Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Mais blá blá blá

A banda toca. O apresentador, egresso dos palcos de humor, saúda a plateia e inicia um discurso cheio de gracinhas. Vai à mesa e chama o convidado. O auditório aplaude. Iniciam uma conversa amistosa. De novo, gracinhas. E por aí vai.

A descrição é do “Late Show with David Letterman”, um dos mais célebres “talk shows” americanos? Sim. Também serve para o “Programa do Jô” e, muito em breve, para duas novas atrações que repetem o formato.

A disputa por telespectadores que ficam acordados até tarde –um grupo pequeno, mas de prestígio para as TVs– vai esquentar em março, com “Agora É Tarde”, da Band, comandado por Rafinha Bastos, que estreia no dia 5, e “The Noite”, de Danilo Gentili, no SBT, no dia 10.

Em férias desde dezembro, o veterano Jô Soares volta dia 17 ao seu posto noturno na Globo.

Sua audiência mostra que a fatia a ser disputada não é exatamente empolgante: em 2013, teve média de 7 pontos (cada ponto corresponde a 65 mil domicílios na Grande São Paulo).

Gentili, que enfrenta processo judicial da Band por quebra de contrato, diz desejar fazer uma atração para quem quer relaxar, sem muita opinião ou política. “Eu dou prioridade para a maluquice”, diz. Entretanto, ele já tem confirmada uma entrevista com a polêmica âncora do SBT Rachel Sheherazade, célebre pela sua campanha “adote um bandido”.

Gentili terá quase a mesma equipe do seu antigo programa, incluindo a banda Ultraje a Rigor, com o vocalista Roger como principal interlocutor, menos o humorista Marcelo Mansfield.

Já Rafinha, que é sócio de Gentili em um clube de comédia e assumirá o posto dele na Band, pretende destacar temas sérios. “Vejo espaço para a política.”

Rafinha terá Mansfield em seu elenco e o músico André Abujamra à frente da banda.

À Folha Abujamra disse que pediu para não virar alvo de bullying no programa. “Me incomoda muito e está muito em voga hoje um cinismo, as pessoas ficam se tratando mal”, disse. Segundo ele, Rafinha atendeu e está sendo “gentilíssimo”.

Sobre os novos concorrentes, Jô Soares diz que todo “talk show” é diferente, depende de quem está atrás da mesa.

“Quem recebe os convidados cria a personalidade do programa. Nenhuma conversa é igual a outra. Já vi o mesmo convidado em dois programas diferentes e eram quase duas pessoas diversas”, disse Jô por e-mail.

Escassez de convidados pode ser um problema para os “talk shows”. Há tanta gente interessante assim para entrevistar?

“Com certeza vamos ter [dificuldade com convidados]. Por enquanto, não sentimos”, diz Rafinha, que já confirmou os músicos Luan Santana e Lobão.

No Brasil, o “talk show” começou nos anos 1950 com o “SS Show”. Nos EUA, o formato é mais consolidado, com dezenas de exemplares nas TVs aberta e fechada. Lá, o problema é o envelhecimento do público.

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Formato garante prestígio à TV, diz especialista

Mais de meio século depois de sua invenção, o formato do “talk show” continua sendo repetido exaustivamente. Para especialistas ouvidos pela Folha, isso ocorre porque este tipo de programa oferece às TVs a possibilidade de receberem figuras ilustres em suas grades.

Gabriel Priolli, ex-diretor da TV Cultura, cita o fator “prestígio” do formato, que, diferentemente de um programa de variedades, permite receber autoridades, políticos, juízes e empresários.

Ele diz que as emissoras preferem colocar algo que já tenha sido testado no ar a tentar inovações. “Qualquer problema pode significar prejuízos gigantescos.”

“E tem ainda a ‘onda’: se todo mundo está fazendo aquilo, por que eu vou fazer diferente?”, questiona.

O fato de o apresentador falar diretamente ao telespectador em seus monólogos sobre assuntos do momento faz com que o público, ainda que restrito, seja cativado e se sinta parte do programa.

Quem afirma isso é Lynn Spigel, professora de história da TV da Northwestern University, nos EUA.

“O bom apresentador é aquele que acha o equilíbrio entre o comum e o extraordinário”, diz Spigel.

Para ela, um problema do formato é a resistência a apresentadores do sexo feminino.

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Isabelle Moreira Lima, da Folha de S.Paulo