Quinta-feira, 17 de julho de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 2025 - nº 1346

Relatório sobre as maiores organizações criminosas da América Latina e Caribe inclui grupos do Brasil

(Foto: Pixabay)

Elaborado pela ONG InSight Crime e com o apoio financeiro da União Europeia (UE) foi lançado em fevereiro a publicação digital El Pacto2.0, que investiga e mapeia as maiores organizações criminosas da América Latina e Caribe e suas conexões com o continente europeu.

O relatório faz parte da segunda fase do Programa EL PAcCTO (Europe Latin America Programme of Assistance against Transnational Organized Crime ), criado em 2017. Para essa etapa, o programa de assistência europeia conta com 58,8 milhões de euros a serem investidos no fortalecimento das capacidades técnicas e operacionais das instituições envolvidas no enfrentamento das atividades criminosas.

Segundo a InSight Crime, o aumento da produção de cocaína gerou US$ 25 bilhões extras em lucros para o crime organizado transnacional em 2024. A cocaína sustenta o crime organizado na América Latina, sendo também o seu maior acelerador.

Foram classificadas e investigadas as 28 redes criminosas mais ativas e relevantes que representam alto risco para os países da região. No Brasil, três grupos foram analisados em suas estruturas e atividades.

Apresentado por Jeremy McDermott e Steven Dudley, fundadores da ONG, o relatório de mais de cem páginas teve a cooperação da EMPACT (European Multidisciplinary Platform Against Criminal Threats). Os autores são veteranos  pesquisadores  sobre organizações criminosas, com dezenas de artigos publicados na imprensa internacional. McDermott foi correspondente de guerra na Bósnia e em Beirute, e Dudley é autor do livro “M-13”, sobre a mais notória gangue dos Estados Unidos, formada, em sua maioria, por salvadorenhos.

A InSight Crime, criada em 2010, é uma organização de jornalismo investigativo e pesquisas, com sedes em Washington e Bogotá. Tem uma equipe de 50 profissionais pós-graduados em diversas áreas trabalhando nas Américas e Europa no sentido de aprofundar o debate sobre o crime organizado e a segurança do cidadão. É apoiada pela Thomson Reuters Foundation, uma instituição com sede no Reino Unido que oferece assistência jurídica à mídia investigativa de diversas partes do mundo.

Ameaça global

Na introdução, o estudo alerta para o crescimento das conexões entre as redes criminosas latino-americanas e europeias, principalmente as que lidam com o tráfico de drogas, ouro e de pessoas, e o fortalecimento dessas alianças que constituem uma ameaça global em nível de geopolítica. Diferentemente dos anos 1980, os grandes cartéis agora operam com subcontratações de grupos para funções ou fases específicas, ajustando-se e garantindo a não interrupção do fluxo de ilícitos quando pressionados ou atacados por forças de segurança.

É fato que as organizações criminosas usam estruturas de corporações legais para ocultar as operações ilícitas e de lavagem de valores. De acordo com a Europol, agência europeia de cooperação policial para combate ao crime e terrorismo, com sede em Haia, de 2021 a 2024 subiu de 71% para 86% o número de empresas fantasmas criadas por esses grupos criminosos que operam na Europa.

Em relação aos países da América Latina e Caribe, essas redes criminosas representam a maior ameaça à democracia na região, segundo os autores do relatório. Isso porque se utilizam da corrupção e do suborno para se introduzirem na estrutura do Estado e são o principal motor de homicídios e de abusos contra os direitos humanos. Prejudicam o desenvolvimento e a estabilidade econômica, distorcem as economias, afastam os investimentos e afetam o financiamento internacional na região.

Ilícitos no Brasil

No mapa do crime, o Brasil aparece com três organizações criminosas: Primeiro Comando da Capital (PCC), Comando Vermelho (CV) e Tren de Aragua, originária da Venezuela e presente também no Paraguai, Bolívia, Chile, Peru e Colômbia. Mas, conforme estudo divulgado em 2024 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), são 72 facções criminosas operando no país provocando com sua carteira de ilícitos prejuízos estimados em R$ 453,5 bilhões. O Brasil é o segundo maior consumidor de cocaína do mundo, depois dos Estados Unidos.

O relatório faz um histórico sobre cada organização criminosa, detalhando sua geografia e atividades ilícitas. Sobre o PCC, que ocupa duas páginas, é informado que a sede fica em São Paulo e que surgiu nos anos 1990, em presídios, através de grupos de autoproteção. O informe, que detalha as atividades da organização e a atuação-resposta do Estado, destaca que 30 mil homens fazem parte de sua estrutura. Sobre a conexão que mantém com outras redes internacionais, são apontadas o Cartel de Sinaloa, do México (considerado pelo governo dos Estados Unidos o maior e mais poderoso cartel de tráfico de drogas do mundo), a Ndrangheta italiana, da Calábria, e a máfia que opera na Albânia, no sudeste da Europa.

Sobre o Comando Vermelho (CV), os autores relatam que o grupo surgiu nos anos 1970 em um presídio no Rio de Janeiro, da união de criminosos com militantes da esquerda presos pela ditadura militar (1964-1985). Assinalam que em 2002 o CV chegou a formar uma aliança com o PCC, mas que essa situação se desfez em 2016.

Este ano, depois de quase uma década de conflitos, as facções ensaiaram uma trégua que durou apenas dois meses. O objetivo do acerto seria flexibilizar as regras do sistema prisional e atuar em conjunto nas duas principais rotas de tráfico do país: a rota caipira, que começa na Bolívia e vai até o porto de Santos, e de lá para Europa e África; e a rota do Solimões, que transporta drogas pela floresta amazônica, através dos rios Solimões e Amazonas.

O Brasil é uma das principais rotas de trânsito da cocaína em direção à Europa, e a Colômbia é o maior produtor de cocaína do mundo. Em 2023, a produção naquele país teve um aumento de 53%  em relação a 2022, alcançando 2.664 toneladas, conforme relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc, na sigla em inglês).

O terceiro cartel é o  Tren de Aragua, pouco divulgado pela mídia nacional e que nasceu em uma penitenciária da Venezuela. É formada por 4 mil membros. O cartel pratica contrabando, tráfico de drogas, extorsão e sequestro. É responsável principalmente pelo tráfico de migrantes para a América do Sul. Em 2024, face à crescente preocupação com o potencial de ameaça do grupo, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos designou o Tren de Aragua como uma organização criminosa transnacional.

Em 22 de maio, com o intuito de reforçar a cooperação para o combate aos cartéis criminosos, o secretário-geral da Interpol (International Criminal Police Organization), Valdecy Urquiza, esteve em Brasília e se reuniu com representantes das polícias de onze países da América do Sul. O encontro ocorreu  quinze dias depois de o governo brasileiro recusar o pedido do Departamento do Estado americano para designar o PCC e o CV como organizações terroristas. A notícia foi reportada pelo jornal britânico The Guardian (Brazil rejects US request to designate two gangs as terrorist organizations), em 7/5.

Cartéis na Europa

Em relação à União Europeia, formada por 27 países, o Informe Europol de 2024 (Decoding the EU’s Most Threatening Criminal Networks) identificou 821 redes criminosas de alto risco que operam no continente e que dispõem de 25 mil membros. Suas atividades envolvem tráfico de drogas e armas, fraudes, delitos contra a propriedade, tráfico de migrantes, falsificações, ciberdeliquência, crimes contra o meio ambiente e extorsão.

Os países com maior incidência de grupos criminosos e ações ilícitas (segundo a Global Initiative Against Transnational Organised Crime – GITOC) são Rússia, Ucrânia, Itália, Sérvia, Montenegro, Espanha e Bielorrúsia.

Na América Latina e Caribe, a Colômbia lidera o ranking, seguida do México, Paraguai, Equador, Honduras, Panamá, Brasil e Venezuela. De acordo com relatório de 2024 do Unodc, o número de pessoas que usam drogas aumentou em 20% em relação à década anterior, somando 292 milhões de usuários em 2022.

Em termos de crimes financeiros globais, o Relatório Nasdaq 2024 (Global Financial Crime Report) estima que em 2023 mais de três trilhões de dólares em fundos ilícitos fluíram através do sistema financeiro global, servindo para atividades de lavagem de dinheiro e outros crimes, incluindo US$ 782,9 bilhões em atividades de tráfico de drogas, US$ 346,7 milhões em tráfico de seres humanos e US$ 11,5 milhões em financiamento do terrorismo. Além disso, as perdas por golpes fraudulentos e esquemas de fraudes bancárias totalizaram US$ 485,6 milhões, provocando uma série de danos em todo o mundo.

Diretora executiva da Europol, Catherine De Bolle, natural da Bélgica, chama a atenção para o novo DNA do crime organizado. “As redes criminosas evoluíram para empresas criminosas globais, movidas pela tecnologia, explorando plataformas digitais, fluxos financeiros ilícitos e instabilidade geopolítica para expandirem sua influência. Elas estão mais adaptáveis e mais perigosas como jamais estiveram.”

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Sheila Sacks  é jornalista formada pela PUC/RJ. Trabalhou como Técnico de Comunicação Social no serviço público de 1982 a 2024.