Monday, 27 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1289

Cedendo ao autoritarismo de Cingapura

No mês passado, no mesmo dia em que oNew York Times elogiou o Google por não ceder à censura na China, o jornalInternational Herald Tribune – que pertence à New York Times Company – desculpou-se ao governo de Cingapura e concordou em pagar US$ 114 mil em danos por ter violado um acordo legal de 1994, referindo-se aos líderes do país de um jeito que eles não gostaram. Tudo para não ser processado mais uma vez.

O jornal foi condenado por difamação há 16 anos, por conta de uma coluna que sugeriu que as autoridades haviam conseguido seus cargos por conta de nepotismo. Na ocasião, oTribune teve que pagar US$ 678 mil e prometer não fazer tal alegação novamente. Mas, em fevereiro, o diário citou Lee Kuan Yew, primeiro-ministro fundador do país, e seu filho, Lee Hsien Loong, atual primeiro-ministro, em uma coluna de opinião sobre dinastias políticas.

Depois que os dois reclamaram, representantes do jornal esclareceram que o artigo não queria dizer que o jovem Loong não alcançou sua posição por mérito, desculpando-se por qualquer estresse ou embaraço causado. A declaração foi publicada na versão impressa e no site que compartilha com oNYTimes, informou o ombudsman deste último, Clark Hoyt, em sua coluna de domingo [4/4/10].

Alguns leitores ficaram surpresos que uma organização de mídia com um histórico de defender os valores da Primeira Emenda da Constituição americana tenha se curvado a um regime tão autoritário. Os líderes de Cingapura usam com frequência o sistema legal local para silenciar seus críticos. Segundo Stuart Karle, ex-conselheiro geral doWall Street Journal, eles nunca perderam um processo.

A noção de que seria algo difamatório chamar uma família política de ‘dinastia’ parece absurda nos EUA, onde oNYTimes já usou o termo para sobrenomes como Kennedy, Bush e Clinton. Mas em Cingapura a história é outra. Lee Kuan Yew já revelou que usa as antigas leis de imprensa para garantir que ‘jornalistas não se sintam poderosos e onipotentes’. Há quatro anos, oNYTimes citou seu filho dizendo que, se ‘o país não tiver lei de difamação, será como na América, onde as pessoas fazem comentários terríveis sobre o presidente que não podem ser provados’.

Segundo George Freeman, advogado do grupo Times, o acordo de 1994 feito com oTribune é o único de que ele tem conhecimento. Bill Keller, editor-executivo doNYTimes, afirma que não há qualquer acordo com o diário sobre o que deve ser escrito ou não em relação a Cingapura. ‘Não trabalhamos assim’, ressalta.

Por dentro do acordo

Foi Richard Simmons, presidente doTribune em 1994, quem autorizou o acordo – uma forma sugerida pelos advogados da empresa de evitar a repetição de palavras que ofendessem os líderes de Cingapura – que foi quebrado no mês passado. ‘Na minha opinião, não tínhamos escolha. O que a mídia americana absolutamente recusa-se a reconhecer é que a Cingapura funciona sob leis diferentes das dos EUA. Ou as empresas de mídia ocidentais aceitam o sistema legal ou deixam o país’, explica.

Para oTribune e outros veículos que já tiveram que pagar indenização aos governantes daquele país, a escolha foi ficar. Cingapura é um país pequeno, com população de cerca de cinco milhões de habitantes, mas tem um imenso poder como centro financeiro. Para oTribune, o lado comercial falou mais alto: mais de 10% de sua circulação na Ásia vêm de Cingapura. O jornal é impresso lá, para então ser distribuído em outros países da região. ‘Se você quer ser um jornal global, o país tem muitos bancos, comércio e uma população altamente educada que fala inglês’, diz Karle.