Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Nem amor nem revolução

Eu havia prometido não escrever nada sobre a telenovela Amor e Revolução enquanto o poeta e ex-preso político Alípio Freire não me antecedesse. Isso porque ele foi um dos primeiros a perceber no que o folhetim do SBT ia dar. Mas não pude mais me conter, depois de ler isto na Folha de S.Paulo: “Silvio Santos reclama de ibope baixo e novela troca drama por humor. O dono do SBT, Silvio Santos, reclamou do baixo desempenho da novela Amor e Revolução em reunião nesta terça-feira (14/6) no Complexo Anhanguera. Silvio fez a queixa diretamente ao autor da novela, Tiago Santiago, que se prontificou a efetuar várias mudanças.

A despeito da repercussão e polêmica que a novela desencadeou na internet, Amor e Revolução não passa de cinco pontos de média na Grande São Paulo. Cada ponto equivale a 58 mil domicílios assistindo à história, que se passa na ditadura militar. Dentro de duas semanas, a novela sofrerá uma guinada de 180 graus. Diálogos sobre política, personagens discursando para criar contextualização histórica, assuntos referentes a militares serão praticamente abolidos da história. Em seu lugar haverá mais cenas de humor, amor e outros relacionamentos.

Procurado pela reportagem nesta tarde, Santiago não quis comentar sobre a “bronca” de Silvio Santos, mas confirmou que a novela terá algumas mudanças de rumo. “Nós, de fato, vimos várias pesquisas e as pessoas à noite querem rir, se emocionar. Vamos acabar com o tema político mesmo”, admitiu Santiago, que acrescentou: “Nunca mais vou fazer novela sobre política.”

Pulem a novela, vejam o depoimento

Comento rápido: talvez Sílvio Santos não tenha percebido, mas há muito Amor e Revolução faz humor involuntário. De militares que andam de farda na intimidade de suas casas, passando por presos torturados que metem bronca nos torturadores, sempre com uma língua fluente que nem toma conhecimento dos choques elétricos que levou, a novela tem mostrado na televisão uma ignorância de tempo, lugar e vidas de tal maneira que até parece galhofa.

Escrever em folhetim de televisão sobre a história tem sido um fiasco, desde a minissérie JK, na TV Globo. Se em JK os laços que prendiam Juscelino Kubitschek à realidade eram laços de fita, de chapéus, cenários e músicas de época, em Amor e Revolução a realidade são guerrilheiros e militares caricatos, que falam frases de cartilha, didáticas. Como as de um personagem que explicou num capítulo, por exemplo: “Dops. Dops é o nome com que é conhecido o Departamento de Ordem Política e Social. D-O-P-S: Dópis…”

Salvavam a novela até então, como uma cereja em um bolo amargo, os depoimentos. Depois das palhaçadas grosseiras do Ratinho antes, depois de penar a ver cenas, diálogos que os circos da periferia fazem com melhor arte, vinham os depoimentos reais, verdadeiros, de militantes que sobreviveram à tortura. Até então, podia-se dizer: pulem a novela, vejam o depoimento. De fato, houve alguns deles que se aproximaram do sublime. Assim era. Mas a ressalva não durou muito.

Voltar à liberdade da literatura

Todo o prometido pela produção da telenovela, de que “para dar credibilidade à história e acontecimentos narrados na novela, seria exibido, no fim de cada capítulo, um depoimento de um guerrilheiro, artista, família de desaparecidos que participou desse momento tão importante para a democracia no Brasil”, veio por água abaixo com os depoimentos de torturadores, de militares criminosos ainda sem julgamento no Brasil, mais adiante.

Dizer o que mais, agora?

“O autor decidiu ainda que as personagens de Luciana Vendramini e Gisele Tigre (Marcela e Mariana) terminarão juntas – talvez com direito a casamento – e que haverá mais cenas `lésbico-eróticas´ entre elas”, completa a notícia.

Aquela ilusão de que Amor e Revolução retomasse a história que não foi conhecida, porque ao povo seria dada a oportunidade de saber o drama e valor de uma geração violentada, cai por terra. Quem tiver dúvida, anote a última: nos bastidores do SBT, a novela ganhou o apelido de “Sessão Privê”, ou de sexo na TV. Quem leu os próximos capítulos, fala que virão cenas fortes e apelativas. Ou seja, nem amor nem revolução, ao fim.

Em Pneumotórax, Manuel Bandeira escreveu que, para um tuberculoso no começo do século vinte, o melhor a fazer era tocar um tango argentino. Para nós, que acreditamos no poder da arte, em 2011 podemos concluir: o melhor a fazer é voltar à liberdade da literatura. Ela saberá dizer o que as telenovelas não podem, por limitação de gênero, veículo, ibope e grana.

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[Urariano Mota é jornalista e escritor, Recife, PE]