Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O Post, as palavras e o plágio – outra vez

A tecnologia nos transformou todos em plagiadores? A internet e o Google permitiram que qualquer repórter, blogueiro ou colunista tenha a seu dispor o que corresponde a um milhão de enciclopédias. Podemos procurar material virtualmente sobre qualquer assunto e baixar da internet uma abundância de informações em segundos antes de começarmos a usar as ferramentas mais tradicionais de uma reportagem.

O ombudsman do Washington Post, por exemplo, conta em sua coluna [19/1/13], que a qualquer hora do dia tem sete ou oito arquivos do Microsoft Word abertos – com anotações de entrevistas e outras informações copiadas de variadas fontes online e coladas a elas que ele tenta nomear em arquivos separados –, quatro contas de e-mail abertas e as janelas de dois navegadores abertas, com cerca de 10 abas cada uma, levando-o a 20 sites.

É fantástico como conseguimos fazer as coisas corretamente. E às vezes não conseguimos. Talvez seja o que aconteceu com William Booth, correspondente do Post na Cidade do México que esta semana foi acusado – e rapidamente reconheceu – de plagiar passagens de um artigo num jornal científico escrito por uma professora da Universidade da Califórnia do Sul, Andrea Hricko.

Suspensão não remunerada

Na terça-feira (15/1), a professora escreveu ao ombudsman e aos editores do Post, cotejando comparações de cinco passagens do artigo que escreveu em dezembrono jornal Environmental Health Perspectives e o artigo de primeira páginade Booth no dia 13 de janeiro. Ambos escreveram sobre o novo e maior Canal do Panamá e seus efeitos nos portos dos EUA. O Post concluiu que quatro frases da matéria de 1.500 palavras de Booth “continham material copiado, na íntegra ou consideravelmente, sem citação do autor”. Em seguida, o Post anexou uma nota do editor à matéria publicada online e publicou um pedido de desculpas na edição de quinta-feira do jornal: “A política do Post é que o uso de material de outros jornais ou de outras fontes deve ser adequadamente citado. (…) O Post pede desculpas a Andrea Hricko, ao jornal Environmental Health Perspectives e a seus leitores por este sério lapso.”

Em notas separadas dirigidas a Andrea, o novo editor-executivo do Post, Marty Baron, e Booth voltaram a pedir desculpas. Booth escreveu “Sinto muito pelo que fiz. Foi um lapso muito sério. (…) Não foi proposital. Foi um erro inadvertido e descuidado. Mas isso não o justifica e peço desculpas por tê-lo feito.” “Isto representou uma séria violação de nossos padrões éticos”, escreveu Baron. “Foi um desserviço para a senhora e quebrou a credibilidade com nossos leitores. Pedimos as mais profundas desculpas e a senhora tem nossa garantia de que levamos este assunto muito a sério.” E Baron ainda disse a Andrea: “O Post irá tomar medidas rigorosas e adequadas em relação ao sr. Booth.”

Dois editores que acompanham a situação disseram que Booth – que fora anunciado como próximo diretor da sucursal do Post em Jerusalém – não será demitido. O Post divulgou na sexta-feira(18/1), citando “uma pessoa com conhecimento direito do assunto”, que Booth será suspenso por três meses. Um editor confirmou a suspensão, que não será remunerada – a mesma punição recebida pela repórter Sari Horwitz em março de 2011 por outro casode plágio.

A visão utópica

O ombudsman queria saber o que levou a copiar o material, mas nem Baron, nem Booth, nem Andrea Hricko quiseram dar entrevistas. Após a publicação da nota do editor, a professora voltou a enviar um e-mail ao ombudsman dizendo: “Direi apenas que o Washington Post tratou deste assunto com a maior integridade e profissionalismo.”

Concordo que as sequelas foram bem tratadas. Baron agiu com rapidez, investigou, pediu desculpas publicamente e corrigiu a matéria. Mas esta é a terceira coluna que o ombudsman escreve sobre plágios no Post e houve um quarto caso, em setembro de 2012, quando ele estava ausente e se omitiu. Cada um desses casos resultou numa nota extensae arrependidado editor. Isso indica um problema que o Post tem que enfrentar – não só depois do fato consumado, mas antes. Os padrões do Post sobre a questão são claros. Chamam o plágio “um dos pecados imperdoáveis do jornalismo”. Talvez haja negligência na aplicação da norma. O Post podia demitir o jornalista numa primeira violação por plágio. Mas isso chamaria a atenção das pessoas. As políticas de tolerância zero raramente funcionam e cada quebra de conduta tem um contexto de circunstâncias atenuantes ou agravantes.

Deveríamos levantar nossas mãos aos céus e culpar as novas tecnologias que tornam amplos canais de informação disponíveis para copiar e colar instantaneamente? O ombudsman recusa essa hipótese. Ele acha que pode digitar a frase “Segundo uma matéria em The Atlantic” em oito segundos. E pode inseri-la em sua matéria com um hiperlink para outra publicação em 16 segundos. Isso também é rápido.

A visão utópica que começou com a internet, continuou pelo Napster e agora anima as mídias sociais é de que tudo pertence a todo mundo – partilhar, fazer o link, tuitar qualquer pedacinho de informação. Afinal, é apenas uma commodity e nós vendemos informação. O ombudsman não concorda. Para ele, aqueles que dão duro para levantar a matéria, escrevê-la, checar os dados e produzir informação de qualidade seriam os primeiros que deveriam defender o princípio de dar crédito a quem tem crédito. Todo o dia, o tempo todo.