Monday, 06 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Emissora pública, sem público

O que vai acontecer com a TV Brasil se a oposição vencer as próximas eleições presidenciais? Será que o governador José Serra – virtual candidato do PSDB – vai transformar a TV do Lula em TV do Serra? Ou será que ele vai simplesmente assinar outra medida provisória e acabar com a TV Brasil? Na época da votação da medida provisória, em reportagem de O Globo, a posição do partido de Serra era evidente: ‘PSDB encerra convenção e anuncia que vai contestar na Câmara a criação da TV pública (…) O PSDB acusa Lula de criar um instrumento de manipulação’.


Mas essa declaração ‘talvez’ pertença ao passado. Como bem sabemos, os partidos políticos brasileiros, e principalmente seus candidatos presidenciais, mudam muito de opinião. Fazem qualquer coisa para serem eleitos e para continuar no poder. Fazem acordo até mesmo com Judas. Mas isso é uma outra história.


Afinal, hoje, qual será a posição do PSDB e de seu potencial candidato à presidência da República em relação à TV do Lula? Qual será o destino dos milhões de reais gastos na implantação de uma rede de TV pública brasileira que até hoje não conseguiu conquistar independência financeira, autonomia editorial e sequer o interesse do público na sua programação?


Tudo é possível


Qual será o futuro de centenas, talvez milhares – ninguém sabe ao certo – de ‘prestadores de serviço’ contratados em caráter de urgência para trabalhar na TV Brasil há mais de dois anos? Quais foram os critérios utilizados para essas contratações? Competência profissional ou amizades pessoais, afinidades políticas, partidárias e ideológicas? E os tão prometidos concursos públicos? Que fim levaram? Quem fiscaliza o conteúdo da programação da TV Brasil? Um conselho gestor com ‘sábios’ indicados pelo próprio presidente da República? E depois não sabem por que a TV Brasil é conhecida como a TV do Lula.


A EBC (Empresa Brasil de Comunicação), responsável pela TV Brasil, foi criada às pressas, em caráter de urgência urgentíssima, com medida provisória, e continua sendo gerida por executivos e conselheiros – em sua maioria – indicados pelo presidente Lula. É uma rede de TV pública sem a participação do maior interessado: o público. A sociedade brasileira jamais se mobilizou pela criação dessa rede de TV. Jamais foi consultada sobre sua necessidade e nunca se mostrou disposta a pagar por seus gastos milionários.


Após dois anos de muitas promessas, denúncias e polêmicas, os dirigentes da TV Brasil agora estão em campanha para preservação do projeto e de seus empregos. Sem independência, autonomia e apoio popular, eles sabem que o futuro depende da aprovação de recursos públicos no Congresso e da vitória da candidata do governo, Dilma Rousseff. A TV do Lula pode se transformar em TV do Serra, mas também pode se transformar em TV da Dilma. Tudo é possível!


Fim dos temores


Em campanha pela preservação do ‘projeto’ e de seus empregos – bons empregos –, nas últimas semanas os dirigentes da TV Brasil divulgaram pesquisas encomendadas e pagas pela própria EBC junto ao Instituto DataFolha. Com essas pesquisas, os dirigentes da EBC tentam convencer a sociedade brasileira, e principalmente os integrantes do Congresso Nacional, que o projeto vai muito bem. Apesar de pouco tempo no ar, da baixíssima audiência, da falta de ainda mais recursos (pasmem!) e da falta de bons programas, as pesquisas comprovam que a TV Brasil é um sucesso!


Eis o que informou o Portal Imprensa:




‘`EBC não enfrenta mais suspeita de falta de isenção ante o governo`, diz Cruvinel´


‘Ao participar de audiência pública da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT), nesta quarta-feira (21/10), a jornalista Tereza Cruvinel, diretora-presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), afirmou que a empresa não enfrenta mais suspeita de falta de isenção em relação ao governo federal. De acordo com o resultado de pesquisa do Instituto Datafolha, que Cruvinel apresentou à comissão, 10% da população assiste regularmente à TV Brasil e a programação da emissora é aprovada por 80%  de sua audiência. Ela demonstrou satisfação com a receptividade do público em relação à TV Brasil, principal produto da EBC.’


E sobre as críticas ao jornalismo da TV Brasil, Tereza acrescentou:




‘`Durante a tramitação da medida provisória que criou a EBC, muitos perguntaram se o jornalismo da empresa seria manipulado. Os nossos conteúdos afastaram o discurso de chapa-branquismo e desmentiram os temores que marcaram os debates de 2007´, afirmou Tereza na abertura da reunião, presidida pelo senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), autor da requisição de audiência.’


Dados e ‘achismos’


Tudo bem? Então, por que não incluir os mais recentes índices de audiência dos principais programas da TV Brasil para confirmar o sucesso do projeto?


Em matéria da Folha de S.Paulo (coluna ‘Outro Canal’, de 24/11/2008) também foram divulgadas dados de pesquisas:




‘No Ibope, a TV Brasil não aconteceu. No Rio, sua média diária nos últimos meses foi de 0,4 ponto, ou seja, traço. E apesar de considerar a avaliação do Ibope `injusta´, a direção da TV Brasil faz questão de defender a audiência do novo telejornal, o Repórter Brasil. No entanto, o novo programa não aparece sequer na lista dos dez programas da rede do governo mais vistos no Rio no início deste mês.’


A reportagem da Folha também informava:




‘A TV Brasil completa um ano no dia 2 ainda longe de ser a rede pública nacional que o presidente Lula imaginou. Apesar do orçamento de R$ 350 milhões, pomposo para o padrão de TV pública, a emissora é traço no Ibope, tem cobertura restrita e depende de programação que herdou da TVE.’


O que houve? Grandes mudanças nos últimos meses? Por que não divulgar os índices de audiência mais recentes da TV Brasil? Bem sabemos que audiência não é o melhor parâmetro para a TV pública. Bem sabemos que não há outras questões a serem avaliadas. Mas essas ‘outras’ questões deveriam ser analisadas e avaliadas de forma independente. Qualidade e receptividade de programas de TV em empresas públicas ou privadas é um assunto sério e complexo. Não há lugar para ‘achismos’ de uns poucos sábios que afirmam conhecer o que é melhor para o telespectador brasileiro. Pesquisas encomendadas pelas nossas TVs públicas costumam sempre confirmar o que já sabemos: a programação é ótima, mas poucos, muito poucos, a assistem. O culpado então deve ser… o pobre telespectador. Ninguém está disposto a pensar uma TV pública aberta realmente diferente e sintonizada com os reais interesses do público. E como não há fiscalização de procedimentos, avaliação de conteúdos ou cobrança de resultados, as TVs públicas brasileiras continuam sendo um bom lugar para manter um bom emprego.


Contrate uma pesquisa


Investir milhões para traços de audiência em TV aberta pode não ser uma boa idéia. Talvez – não custa pensar um pouco – as pessoas não assistam à TV Brasil porque a programação é simplesmente muito ruim.


A luta das pesquisas e dos empregos continua. Afinal, a divulgação pela imprensa de pesquisas desfavoráveis ao projeto da TV Brasil deve fazer parte do que, segundo o noticiário, alguns senadores que deram apoio à executiva da EBC chamam de ‘má vontade generalizada’ das televisões e dos jornais com relação à existência da EBC. Em tempos de pensamento único, criticar ou tentar obter informações talvez seja ‘má vontade’. Pode ser. Também para esses congressistas, os jornalistas não deveriam fiscalizar as empresas do governo e suas pesquisas.


Mas, de qualquer maneira, para não perder a oportunidade e o bom resultado das ‘pesquisas favoráveis’, Tereza Curvinel também aproveitou a visita ao Congresso para ‘pedir o apoio aos senadores da CCT para que seja mantida no Orçamento da União de 2010 a verba proposta de R$ 446,7 milhões, dos quais R$ 109,4 milhões seriam destinados a investimentos’.


Vocês perceberam? Após as pesquisas encomendadas pela própria EBC ao Instituto DataFolha, e apesar dos resultados não ‘tão favoráveis’ do Ibope, vamos destinar milhões do orçamento da nação para ainda mais investimentos em projeto de TV do governo em ano eleitoral.


Mas está tudo bem. Os jornalistas devem acreditar nos dados fornecidos pela pesquisa encomendada pela empresa do governo e se restringir a ‘informar o público com isenção’. Não devem ‘fiscalizar’ nada. Afinal, as pesquisas não mentem jamais. Como dizia o velho e saudoso jornalista Paulo Francis (1930-1997): ‘Sempre que você quiser confirmar verdades ou mentiras – tanto faz – é só contratar uma pesquisa’.


Sábio Francis. Pobre Brasil.

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Jornalista, doutor em Ciência da Informação, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro