Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Os perigos de merendina demais

A Europa Ocidental está literalmente invadida pelo que se chama merendina (lanchinho). Talvez o maior fabricante dessa espécie de guloseimas – ricas em açúcar, gorduras, sais, elevada presença de proteínas e que tem como grande consumidor as crianças – seja a italiana Ferrero Roche, com dois produtos de sua enorme linha conhecidos no Brasil: o bombom recheado com avelã e o imbatível Kinder Surpresa, um ovo do mesmo tamanho que os de galinha, feito com um chocolate de gosto duvidoso, mas que em seu interior carrega um pequeno brinde para formar uma coleção. O lanchinho (que não vi no Brasil) é composto por duas fatias de pão-de-ló, recheadas com creme chantilly e unidas por uma cobertura de chocolate.

Um menino italiano que assista televisão três horas por dia dentro da faixa protegida (entre 16 e 19 horas), com os lanchinhos se vê subjugado por rios de chocolate, enfeitiçado por chuvas de balas, seduzido pelo ‘croc’ das batatinhas fritas através de um spot publicitário a cada cinco minutos – algo como 33 mil por ano.

Em duas semanas de pesquisas, ficou comprovado que esses spots são veiculados numa esmagadora maioria (971) pela Mediaset (Rede de televisão pertencente ao ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi), contra os 285 da estatal RAI.

‘Evite ‘beliscar’ entre refeições’

Todavia, o ponto não é o ‘quanto’, mas a qualidade do que vem veiculado. 36% dos produtos anunciados contêm quantidades excessivas de produtos que levam à obesidade (açúcares, gorduras e proteínas). Os spots tornam-se persuasivos mirando em coisas que agradam às crianças: desenhos animados, bonequinhos para coleção e figurinhas. Sobre o assunto, diz o professor Carlo Canella, catedrático de Ciência da Alimentação na Universidade La Sapienza (Roma):

‘As indústrias alimentícias deveriam parar de fazer publicidades sedutoras, agressivas e desencaminhantes. Enquanto as escolas deveriam ensinar um consumo responsável, faz-se necessário convencer as crianças que por trás da publicidade existe um interesse comercial e com freqüência mensagens ambíguas ou falsas. Eles têm que aprender a não serem enganados.’

Nos países do Norte da Europa, como Suécia e Noruega, as televisões não transmitem publicidade durante as faixas protegidas. Na França, foram proibidos os distribuidores automáticos nas escolas e são obrigatórias mensagens sanitárias na publicidade de alguns produtos. Assim como os maços de cigarros devem advertir os prejuízos causados pelo fumo, aqueles produtos devem advertir: ‘Evite ‘beliscar’ entre as refeições’.

Na Inglaterra, são permitidos spots em programas para menores, mas com proibição para os produtos com elevadas taxas de açúcares gorduras e proteínas. Além do mais, não podem ser mostradas porções excessivas, ou meninos que comem como adultos. Na Itália, existem proibições ao álcool, tabaco e tóxicos, mas não existe norma alguma que regule a propaganda alimentícia destinada a menores e transmitida pelas rádios e televisões.

Riscos de excesso de peso

A propaganda é dirigida às crianças, que por sua vez pedem aos pais (e mães) com apelos irresistíveis. É a autoridade materna que determina a escolha dos produtos e as mães, que além do emprego ainda têm que ser donas de casa, atendem aos pedidos dos filhos sem discutir. O alimento tem que voltar a ser um modo recarga energética, não um meio de gratificação ou acerto entre pais e filhos.

Pode-se fazer uma associação entre obesidade e o número de spots veiculados para guloseimas. Tem que se estar atento e não apontar o dedo somente para o que elas comem, pois a uma boa alimentação deve-se acrescentar uma atividade física regular. As crianças podem comer de forma correta, mas se não se movimentam, engordam da mesma forma. Deve-se entender como ‘movimento’, não o esporte praticado nas escolas e nos clubes, mas as brincadeiras de quintal ou de praças, do futebol ao nadar de bicicleta.

Em resumo: o problema não é somente a mensagem, mas a televisão em si: mais uma criança passa o tempo a assisti-la, mais corre o risco de ficar com excesso de peso e caminhar perigosamente para a obesidade.

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Jornalista