Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Demissão e a vitória da mediocridade

Na terça-feira (3/2), o governo francês autorizou o seu Conselho Superior do Audiovisual a interferir sobre a circulação de sinais do canal da Hezbollah sobre a França, baseado na legislação do pais que proíbe a difusão de propaganda racista ou discriminatória.

Os partidários da organização terrorista vêem nisso, certamente, um atentado contra a liberdade de expressão. Baseado no mesmo principio, arrasta-se há anos, também na França, uma ação do Estado contra o portal Yahoo pela venda online de souvenires nazistas. Até cápsulas de gás usadas nos fornos crematórios foram vendidos pelo portal americano, que alega o direito constitucional de publicar o que quiser, inclusive anúncios.

Na mesma semana em que os franceses declaravam-se livres para impedir a circulação de propaganda anti-semita sobre seu território, o diretor do Departamento de Justiça, Títulos e Qualificação do Ministério da Justiça do Brasil era exonerado por ter classificado cinco programas ditos ‘jornalísticos’ como impróprios para menores de 14 anos.

Juntas, essas situações aparentemente análogas exemplificam a tênue linha divisória que existe entre a censura e a leviandade, entre o direito de dizer o que quiser e a responsabilidade sobre o que se está dizendo.

No caso brasileiro, essa questão tem sido a base de toda a discussão em torno do controle social sobre os meios de comunicação. Há vetores técnicos e políticos na determinação dessa resultante, mas há também os vetores sociais.

O diretor exonerado, Mozart Rodrigues da Silva, não tentou impedir a veiculação de programas que fizessem criticas ao governo. De certa forma, ele não está errado ao tentar jogar para mais tarde programas que usam o rótulo de jornalismo para promover exibições gratuitas de violência e passar para o espectador uma visão bastante parcial da sociedade, que em nada auxilia a sua compreensão. Mas a classificação de programas ainda não vistos esbarra numa pré-avaliação do seu conteúdo, o que evidentemente é inaceitável.

‘Quanto pior, melhor’

A particularidade do caso não está apenas no fato de que o eticamente correto esbarra numa barreira técnica para ser implementado, mas na evidência de que o que está em jogo são os limites da leviandade da programação televisiva. Não é um departamento do Ministério da Justiça que vai resolver isso. Também não é a criação de instrumentos de controle pela chamada ‘sociedade civil organizada’ e muito menos por uma súbita crise moral dos donos de emissoras. Mas é um pouco de tudo isso. Com as exceções de praxe, a televisão brasileira tornou-se tão ruim que chega a vigorar a impressão de que ela só poderá melhorar à forca.

Duas posturas, porém, poderiam dar mais resultados que censurar os maus programas – mesmo porque se todos os programas ruins fossem empurrados para mais tarde, as emissoras só entrariam no ar de madrugada. A primeira, deixar que as emissoras paguem sozinhas o preço pela mediocridade que implantaram. A outra, estimular o desenvolvimento de redes abertas com opções de qualidade.

Estimulo não é censura e há mecanismos para que isso seja feito no médio prazo. Quando perceber que existem alternativas para o tipo de programa que Mozart Rodrigues estava querendo desalojar de seus horários habituais, o público vai tomar a sua decisão. Por enquanto ele não pode tomar decisão alguma, simplesmente porque não lhe são apresentadas alternativas de conteúdo, mas, no máximo, embalagens ligeiramente distintas para um mesmo conteúdo.

O público vai se surpreender quando perceber o universo de produção audiovisual de grande qualidade a que ele pode ter acesso. Os donos de emissoras que estimulam o ‘quanto pior melhor’ vão se surpreender mais ainda quando perceberem o quanto essa produção é competitiva.

Os programas que geraram a exoneração do diretor do ministério não são padrão de coisíssima alguma, mas a simples expressão do ponto a que a televisão brasileira conseguiu chegar.