Saturday, 04 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Carta Capital

INTERNET
Felipe Marra Mendonça

Silêncio solidário

‘‘Meu maior desafio é perder algo que você toma como natural, uma presença constante. Eu não posso simplesmente falar quanto quero, eu dependo de um aparelho.’ As palavras do americano Clark Harris certamente soam mais dramáticas do que a realidade: ele escolheu se comunicar somente por redes sociais (que não incluem o simples uso do e-mail) durante o mês de maio para arrecadar fundos e informar os interessados sobre leucemia e linfoma, duas doenças cancerosas (http://socialmediaexperiment.com). Harris quer que o gesto seja um tributo à sua mãe, que perdeu uma batalha de dez anos contra o câncer em fevereiro deste ano.

A principal ferramenta de comunicação de Harris, que trabalha com tecnologia, é o Twitter, onde ele usa o nome @SilentClark- (Clark Silencioso). ‘Quer melhor desafio, para um cara que nunca cala a boca, do que não falar por um mês inteiro?’, disse em entrevista ao Mashable (www.mashable.com). ‘Eu gosto de falar e essa habilidade é minha principal ferramenta para conversar com as pessoas. Se não consigo falar pessoalmente, gosto de fazê-lo por telefone. Agora preciso encontrar um telefone com acesso à internet ou um computador ou estou preso dentro de mim. Conseguir ser social em público dá trabalho.’

Harris diz que a experiência até agora o fez tornar-se uma pessoa mais atenciosa. ‘A relação entre falar e escutar mudou completamente para mim.’ Outro aspecto do silêncio é que às vezes fica complicado dar uma resposta imediata ao que parece ser uma pergunta prosaica de um estranho. Segundo contou no seu site, Harris disse que se encontrou com um colega de trabalho no caminho para o escritório, mas simplesmente não pôde dizer nada e o resto do caminho resumiu-se a gestos frenéticos entre ambas as partes. Ao chegar ao prédio da companhia, os dois homens foram abordados por um policial que precisava chegar a um andar, mas não tinha o crachá necessário e pediu ajuda aos dois. Harris diz que o colega evitou que a situação se tornasse algo mais constrangedor ao explicar ao policial por que ele não respondeu ao pedido.

‘Às vezes, as pessoas acham que eu sou mesmo mudo, então preciso ter algum jeito de mostrar que é uma escolha e não uma condição minha. Quando falo que estou arrecadando fundos para pesquisas sobre a leucemia em memória de minha mãe, a resposta é sempre positiva.’ Para conseguir ‘falar’ tudo isso, Harris carrega um cartão com os dizeres: ‘Eu não posso falar! Por quê? www.socialmediaexperiment.com – Como podemos nos comunicar? Você fala. Eu respondo via Twitter no @SilentClark’.

O experimento de Harris é talvez uma versão radical da tentativa dos quatro jornalistas francófonos que se enclausuraram em uma fazenda francesa sem acesso a qualquer mídia tradicional e que se propuseram a criar artigos noticiosos com o que conseguiam tanto no Twitter quanto no Facebook, como relatado na edição 582 de CartaCapital. Os jornalistas podiam pelo menos falar e discutir seus achados com as estações de rádio que os empregavam, mas Harris não pode sequer falar com a própria mulher. ‘Às vezes, minha mulher quer conversar sobre algo e ambos ficamos frustrados e precisamos esperar até que o iPhone rode o aplicativo que eu preciso para dar uma resposta. Simplesmente tivemos de aprender e esticar nossa paciência.’ Boa sorte a ele.’

 

******************

Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo

Folha de S. Paulo

Comunique-se

Carta Capital

Agência Carta Maior

Veja

Tiago Dória Weblog