Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Crítica interna


’31/08/2005


A entrevista do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, que resultou na manchete de ontem da Folha (‘Severino afirma que mensalão não existe e apóia pena branda’) provocou uma grande reação política e justificou a manchete de hoje – ‘Câmara reage a proposta de Severino’. ‘Estado’ e ‘Globo’ foram por outros caminhos: ‘Relator apontará Dirceu como chefe da corrupção’ (‘Estado’) e ‘CPIs se unem para fazer só um relatório de cassações’ (‘Globo’).


Acho que o jornal deveria ter dado mais visibilidade na capa para o drama do menino de Franca que sofre de doença degenerativa (‘Pai vai à Justiça pedir eutanásia do filho de 4 anos’). O caso vai ressuscitar a grande discussão que tomou conta dos Estados Unidos e chegou até nós, do direito da família de pôr fim a uma vida aparentemente condenada. É um caso que envolve medicina, direito, família e religião. É mais importante do que o fato de os títulos da dívida do Brasil perderem espaço para os da Argentina.


O título ‘CPI aprova convocação de presidente do Sebrae’ não quer dizer nada. Quem foi convocado foi o amigo de Lula, Paulo Okamotto, que teria pago a suposta dívida do presidente com o PT.


Escândalo do ‘mensalão’


O deputado Fernando Gabeira ameaça iniciar um movimento para derrubar o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti. O presidente do PFL, Jorge Bornhausen, diz que Cavalcanti está ‘impedido’ de continuar presidente. E o jornal não explica como é possível destituir o presidente da Câmara. O que diz a Constituição? E o Regimento da Câmara? Há um rito? Qual?


Há um pequeno detalhe que, acho, está errado na ‘Memória’ que o jornal publica do caso da Escola Base (‘Donos de escola foram inocentados’, pág. A6 da Ed. Nac. e A17 da Ed. SP): havia, sim, um primeiro laudo que comprovava ferimento em uma das crianças. Este laudo foi apresentado pela polícia como uma das provas. Depois, a falecida ‘Folha da Tarde’, se não me engano, comprovou que o tal laudo teria sido interpretado erroneamente pela polícia. Nada disso altera o principal: houve ali um erro histórico.


Mundo


Ficou estranho o texto-legenda da foto da mulher mais velha do mundo que morreu ontem (pág. A21). A data da foto deveria estar no crédito da fotografia.


Cotidiano


O jornal informa que o menino de Franca chama-se Jhéck Breener de Oliveira (‘Pai vai pedir à Justiça a eutanásia do filho’, capa e pág. C3 de Cotidiano). No ‘Estado’, ele é identificado como João. Um dos dois está errado ou o ‘Estado’ usou um nome fictício para preservar o nome da criança, como ele a Folha fizeram com a mãe? Não teria sido o caso de a Folha também ter preservado o nome da criança?


O jornal tem uma boa cobertura do caso do menino de Franca. Mas já abandonou um outro assunto polêmico e que merece ser bem explorado, o da liberação de propaganda nos uniformes escolares da rede municipal da capital paulista. O ‘Diário de S. Paulo’, corretamente, decidiu continuar investindo no assunto. É a sua manchete de hoje, ‘Publicidade em uniforme escolar dá lucro de 100% para empresas’. A decisão polêmica da Prefeitura de São Paulo justifica o debate público.


Acabamento:


Título de Cotidiano na Edição Nacional: ‘Laudo pedido pela Impala tem laudo diferente’ (pág. C3).


Esporte


Segundo o ‘Estado’, ‘Pivô da crise, Carla exigiu indenização milionária de Kia’. A exigência, não atendida por Kia, de US$ 2 milhões feita pela neta do presidente do Corinthians estaria na raiz da atual crise do clube com a MSI. Mídia A decisão da Justiça no caso de Gugu Liberato (‘Gugu vai pagar indenização de R$ 750 mil para encerrar ‘caso PCC’) merecia mais visibilidade. É uma decisão importante para o jornalismo sério.


Também não entendo o jornal não ter noticiado ainda a decisão da Justiça que garantiu à revista ‘Veja’ o direito de fazer críticas ao governo e rejeitou a acusação de que as críticas feitas em reportagens e artigos da revista constituíam crime de subversão contra a segurança nacional.


01/09/2005


A Folha arrumou como pôde a quantidade de notícias importantes de ontem. São cinco títulos fortes na capa sobre a tragédia no Iraque (‘Medo de atentado mata 965 iraquianos’), sobre a crise brasileira (‘PF vai indiciar Genoino, Duda, Delúbio e Valério’, ‘Congresso impõe derrota a Lula e derruba veto pela 1ª vez em 5 anos’ e, na Edição São Paulo, ‘Governo de Bahamas vê operações ‘atípicas’ de marqueteiro país’) e sobre as boas novas na economia (‘Indústria melhora e ajuda PIB a crescer 1,4% no 2º trimestre’). É muito estranho a chamada do enviado especial ao Alabama só conter informações sobre Nova Orleans.


O ‘Estado’ e o ‘Globo’ dão manchete para a derrota parlamentar do governo: ‘Congresso derruba veto de Lula e reajusta servidor’ (‘Estado’) e ‘Congresso aproveita crise e aumenta os próprios gastos’ (‘Globo’). O ‘Valor’ revela uma nova forma criativa que os empresários encontraram para não pagarem impostos: ‘Empresários driblam o Fisco com operação ‘casa-e-separa’.


Escândalo do ‘mensalão’


O ‘Estado’ tem boas declarações que não vi na Folha. A ministra Dilma Rousseff defende que o loteamento político das estatais ‘não é atestado de corrupção’. E o ministro Celso Amorim fez críticas à imprensa pela cobertura da política externa brasileira: ‘Imprensa ‘torce contra’, diz Celso Amorim’.


Toda Mídia


A coluna não informa, na nota ‘Política Externa’ (pág. A10 da Edição SP), o nome do ‘‘excelente novo filme’ de Fernando Meirelles que ganhou elogios do crítico do ‘NYT’.


Desastre


Para que serve um enviado especial se não para fazer um relato próprio, pessoal, do que testemunha? Não é o que acontece na Folha de hoje na cobertura da tragédia provocada pelo furacão Katrina no sul dos Estados Unidos. Os relatos do enviado especial do jornal (‘Prefeito diz que milhares podem ter morrido’, na pág. A13, e ‘500 ônibus vão tirar 25 mil de Nova Orleans’, na pág. A14) não têm uma linha sobre o que o repórter deve estar vendo e vivendo em uma das cidades mais atingidas pelo furacão, Mobile. Os dois textos são consolidações de informações colhidas pelo jornal nas agências internacionais e por telefone, e para isso não era necessário enviar um jornalista para o front. É um desperdício.


Também não dá para entender por que o jornal não mobilizou seus repórteres de Curitiba e Belo Horizonte para fazerem reportagens com as famílias de duas brasileiras refugiadas no Superdome de Nova Orleans. A cobertura teria assim mais informações (inclusive fotos) e mais impacto do que a feita por telefone, e de Washington.


Cotidiano


Legenda da foto da página C4 da Edição Nacional que ilustra a reportagem sobre o fim do programa que usava idosas como informantes da polícia no Rio: ‘Idosos [no plural] na praia de Copacabana, no Rio, bairro de onde era a senhora que filmou o tráfico de drogas’. Só que um dos dois ‘idosos’ que aparece na foto é a estátua de Carlos Drummond de Andrade. Aliás, além do erro da legenda, a foto não tem nada a ver com a reportagem. É o que chamamos na Redação de calhau.


Segundo o ‘Extra’ e o ‘Globo’, os traficantes do morro Dona Marta escolhem os operários que devem se contratados e os que devem ser demitidos nas obras que a Prefeitura do Rio faz na favela.


Economia


Reproduzo, para a reflexão do jornal, parte da mensagem de um leitor a propósito dos números positivos da economia: ‘Os dados do crescimento da economia brasileira estão desmoralizando os jornalistas econômicos, não só da Folha como de outras instituições brasileiras. Passou-se mais de seis meses lendo e ouvindo que a economia estava em desaceleração e constata-se agora que era pura especulação, não se sabe com que interesses’. Descontados os exageros possíveis, é uma boa discussão. A repercussão da notícia do crescimento de 3,4% do PIB no primeiro semestre (‘Novo fôlego’, capa e páginas seguintes de Dinheiro) tem mais espaço para o ceticismo do que para as comemorações. Como sou quase sempre cético, acho normal que o jornal questione o desempenho da economia. Mas é preciso ver se não está deixando de perceber a realidade.


Esporte


Registro as informações que recebi de Roberto Dias, editor adjunto de Esporte, a propósito da nota de ontem desta Crítica sobre a crise entre o Corinthians e a MSI: ‘A informação de que ‘a exigência, não atendida por Kia, de US$ 2 milhões feita pela neta do presidente do Corinthians estaria na raiz da atual crise do clube com a MSI’, destacada pelo ombudsman em sua crítica interna de 31/8, não é nova. Um mês antes, em 30/7, abre de Esporte revelou que Carla Dualib já enviou até mesmo notificação judicial ao iraniano, pedindo o dinheiro a que julga ter direito. Que a empresária é o pivô da crise entre clube e parceiro é fato conhecido do nosso leitor. Foi a Folha quem revelou as cifras dos negócios da neta do presidente corintiano (capa de 18/1) _e a oposição de Kia a eles (abre em 27/1). Ou seja, a briga não começou em abril, como diz a primeira frase da reportagem citada. Desde então, houve 28 textos que trataram dos atritos entre Dualib-Kia-Carla. Entre eles, uma capa (2/8) em que o presidente do Corinthians cobrou de Kia pela primeira vez em público o pagamento de comissão a Carla’.


02/09/2005


A Folha volta a incorrer hoje no mesmo erro que ficou flagrante na edição de ontem: está evidente que o repórter enviado para a região devastada pelo Katrina, nos Estados Unidos, não está conseguindo passar informações a respeito do que testemunha. Os textos assinados por ele na primeira página do jornal e internamente contêm apenas informações das agências de notícias. O texto interno (‘Resgate em Nova Orleans tem tiros e caos’, na capa de Mundo) tem apenas dois parágrafos com referências genéricas ao local onde está o correspondente.


O jornal agiria com correção se atribuísse as notícias que consolidou nas edições de ontem e de hoje às agências e outras fontes que dispõe e contasse claramente o drama que o seu profissional deve estar vivendo para se locomover, sobreviver e contatar a Redação em São Paulo. Isso é notícia.


Deve-se destacar o esforço do jornal de deslocar um profissional para a região – é o que os leitores esperam da Folha – e deve-se toda a solidariedade ao repórter, que deve estar trabalhando em condições precaríssimas semelhantes ou piores do que as de guerra. Ele não tem responsabilidade, neste caso, sobre o uso indevido de sua assinatura em informações que não são suas. O problema é da editoria e da direção do jornal, e sugiro a revisão desta política. Não há nenhuma vergonha em informar que o jornalista está tendo dificuldades de chegar aos locais arrasados e transmitir informações. Toda a imprensa está tendo as mesmas dificuldades.


As manchetes dos três jornais concorrentes são praticamente as mesmas: ‘Aprovado por 14 a 0 pedido de cassação de Jefferson’ (Folha), ‘14 a 0 pela cassação de Roberto Jefferson; CPIs listam mais 17’ (edição final do ‘Estado’) e ‘Cassação de Jefferson avança e CPIs pedem a de outros 17’ (‘Globo’).


Escândalo do ‘mensalão’


Estão mais fortes no ‘Estado’ do que na Folha as reações do deputado José Dirceu ao relatório das CPIs que pede sua cassação. No ‘Estado’, o ex-ministro reage fortemente às perguntas dos jornalistas e se diz vítima de ‘fuzilamento político’.


O infográfico do ‘Estado’ com a relação dos 18 deputados que podem ser cassados tem uma informação importante que a Folha não trouxe: o número de votos de cada parlamentar ameaçado. É um dado que ajuda a avaliar o peso de cada um.


Trem


Se a foto que ilustra a reportagem ‘Tráfico ocupa estações de trem no Rio’ não é de um trecho administrado pela Supervia , como admite a resposta do repórter da Folha à carta da empresa (‘Trem’, no Painel do Leitor de hoje), o jornal também teria de ter ouvido a concessionária que explora o transporte de cargas. Como saiu, ficou parecendo que todos os casos realmente se passam nas áreas administradas ou servidas pela Supervia.


Resposta de Dinheiro


Sugeri ontem, na Crítica Interna, uma discussão sobre a cobertura jornalística da economia brasileira a partir de uma mensagem curta de um leitor. Recebi do editor de Dinheiro, Sérgio Malbergier, via Secretaria de Redação, a seguinte resposta:


‘Os jornalistas de economia da Folha não foram ‘desmoralizados’ com o dado do PIB do 2º trimestre como sugere a crítica de ontem do Ombudsman citando carta de um leitor. Pelo contrário, acertaram ao dizer, já há um mês e muito antes da concorrência, que a economia mostrava recuperação no período. Envio para conhecimento dois textos bastante claros do jornalista de economia Pedro Soares (cheio de moral) escrevendo em 31 de julho que o crescimento retomava fôlego, inclusive com a previsão de que alta ficaria entre 1% e 1,5% do PIB no citado trimestre. Ficou em 1,4%’.


Parabéns, embora não consiga entender o que significa ‘cheio de moral’ em jornalismo. Mas o leitor não se referiu a uma, a cinco ou a dez reportagens, e sim a coberturas. A conveniência da discussão fica, evidentemente, a critério de cada um.


05/09/2005


As acusações publicadas pelas revistas ‘Veja’ e ‘Época’ contra o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, alimentam as manchetes dos jornais de sábado e de segunda-feira. Folha – ‘PF vai apurar acusação contra Severino’ (sábado) e ‘Oposição discute saída de Severino’ (2ª). ‘Estado’ – ‘Líderes já articulam a saída de Severino’ (sáb.) e ‘Partidos vão pedir que Severino se afaste do cargo’ (2ª). ‘Globo’ – ‘Denúncias põem Severino no fogo cruzado da crise’ (sáb.) e ‘Oposição pedirá saída de Severino do cargo’ (2ª).


Sem notícias que fizessem avançar as investigações a respeito do ‘mensalão’, os três jornais saíram com manchetes fracas: Folha – ‘Liminar impede expulsão de Delúbio’. ‘Estado’ – ‘Cassáveis já tentam salvar mandato’ ‘Globo’ – ‘Preso é forçado a garantir a própria segurança no Rio’.


As revistas:


‘Veja’ – ‘O ‘mensalinho’ de Severino’. ‘Época’ – ‘Operação abafa’. ‘IstoÉ’ – ‘A hora da degola’. ‘Carta Capital’ – ‘No fundo do poço’.


Escândalo do ‘mensalão’


A Folha tem um vasto material na edição de DOMINGO que questiona o presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti: ‘Oposição pede investigação e sugere saída de Severino’ (pág. A4), ‘Fragilizado, Severino se une a Lula e atrai a ira de oposicionistas’ (A5), ‘Oposição deve pedir desculpa por eleição de Severino, diz Lessa’ (A6), ‘Gabeira vêm Lula ‘despreparo’ de Severino’ (A10). Não foi dado espaço proporcional à defesa e à versão de Severino. A não ser que o jornal considere a notícia ‘A pedido de Severino, PF começa a investigar tentativa de extorsão’ (pé da pág. A5) como o ‘Outro lado’ do caso.


A principal reportagem de domingo, ‘Oposição pede investigação e sugere saída de Severino’ (A4) faz referência a ‘novas denúncias’, mas só cita a da revista ‘Veja’, esquecendo-se da ‘Época’.


O ‘Estado’ traz no domingo uma manifestação de 1.200 militantes do MST do Pontal a favor do deputado José Dirceu, ‘Rainha racha MST com ato pró-Dirceu’. Não vi na Folha.


A reportagem ‘Planalto pressionou Dantas por fundos’ (A20 de domingo) deveria ter deixado logo claro, nos primeiros parágrafos, a informação que só foi aparecer no 20º parágrafo: as mensagens eletrônicas que a Folha teve acesso foram anexadas ao processo que corre na Justiça dos Estados Unidos pelos advogados de Daniel Dantas. A informação deveria estar já no primeiro ou no terceiro parágrafo. Como saiu, não fica claro que foi o próprio banqueiro que encaminhou seus próprios e-mails para reforçar a sua defesa. Por esta mesma razão, o jornal deveria ter sido menos afirmativo no título. Era o caso de atribuir ao banqueiro a informação de que o Planalto o pressionou. Como saiu, a Folha assumiu como verdade que o Planalto pressionou. A linha fina da manchete vai na mesma direção: ‘Mensagens eletrônicas de 2003, trocadas entre banqueiro e executivo do Citibank, revelam ingerência do governo sobre fundos’.


Segundo o ‘Estado’ na edição de hoje, o ex-gerente da gráfica Villimpress, de Ribeirão Preto, ‘detalha como empresa pagou campanha do PT em Ribeirão’


Detalhe:


É provável que tenha sido mal empregado o substantivo recrudescimento no texto da reportagem ‘Maluf confirma que deixará PP’ (pág. A9 de hoje): ‘A situação de Maluf no PP não é boa. A cada eleição, ele assiste a um recrudescimento de seu poder político. No ano passado, parlamentares da sigla pediram o afastamento formal dele dos quadros partidários -o que não aconteceu’ .


Cotidiano


O jornal acerta ao dar continuidade às reportagens sobre ética no universo da saúde. Boa a reportagem de domingo, ‘Farmácia espiona médicos para laboratórios’ (capa do caderno Cotidiano).


Duas cartas no ‘Painel do Leitor’ de hoje (‘Uniformes e propaganda’) mostram com a decisão da Prefeitura de S. Paulo de colocar anúncios nos uniformes escolares ainda rende uma grande discussão.


Aviso


Por conta de compromissos em São Paulo e o feriado de 7 de Setembro, não haverá Crítica Interna amanhã e depois.’