto, os governos do Equador, Honduras e Peru já anunciaram planos para a construção, em série, de mega penitenciárias, quase todas elas seguindo o modelo salvadorenho. Gestores públicos pressionados pelo clima de medo e revolta gerado pelas manchetes sobre crimes optam pela solução rápida como forma de acalmar os eleitores.

Isto leva, também de forma quase inevitável, ao crescimento de tendências ultraconservadoras dentro da sociedade civil, fenômeno facilitado pela síndrome da proteção a qualquer custo. Forma-se assim um quadro onde a atuação da imprensa e do jornalismo passa a ter uma enorme importância porque a comunicação pública assume o papel de principal veiculador das informações sobre as quais serão baseadas as condutas de cidadãos e governos em matéria de segurança pública.

Enxugar gelo

O grande problema é que o combate à disparada dos índices de violência na maioria das grandes cidades da América Latina não é uma iniciativa simples porque envolve questões que a maioria das pessoas prefere ignorar. O aumento da violência é resultado direto e indireto do crescimento da desigualdade econômica e da incerteza social em todos os países latino-americanos. Quanto mais miséria e contrastes socioeconômicos, maiores os estímulos para violar as leis e regulamentos na tentativa de corrigir por vias extralegais o que as leis não permitem. Sem combater a desigualdade dificilmente será possível eliminar a delinquência e o crime organizado, porque isto equivaleria a tentar enxugar gelo.

Todos nós jornalistas sabemos disto e já passamos por situações como esta, mais de uma vez. O problema é que agora a dimensão e as consequências sociais e políticas são muito mais amplas e profundas devido à intensidade e velocidade dos fluxos de notícias através de redes sociais. Estamos no olho do furacão da insegurança pública, um fenômeno que assume cada vez mais um caráter endêmico no Brasil e na América Latina.

A imprensa e o jornalismo estão ficando sem muitas opções na cobertura do crime organizado. Não podem se mostrar lenientes porque isto equivale a afastar-se de um público assustado que cobra medidas duras. E nem assumir o papel de paladinos da solução Bukele, porque isto reforça tendências ultraconservadoras no meio social. Pode parecer utópico, mas a alternativa de vincular, de forma sistemática, o fenômeno da violência às suas causas e consequências ainda pode ser a melhor saída para o jornalismo na conjuntura atual.

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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.