Friday, 03 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Carlos Eduardo Lins da Silva

‘Três dos melhores trabalhos publicados por este jornal em 2008 se devem em grande parte ao Datafolha, que comemora o jubileu de prata.

A série DNA paulistano e os cadernos especiais sobre jovens e racismo são exemplos de debate aprofundado de temas de interesse público a partir de dados empíricos relevantes e confiáveis.

Quando foi criado, em 1983, o tipo de metodologia usado pelo Datafolha (chamado ‘survey’, pesquisa quantitativa baseada em questionários fechados) era objeto de grande debate na comunidade acadêmica do país.

Eram os tempos de chegada à democracia, e o espírito crítico andava aguçadíssimo. O bordão de Pierre Bourdieu (‘a opinião pública não existe’) para denunciar esses trabalhos estava em voga.

De fato, a pesquisa quantitativa não consegue dar conta de problemas sociais mais complexos. Tanto é verdade, que o próprio Datafolha desenvolve muitos trabalhos em que utiliza métodos qualitativos quando necessário.

O exagero com que se utilizavam as pesquisas de opinião fornecia munição aos inimigos. E a Folha ajudava. Encantada com o material que o Datafolha lhe fornecia, a Redação extrapolava na sua utilização.

Caio Túlio Costa, secretário de Redação na época e primeiro ombudsman deste jornal, chega a dizer que ele virou ‘uma espécie de refém das pesquisas’. É de Costa a blague de que se o mundo acabasse a manchete da Folha seria: ‘Mundo acaba; 50% discordam’.

Mas o nível de qualidade do trabalho do Datafolha é tão alto, que não há como discutir sua competência. Ele já produziu 3.445 pesquisas de opinião e de intenção de voto publicadas pelo jornal, e o índice de erro é irrisório.

Graças ao trabalho de sociólogos como Vilmar Faria, Reginaldo Prandi, Antônio Flávio Pierucci, Mara Kotscho, Antônio Manuel Teixeira Mendes, Gustavo Venturi e Mauro Paulino, o atual diretor, o instituto desenvolveu um modelo próprio, que se tem mostrado muito eficiente.

Além de ter acertado em cheio as intenções de voto em quase todas as eleições pós-regime militar, revolucionou a análise estatística de jogos de futebol, criou modo objetivo de avaliar salas de cinema e medir multidões e faz pesquisas de mercado muito requisitadas por grandes empresas. Em momentos de pico, chega a contar com o trabalho de 1.300 pessoas. Só uma empresa grande e forte é capaz de sustentar isso.

No Brasil, não há outro grupo de comunicação com seu próprio instituto de pesquisas. No mundo, são raros. O primeiro precursor foi uma revista semanal americana, ‘Literary Digest’, que circulou entre 1890 e 1938.

Sua experiência com pesquisa naufragou na eleição de 1936, quando previu que o candidato do Partido Republicano, Alfred Landon, derrotaria ‘de lavada’ o presidente Franklin Roosevelt, que se reelegeu com 60,8% dos votos. Com o Datafolha, isso seria impossível.’

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‘Do cabelo azul aos piercings’, copyright Folha de S. Paulo, 30/11/08.

‘É difícil interpretar opiniões, desejos, gostos, atitudes de contingente tão grande e diversificado de pessoas como o dos leitores desta Folha.

Até o domingo, quando publiquei críticas à edição eletrônica deste jornal, só recebera mensagens contra ela.

Nesta semana, chegaram várias outras, bastante favoráveis à versão que aparece na internet. E só uma contrária.

Nenhum grupo é estatisticamente expressivo: cerca de uma dúzia cada um. Ou seja: a esmagadora maioria que não se manifestou pode pensar de um jeito ou de outro.

A conclusão: há pelo menos dois tipos de leitores da edição eletrônica. Um a acessa como fonte primária; outro lê o jornal impresso e vai a ela para ‘clipar’ matérias ou lhes dar alguma utilização na internet.

No primeiro, a tendência é não gostar da atual versão eletrônica; no segundo, a oposta.

Entre os apoiadores, destaco o leitor, muito crítico, Darlan Zurc: ‘A versão na internet é bem caprichada, é visualizada na linguagem de todo browser e é gostosa de ler’.

Zurc intui outra diferença entre essas duas turmas: a etária. Ao se referir ao leitor para quem o pessoal da Folha vai ter de pintar o cabelo de azul de tão velho que está, disse: ‘Aposto até que tal leitor tem doze anos e meio, só veste Prada e tem uns trinta e cinco piercings no olho direito’.

Um consenso: fazem falta na versão eletrônica artes, gráficos e fotos da impressa.’

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‘Para ler’, copyright Folha de S. Paulo, 30/11/08.

‘‘Metodologia da Pesquisa-ação’, de Michel Thiollent, Cortez, 2005 (a partir de R$ 17,10) contém uma bem embasada crítica da metodologia de pesquisa de opinião feita com questionários

‘Precision Journalism’, de Philip Meyer, Rowman & Littlefield Publishers, 2002 (US$ 30,95, no site amazon.com) o melhor e mais completo livro sobre como o jornalismo pode se beneficiar de métodos quantitativos de pesquisa

PARA VER

‘Mera Coincidência’, de Barry Levinson, com Dustin Hoffman e Robert DeNiro, 1997 (a partir de R$ 19,90) inteligente sátira sobre um governo guiado por pesquisas de opinião pública

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