Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Suzana Singer

“Às vezes, um erro é somente um erro. Não há conspiração, má vontade nem segundas intenções. Parece difícil acreditar, mas foi isso que aconteceu na edição da última pesquisa eleitoral do Datafolha.

No domingo, o jornal informou que, em um cenário sem a candidatura de Marina Silva, a maior parte dos seus votos iria para a presidente Dilma Rousseff. Dois dias depois, a correção: Eduardo Campos, e não Dilma, herda a fatia mais gorda dos eleitores da ex-senadora.

Foi um tremendo erro, que suscitou todo tipo de crítica e dúvida. ‘Nunca imaginei um engano de interpretação dessa magnitude de um instituto de pesquisa, o que me leva a crer num viés político. Sempre achei a Folha mais inclinada ao petismo’, escreveu o empresário Renato Scala, 45.

O professor de geologia da USP Teodoro Isnard Ribeiro de Almeida, 59, disse que respeita tecnicamente o Datafolha, ‘daí interpretar a releitura da pesquisa [o erramos] como política’.

O jornal publicou a correção com visibilidade, inclusive na Primeira Página, como determina o ‘Manual da Redação’ em casos de ‘gravidade excepcional’.

Só que explicou mal o que aconteceu. É importante deixar claro, para o bem da reputação do Datafolha, que não foi um erro do instituto, mas da Redação. ‘O engano foi provocado por uma leitura apressada de um gráfico preparado pelo Datafolha a partir de cruzamentos que não estavam no relatório principal’, explica a editoria Poder.

O Datafolha é uma das unidades de negócios do Grupo Folha, não é parte da Redação. O jornal é um dos clientes do instituto, que faz pesquisas de mercado para agências de publicidade, empresas, ONGs etc.

Na época de eleição, Datafolha e Redação combinam o cronograma dos levantamentos e discutem os itens do questionário. O instituto não faz pesquisa de intenção de voto para partidos políticos nem para candidatos, apenas para a Folha e outras empresas de comunicação.

É indiscutível o peso das pesquisas eleitorais. O erro na edição do primeiro levantamento feito depois do lance mais surpreendente da corrida eleitoral –a aliança Marina-Campos– é o ingrediente perfeito para quem não acredita em imprensa apartidária.

Os céticos precisam levar em conta, entretanto, que erros acontecem. Inclusive alguns lamentáveis, como esse último da Folha.

No escuro e a seco

A Folha acusou a presidente Dilma de entregar casas sem água nem luz no interior da Bahia. O jornal mostrou, na quarta-feira, que parte das moradias inauguradas em Vitória da Conquista, no programa Minha Casa Minha Vida, estavam no escuro e a seco. Os moradores usavam velas à noite e enchiam baldes nas casas dos vizinhos.

Bastava ler o ‘outro lado’ para concluir que a acusação não fazia sentido. O Ministério das Cidades explicou que as casas foram entregues com instalações elétricas e hidráulicas e que cabia ao beneficiário do programa pedir a ligação dos serviços às empresas de distribuição do Estado.

Acontece o mesmo com quem compra um imóvel sem ajuda federal: é a pessoa que, depois de receber as chaves, aciona o fornecimento de água, luz, gás, telefone.

Os casos relatados indicavam que nem havia um problema exagerado de demora na entrega desses serviços. Apenas uma dona de casa esperava a instalação de luz havia oito dias, três a mais que o prazo dado pela companhia elétrica.

Diante das explicações dadas pelo governo e pelas concessionárias de serviços estaduais, o jornal deveria ter derrubado a reportagem. Não adianta registrar burocraticamente o ‘outro lado’, como prega o ‘Manual da Redação’, mas insistir numa acusação vazia.

A Redação não concorda. ‘A informação de que as casas foram entregues sem água nem luz é relevante por mostrar a pressa com que o governo tem organizado essas inaugurações, por motivos obviamente eleitorais. O objetivo da reportagem era mostrar isso e não culpar a presidente pela falta de água e luz’, diz a editoria Poder.

Se era assim, por que o título dizia ‘Dilma multiplica viagens e entrega casas sem água e luz’? Em plena campanha (alguém duvida que já começou?), é preciso ser mais rigoroso com as denúncias envolvendo qualquer um dos candidatos. Do contrário, o jornal estará apenas fornecendo matéria-prima para os programas eleitorais de 2014.”