Thursday, 02 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Nos bastidores das reportagens sobre o desastre

Nestes tempos de pós-eleição, frases como “um golpe devastador” e “uma perda esmagadora” são tão comuns quanto fotos de Lady Gaga de biquíni no Twitter. Mas, e quanto à verdadeira devastação, a verdadeira perda das duas últimas semanas – as casas e as vidas arruinadas pelo furacão Sandy?

Apesar da cobertura, mais do que necessária, do temporal pela TV – repórteres com água até a cintura – talvez seja o jornalismo de jornal que possa retratar o que aconteceu de maneira mais completa e mais eloquente. Ele pode sintetizar e descrever os problemas; pode encontrar pessoas afetadas e examinar suas vidas com maior profundidade; pode voltar a uma situação preocupante e acompanhar o progresso, ou a falta de progresso; e pode trazer conforto aos atormentados, pressionando as autoridades através de matérias inevitáveis, sobre os angustiados.

Portanto, ao invés de se juntar àqueles que discutem minuciosamente as lições da eleição, a ombudsman Margaret Sullivan [11/11/12] prefere reconhecer a importância de alguns textos de jornalismo do NYTimes das últimas semanas: as reportagens de pé no chão feitas de lugares como Breezy Point e dos projetos de habitação de Nova York.

Os moradores sentiam-se ignorados

Vejam os quatro primeiros parágrafos de um artigo de primeira página do dia 5/11:

“Observar o céu de Manhattan reluzindo sobre a baía sempre foi um dos encantos de viver em Rockaways. Agora, no entanto, quando o Empire State Building pisca, a cada noite, sentimos aquelas luzes como um soco na boca do estômago.

Era assim que se sentiam as duas mulheres que, cobertas pela lama que ainda cobre a maioria das ruas daqui, subiam penosamente o Rockaway Beach Boulevard no sábado, empurrando os carrinhos de compras que haviam desencavado de uma pilha de lixo ao lado do supermercado C-Town.

As mulheres – Monique Arkward e sua vizinha Eyvette Martin – empurraram os carrinhos por mais de 40 quarteirões, de seus bangalôs destruídos até a igreja de São Francisco de Sales, onde tinham ouvido dizer – oralmente, pois os telefones dificilmente funcionam aqui – que poderiam encontrar garrafinhas de água, pilhas e um pouco de calor humano.

‘Parecemos homens das cavernas’, disse Monique Arkward. Parece que fomos esquecidas. É como se dissessem ‘OK, quando chegarmos a elas, chegamos a elas’.’”

A ombudsman falou com a autora da reportagem, Sarah Maslin Nir, que em geral cobre a área de Queens. “Fiquei dirigindo para lá e para cá, de Manhattan para Queens, e sentia-me como se estivesse indo constantemente dos que têm para os que não têm”, disse ela. Quando finalmente chegou a Breezy Point, onde mais de uma centena de casas tinham sido destruídas pelo fogo, viu “pessoas ajoelhadas junto às cinzas que haviam sido suas casas, procurando, com pedaços de pau, cerâmicas de seus filhos”, disse Sarah Nir. “Estavam de cócoras e choravam.” Em outra ocasião, na Rua Beach 66, em Rockaways, “as pessoas estavam tão ávidas por poder contar sua história que, na verdade, gritavam”. “Os moradores sentiam-se ofendidos por terem sido ignorados”, disse ela.

“Escadas escuras, sem janelas e sem energia elétrica”

Quando ela encontrou Monique Arkward e Eyvette Martin, pensou que eram sem-teto, mas depois percebeu que eram pessoas de classe média, “mais sujas do que é possível acreditar” de lama. “Isso me fez compreender que a importância de uma pessoa pode ser completamente degradada”, disse. “As pessoas foram tão destruídas quanto suas casas.”

Este é apenas um de muitos exemplos nos quais os repórteres do NYTimes foram a fundo para levantar histórias sobre o sofrimento de pessoas comuns. Outra coisa que chamou a atenção foi o artigo de primeira página, de Cara Buckley e Michel Wilson, sobre a vida sem energia elétrica nos projetos de habitação de Nova York. A certa altura, dizia: “À medida que a claridade ia desaparecendo dos céus na terça-feira sobre o projeto Red Hook, no Brooklyn, Sharlyn Marin, de 18 anos, subia, ofegante, 140 degraus para visitar sua madrinha, Judith Rodríguez, no décimo andar. Cega e numa cadeira de rodas, Judith Rodríguez, de 62 anos, confiava em sua afilhada como única conexão com o mundo exterior.”

Essas matérias, que envolvem gastar sola de sapato no melhor estilo, não são fáceis de levantar. A única maneira de relatar as cenas é estando lá – no último caso, subindo as escadas de uma casa escura num projeto perigoso. Cara Buckley contou sua experiência num e-mail: “Na verdade, é um prédio de 14 andares e a fotógrafa, Ruth Fremson, e eu subimos até o andar de cima e descemos por duas vezes. Qualquer que seja a hora do dia, as escadas são completamente escuras, sem janelas e sem energia elétrica.”

Vidas em situação caótica e de perigo

Nem toda a cobertura do temporal foi tão corajosa. Muito foi feito na internet e no Twitter sobre alguns artigos – como a dragagem de um rio afluente em Manhattan, a diminuição do uso de papelhigiênicoou os horrores de ganhar peso – relacionados ao temporal. Apesar de parecerem um pouco deslocados, esses artigos são inofensivos e acrescentam à conversa.

Na quinta-feira (12/11), alguns leitores queixaram-se que os artigos sobre o temporal tinham saído da primeira página, ganhando uma presença bastante reduzida na página inicial do site, substituídos pela cobertura que se seguiu à eleição. Os leitores levantam um ponto válido, embora a cobertura nas páginas internas tenha continuado forte e as matérias sobre o temporal tenham retomado seu espaço na sexta-feira. O importante é que o NYTimes não deixou de fazer reportagens sobre as muitas vidas comuns que ainda estão em situação caótica e de perigo – vidas que ainda estão longe de se terem recuperado.