Saturday, 04 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Erivaldo Carvalho

“O que distingue o jornalista é a capacidade de afinar a sensibilidade própria pela do povo a que pertence e traduzir com clareza as confusas aspirações desse mesmo povo.’ (Gondin da Fonseca, jornalista e escritor brasileiro)

Passadas mais de duas semanas desde as primeiras manifestações, já é possível perceber, à medida em que a fumaça das bombas vai se dissipando, que faltará divã para tantos que ainda se perguntam o que está acontecendo. Arriscaria em acrescentar: o que vimos e vemos é apenas o aspecto mais barulhento e visualmente perturbador dos acontecimentos. É difícil um terremoto não deixar fissuras em toda a sua extensão. Por essa lógica, é possível afirmar que profundas mudanças, mesmo as imperceptíveis a olho nu, agora, ainda estejam por vir. Parece ser unanimidade que todos foram pegos de surpresa: os governos e seus profetas; as polícias e seus farejadores; a imprensa e seus radares. Há uma quinzena, nada parecia escapar das forças oniscientes que viam tudo e todos. No Brasil ordeiro, um brado de revolta seria apenas mais um infeliz e desorientado rebelde à procura de uma causa.

Uma rastilho levou milhões às ruas. Mas o processo não aconteceu da noite para o dia. Durou meses. Talvez, anos. A pergunta: nesse tempo, onde estavam todos, inclusive este que vos digita, que não percebemos nada, mesmo tudo acontecendo debaixo das nossas narinas? Foi por que tudo se deu via internet? Mas nós também estamos enfronhados na grande rede. Foi o perfil dos ativistas? Mas todos os estratos sociais se fizerem presentes. Foi o preço da passagem? Mas a redução não acabou com os protestos. Foi a Copa? Mas os atos aconteceram em mais de 200 cidades.

Estas e algumas outras provocações nos levam a uma incômoda, mas necessária constatação: a imprensa, nessas históricas manifestações de rua, foi colocada de lado naquilo que a define tão bem, que a consagrou ao longo do tempo e que a mantém relevante na sociedade: ser mediadora. Nossa crise de representatividade, em alguma medida, já resvala para a negação. Tanto que, a exemplo de outras estruturas, como os partidos políticos, estamos sofrendo hostilidades, como mostram os ataques pessoais e patrimoniais. Atear fogo em um carro de reportagem tem peso simbólico semelhante a quebrar uma vidraça de uma casa legislativa. Provavelmente, o ato tenha muito mais significado do que a revolta do manifestante que enfrenta a polícia à tarde e, ao chegar em casa, à noite, descobre que o telejornal o chamou de vândalo, baderneiro e bandido.

Com o esperado arrefecimento do ativismo de rua, nos próximos dias ou semanas, é de praxe que os envolvidos, diretamente, recolham os cacos do que sobrou e, enquanto lambem as feridas, reflitam nas mudanças que se impõem. Tal qual os governos e demais poderes, a imprensa precisa descobrir qual a parte que lhe cabe nesse latifúndio. Será um erro dourar a pílula, fazer de conta que a crise não lhe pertence e canalizar, comodamente, as perguntas para as instituições lá fora. Terceirizar culpados é sempre a pior escolha. Assim como a forma de se fazer política no Brasil, os protestos indicam que os formatos de cobertura envelheceram drasticamente. A imprensa precisa se reinventar.

O Brasil ler cada vez mais, é o paraíso do consumo de quinquilharias eletrônicas e tem uma das maiores taxas de conexão à internet do mundo. Há alguns anos, esse seria o cenário ideal para uma mídia endinheirada e de crescimento vertiginoso. Há muitos fatores que explicam a patinada em números de faturamento, audiência e circulação. Certamente, entre eles está o distanciamento. Diferentemente de em outras épocas, no mundo de hoje veículo de comunicação nenhum se mantém de pé se ficar falando sozinho. Tem de reconhecer a via de mão dupla com seus variados públicos. As pautas precisam ser mais arejadas, plurais e horizontalizadas. A transparência das empresas também conta muito em ativos de credibilidade. Estas são possíveis pistas que podem recolocar a imprensa como relevante na cabeça das pessoas. Os protestos foram um aviso. A mídia precisa voltar a mediar. Senão, ficará desimportante e deixará de existir da forma como a conhecemos.

FOMOS BEM

PÓS-COPA NA ARENA CASTELÃO

Mostramos o que funcionou e o que ainda tem se ser melhorado para 2014

FOMOS MAL

OPOSIÇÃO

Abrimos pouco espaço para o contraditório ao pacote apresentado pela presidente Dilma.”