Wednesday, 01 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Sinais de inteligência na TV

Depois de 10 anos tive o privilégio de participar novamente do melhor programa jornalístico da TV brasileira: o Manhattan Connection. Estive no programa para falar sobre o prêmio de melhor reportagem de Jornalismo Universitário da CNN, o lançamento do meu livro Telejornalismo Imaginário (Editora Insular), a finalização do próximo livro, O manual do correspondente internacional na era digital (Editora LCM), e o mais importante: os quarenta anos de jornalismo (ver aqui).

Em 1973, no mesmo ano de lançamento do Fantástico e do Globo Repórter, tomei a decisão de que jornalismo era meu caminho. Os programas debutavam na TV e eu, com meus 18 anos, na vida de jornalista. Três anos depois, a caminho do novo escritório da Globo em Londres, produzi a minha primeira matéria no exterior, em Nova York. E pensar que foi com ninguém menos que Lucas Mendes. Ele estava fazendo uma reportagem sobre um cavalo brasileiro que fazia sucesso em grandes prêmios dos Estados Unidos. O ano era 1976, mas parece que foi ontem.

E se eu comemoro a oportunidade de voltar ao Manhattan Connection depois de 10 anos, o próprio programa comemora seus 20 anos de existência – duas décadas de relevância na televisão brasileira e entrevistas com personalidades importantes. Basta ver que na semana anterior quem esteve na bancada da mesa redonda foi o antropólogo Roberto Da Matta, e que na seguinte foi Alberto Dines (ver aqui).

Ao voltar ao Brasil, percebi a repercussão que a entrevista teve entre os colegas jornalistas e acadêmicos. Conversamos sobre diversos assuntos, mas uma pergunta em específico feita por Lucas Mendes chamou a minha atenção e também a de Diogo Mainardi: o futuro do jornalismo. Trata-se de uma daquelas perguntas armadilhas, um exercício de futurologia que tento evitar de todas as maneiras.

Como expliquei no programa, se soubesse como seria o futuro, certamente estaria rico. Mas talvez uma resposta para a pergunta seja algo que muitas pessoas não gostem de ver. Pensar o futuro é um resultado do presente que vivemos, mas também de um passado que insiste em nos alertar ou nos referenciar. E o passado nem sempre é algo que alegra a todos.

Talento e competência

Lançado em março de 1993, o Manhattan Connection se tornou desde o início sinônimo de programa cult e inteligente. Um encontro marcado para todos aqueles que ainda acreditam na TV. A fórmula é muito simples. A produção do programa não acredita em grandes emoções, efeitos especiais ou custos mirabolantes. Apostou na inteligência do público e no poder de comunicação de uma equipe de jornalistas. Como todo o bom programa no estilo mesa redonda, o programa se parece muito com uma das mais tradicionais instituições culturais brasileiras: a boa e velha conversa de botequim. A diferença é que a equipe é muito talentosa e o botequim fica em Nova York, a capital do mundo.

Ao contrário da maioria dos nossos programas de TV, Lucas Mendes preferiu não sair por aí simplesmente copiando as fórmulas televisivas estrangeiras para adaptá-las ao gosto (ou mau gosto) da maioria. Ao deixar a Globo, onde foi correspondente internacional e chefe de bureau durante muitos anos, Lucas Mendes convocou uma equipe de amigos jornalistas residentes em Nova York, que incluía originalmente Paulo Francis, Nelson Motta e Caio Blinder. Eles acreditaram que seria possível produzir um programa de boa qualidade, independente e inteligente na TV brasileira.

As experiências de vida de cada um dos jornalistas garantiriam o conteúdo do programa e as diferenças de opinião se encarregariam da polêmica. Tudo muito simples e muito bem produzido.

É estimulante notar como se pode fazer um programa tão bom com tão poucos recursos. A fórmula televisiva não é nova nem original. Já havia feito enorme sucesso nas saudosas “resenhas esportivas” das noites de domingo. Ali também se acreditava principalmente na presença de jornalistas talentosos – como João Saldanha, Nelson Rodrigues e Armando Nogueira, entre tantos outros. Os tempos mudaram, mas a ideia ainda é muito boa e o brasileiro continua gostando de assistir ou de participar de uma boa conversa.

Todos os brasileiros adoram dar opinião, ainda mais quando o tema principal é os Estados Unidos. A conversa então tende a ser mais animada: torna-se uma mistura de curiosidade, admiração, ódio e inveja, tudo ao mesmo tempo e sempre com muita paixão. Uma salada repleta de informações e distorções tão ricas e contraditórias como a nossa própria cultura.

Após vinte anos no ar, o Manhattan Connection demonstra que há futuro para o jornalismo de qualidade, comprova que existe vida inteligente na TV brasileira e que boa televisão pode ser produzida com poucos recursos, mas muito talento e competência.

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Antonio Brasil é jornalista, professor da Universidade Federal de Santa Catarina