Wednesday, 09 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Bancada renovada

Dinheiro demais atrapalha a criatividade: foi por falta de verba, afinal, que vingou o primeiro programa produzido para a TV paga no Brasil, o Manhattan Connection, agora completando 20 anos no ar. Na época, o canal GNT queria que o jornalista Lucas Mendes, correspondente em Nova York desde 1968, fizesse um programa de reportagem. “Reportagem é a coisa mais cara do jornalismo, um minuto custava US$ 1 mil, sete minutos por semana seriam US$ 28 mil por mês e eles tinham, se tanto, US$ 10 mil”, lembra Lucas.

Foi então que ele sacou da gaveta um projeto de programa que ensaiara para o rádio três anos antes, com Paulo Francis e o jornalista Antonio Mendes. “Em estúdio, faríamos algo mais barato. Eles toparam e aconteceu.” O programa tanto aconteceu que resistiu à morte de Francis, em 1997, e trocou de canal aos 17 anos, do GNT para a Globo News, sem perder a receita, o horário das noites de domingo e o time, que se mantém com Diogo Mainardi em Veneza, Ricardo Amorim em São Paulo e Caio Blinder e Pedro Andrade em Nova York, ao lado do âncora. Por ali passaram Nelson Motta, Arnaldo Jabor e Lúcia Guimarães.

Na troca de canal, teve sua audiência triplicada e ganhou uma surpreendente plateia jovem. Até por causa disso, a edição comemorativa, no domingo (24/3), receberá universitários de 20 anos que enviaram uma gravação defendendo por que deveriam sentar na bancada do Manhattan Connection. O programa contará ainda com o antropólogo Roberto DaMatta, primeiro convidado do título. De Nova York, Lucas Mendes conversou com o Estado, por telefone.

O que mudou na troca do GNT pela Globo News?

Lucas Mendes– Para nós, melhorou. A gente tem um estúdio que é menor, mas que é melhor sob todos os aspectos, e tem uma cooperação muito boa da Globo.

Vocês usavam um estúdio da Reuters e agora gravam na sede da Globo em Nova York, é isso?

L.M.– O da Reuters era gigantesco, mas o da Globo é mais bem iluminado e nos oferece uma estrutura que não tínhamos.

O ibope cresceu? Vocês saíram do GNT porque o canal estava se tornando muito feminino?

L.M.– A explicação foi essa: “Vocês são os únicos homens do canal e a gente está partindo para uma audiência classe C, na qual vocês não se enquadram.”

Mas vocês têm um retorno de audiência dessa troca?

L.M.– Oficialmente não, porque a gente não é empregado da Globo e não tem acesso aos números. O que a gente sabe é que o programa nunca foi tão bem: triplicou a audiência e está entre as três maiores audiências do canal.

A Globo sugeriu alguma mudança de estrutura?

L.M.– Eles queriam fazer alguma mudança e eu disse que achava melhor não fazer naquela hora. Toda transição já é difícil, você ainda vai acrescentar mais uma dificuldade, fazendo mudança de pessoal? Eles concordaram e a gente nunca teve um desacordo.

De “pessoal” seria no elenco?

L.M.– Eles chegaram a falar em trazer de volta o Nelson Motta. Falei: “Aposto 10 x 1 que o Nelson não vem.” O Nelson não gosta de ficar num lugar por muito tempo e ficou conosco por tanto tempo, se não me engano oito anos.

Ele ficou um tempo em NY e depois no Rio, com o Jabor. Você chegou a dizer que o programa quase virou um Conexão Rio.

L.M.– Foi um período em que o programa não foi bem, perdeu audiência. Os dois não estavam ligados no esquema de fora, na pauta que a gente mandava, não fazia parte do dia-a-dia deles, e estavam indo muito bem em outras carreiras, o Jabor com filme, o Nelson, com livro.

É muito divertido fazer

Para Lucas Mendes, o jornalismo opinativo que faz da Fox News um sucesso de audiência na defesa do partido Republicano americano não é necessariamente uma tendência para o futuro, mas tem espaço a ganhar.

Vocês falaram sobre o jornalismo opinativo da Fox News. Acredita nisso como tendência futura?

L.M. – Eu não acho que é o futuro do jornalismo, não, mas tem um espaço cada vez maior para isso. Há quatro anos, logo depois da eleição do Obama, a Fox cresceu: das 7 às 11h da noite, ela é o jornal do partido Republicano e da ala conservadora. A MSNBC faz exatamente a mesma coisa muito bem, cresce muito, fazendo a esquerda da esquerda, é o mesmo estilo, e dão porrada na Fox, insultam os âncoras.

Vocês citaram no último programa a série The Newsroom, em que o âncora adota essa postura de quem se posiciona. Há espaço para isso na vida real?

L.M. – Tem, sim. A série fez sucesso na China já no primeiro capítulo, quando o âncora disse que os EUA não são o primeiro país em coisa nenhuma. Um grupo acha que isso prova que a China é um país em ascensão, e outro que há nos EUA uma liberdade que não tem na China.

Vocês divergem um do outro, sem deixar de rir. Alguma coisa é combinada antes?

L.M. – Não. O Caio e o Ricardo frequentemente discordam e o Diogo, com frequência, discorda do Ricardo. O Diogo e o Caio tendem a concordar. O Diogo é até mais à direita que o Caio em Oriente Médio, é mais judeu que o judeu, mas em política externa, eles concordam mais do que discordam.

Qual foi o momento mais difícil nesses 20 anos?

L.M. – A morte do Francis, com certeza, e a subida do dólar. Quando encostou em 4 reais, em 2002, o programa entrou em coma e saiu do ar por dois meses.

E a saia mais justa?

L.M. – Teve o problema quando o Caio chamou as princesas árabes de p… Deu bode, o embaixador da Síria, vários diplomatas mandaram cartas exigindo pedidos de desculpas. A Globo perguntou: “Vocês querem pedir desculpas?” “Não, a gente não quer.” “Então não pede.” O Caio pediu, mas não foi imposição.

E o momento mais prazeroso?

L.M. – Acho que o programa se segura até hoje porque não encheu o saco da gente. É muito divertido fazer, a gente ri muito.

O que faltou fazer?

L.M. – A gente pensou em algumas coisas que nunca levou adiante, como fazer um mini Manhattan durante a semana, uma versão de menos de dez minutos, diária ou não sei com que frequência, mas o Caio já trabalha em 16 lugares (risos), então não dá.

Você está há 45 anos em NY. Sobrou alguma mineirice aí?

L.M. – Antigamente eu falava: “Estou em Nova York há dez anos”, dava uma autoridade danada. Depois de 15, 20 anos, nunca mais falei há quanto tempo estou aqui. Sou muito mineiro, o meu toque de telefone é o Sabiá Laranjeira (imita o piar do pássaro, risos).

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Cristina Padiglione é colunista do Estado de S.Paulo