Monday, 14 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Nada pior do que ficar sabendo por último

Impressiona o fato de que ainda há pessoas que insistem em separar o mundo real do mundo virtual, como se junto à tela do computador não houvesse ninguém, apenas entidades “ciberfantasmagóricas” comunicando-se com seus pares. Tal falta de bom senso em assumir, de uma vez por todas, que a internet de fato acabou por unir os dois mundos e borrar os limites entre o ciberespaço e as ruas gera uma total falta de sincronia entre a mídia tradicional e seu público. Exemplo disso é a perda de audiência dos canais de TV por assinatura, muitos deles incapazes de acompanhar o ritmo dos downloads de séries e filmes, sempre lançados com semanas de antecedência nos Estados Unidos.

A revista Superinteressante de maio traz uma matéria que aborda um dos muitos fenômenos curiosos nesses tempos de ajustes entre a popularização da internet e a mídia tradicional, que ainda não sabe muito bem o que fazer com o mundo online. Intitulada “Legendários”, a matéria traz depoimentos de anônimos que passam madrugadas traduzindo seriados americanos como Fringe, The Big Bang Theory e House, para produzir legendas em português, disponibilizando-as depois para download gratuito. Quase sempre, a legenda produzida pelas equipes N.E.R.D.S e InSUBs é superior às legendas a que temos acesso nos canais por assinatura como Warner, Sony e Universal. Muitas dessas equipes de tradutores amadores são multidisciplinares: há desde estudantes de Física a enfermeiros, passando por professores de inglês e adolescentes de 15 anos. Isso facilita encontrar o termo mais preciso para traduzir as falas dos personagens (inclusive termos técnicos e científicos, além de gírias e expressões idiomáticas).

A única desvantagem para tradutores como Wandy, Valfadinha e Flaviamar é que não recebem um único centavo pelo trabalho de tradução – geralmente muito bem pago pelas empresas especialistas em legendagem – e ainda correm o risco de sofrer processo judicial por, supostamente, colaborar com a pirataria (por isso, os pseudônimos excêntricos).

Reinventar o conceito de periodicidade

A questão mais importante é tentar entender o que leva essas pessoas a unirem forças e produzir uma legenda o mais rapidamente possível, sem ter um retorno financeiro para isso. Ganhar notoriedade no meio nerd? Praticar seus conhecimentos em língua inglesa? Creio que não. Na era da internet, nada pode ser pior do que ficar sabendo por último. O maior exemplo disso foi Lost, a série cult do nosso tempo. Enquanto, nos Estados Unidos, o final surpreendente da terceira temporada gerava discussões intermináveis sobre o que viria a seguir, muitos brasileiros – ainda sem as manhas dos downloads via Torrentz – tiveram de esperar quase dois meses para saber que Jack e Kate já estavam, na verdade, fora da ilha. Contudo, para a maioria dos fãs de Lost, a surpresa foi “estragada” – numa alusão ao tão temido spoiler, prática de antecipar os acontecimentos ou o final de um seriado ou filme – justamente porque tudo na internet é imediato: simplesmente não há mais distância de tempo e espaço, e isso permitiu que toda a informação disparada de um ponto qualquer do mundo chegasse a todos os outros pontos com acesso à rede.

Fatos como esse criaram uma legião de internautas que, com acesso ao arquivo via Torrentz – que permite um download mais rápido, pois é abastecido por várias fontes simultaneamente de várias partes do mundo –, passaram a assistir aos episódios das séries mais populares poucas horas depois de sua transmissão nos Estados Unidos e criar um canal de comunicação com outros fãs ao legendar o programa gratuitamente. A mesma legião de internautas, teoricamente também clientes em potencial de TV a cabo ou TV por satélite, hoje não são assinantes pelo simples fato de que os canais pagos parecem estar sempre atrasados: esperar para ver sua série favorita na televisão aqui no Brasil é o mesmo que ler uma revista de dois anos atrás na sala de espera de um consultório médico qualquer.

Para a geração que praticamente cresceu com a internet conectando-os com todos os pontos do planeta, recebendo notícias e batendo papo com outros iguais (por que não?) na Europa, na Ásia, na América do Norte, sempre em tempo real, como não achar obsoleto um canal de TV que leva quase um mês inteiro para transmitir um episódio de uma série?

Contudo, não são apenas os canais por assinatura que sofrem com a falta de ritmo para acompanhar a velocidade da internet e dos internautas. Os jornais impressos parecem não ter decidido ainda se devem render-se ao formato online ou reinventar o conceito de periodicidade diária, que um dia já foi considerada frenética e hoje parece simplesmente o resto de uma notícia requentada.