Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Crítica interna

"20/09/2004


‘Veja’ tem, neste final de semana, reportagem que deve permanecer na pauta nos próximos dias: ‘O escândalo da compra do PTB pelo PT. Saiu por 10 milhões de reais’. As outras manchetes de domingo e de hoje: Folha: ‘Corrida eleitoral se estabiliza em SP’ (dom.) e ‘Elite instruída leva 98% dos empregos’ (2ª); ‘Estado’: ‘Ajuste fiscal avança contra alta do juro’ e ‘Novos cargos e reajuste de servidor custarão R$ 9,7 bi à União em 2005’; ‘Globo’: ‘Bolsa Família vira moeda eleitoral no interior do RJ’ e ‘Governo envia equipe ao Rio para investigar Bolsa Família’; ‘IstoÉ’: ‘Fé para exportação’; ‘Época’: ‘20 truques para turbinar sua memória’


‘Eleições 2004’


A Folha saiu na frente e lançou no domingo seu caderno ‘Eleições 2004’. O caderno dá mais visibilidade para as campanhas, e espaço para uma cobertura diversificada. Achei as edições de domingo e de hoje bem equilibradas no quesito espaço e crítica em relação aos dois candidatos que disputam a eleição paulistana, José Serra e Marta Suplicy. A edição de domingo está bem balanceada, com pesquisa (‘Quadro eleitoral se estabiliza em SP’), análise (‘PSDB e PT anunciam disputa inédita na capital’), personagens e o noticiário do dia. Achei muito boa a reportagem sobre a juventude dos candidatos (‘Artistas quando jovens’, pág. 8 do caderno especial).


Acho que faltaram, nas duas edições:


– mais informações sobre o quadro nacional. O noticiário/levantamento sobre as eleições nas principais cidades do interior do Estado me pareceu ok;


– informações, perfis, projeções, investigações, balanço sobre os candidatos a vereador de SP;


– análises das eleições em SP e outras cidades feitas por cientistas políticos e especialistas; é importante que o jornal traga análises diferentes desta eleição que vem adquirindo uma importância cada vez maior.


A capa de segunda é muito boa: ‘Alckmin dobra propaganda oficial na TV após início de horário eleitoral’. Como o governo federal também está fazendo algo parecido, acho que a linha fina deveria ter sido dedicada à Marta/Lula, já que Alckmin está no título. O texto da reportagem e as artes têm a preocupação de mostrar que os dois candidatos e seus padrinhos têm estratégias semelhantes. O título e a linha fina deveriam ter tido a mesma preocupação. Sugiro levantamento semelhante no Rio, comparando as inserções dos governos federal, estadual e municipal. O ‘Globo’ fez um levantamento de verbas, publicado na edição de domingo, mas não de inserções na TV.


Há um problema, tanto na edição de ontem como na de hoje: as reportagens sobre as administrações PT (municipal) e PSDB (estadual) estão saindo no caderno ‘Eleições’ e em ‘Cotidiano’. Hoje, temos o lixo, no caderno especial (Ed. SP), e dois assuntos relevantes para o acompanhamento dos eleitores (metrô e vagas escolares) em ‘Cotidiano’. Sei que há uma limitação de espaço no caderno especial. Mas o jornal deveria encontrar uma forma (remissão, selo) que ajudasse o leitor a identificar as reportagens sobre as administrações que têm interesse para o seu posicionamento eleitoral.


O presidente Lula inaugurou no sábado um trecho da Radial Leste e o jornal contextualizou o ato, acertadamente, no ambiente eleitoral. Ainda na tarde de sábado, por causa das chuvas, a área foi alagada e várias casas foram invadidas por água e lama. Vários moradores protestaram. A impressão que fica é que foi mais uma destas obras inauguradas às pressas, às vésperas da eleição, como vem acontecendo em todas as cidades. Só que, neste caso, o presidente esteve presente fazendo campanha. O ‘Estado’ noticiou o alagamento e a lama com destaque hoje, assim como o ‘Globo’. A Folha fez uma referência ainda na edição do domingo, mas apenas uma referência. Não foi ao local, não avaliou o que ocorreu, não ouviu as pessoas, não questionou a obra. Na edição de hoje traz apenas um ‘outro lado’ da prefeita, no pé da reportagem (pág. Esp. 2) sobre o dia de campanha (‘Prefeita chama petistas para conquistarem votos de Serra’).


O PT conquistou a Prefeitura de SP em 1988 e 2000, e não em 2002, como está no segundo parágrafo de ‘PSDB e PT anunciam disputa inédita na capital’ (pág. Esp. 5).


Nos concorrentes


O ‘Estado’ está investindo, desde quinta-feira, na CPI do Banestado e nos seus infindáveis subprodutos policiais e políticos. No domingo, o jornal destinou três páginas para o assunto: ‘Empresário [Cecílio do Rego Almeida] enviou US$ 10 milhões sem avisar BC’, ‘Opportunity não investiu sem aval de clientes, diz diretora’ e ‘Cipriani, o homem que parou a CPI do Banestado’. O ‘Globo’ (e o ‘Estado’, no domingo) vem investindo no Bolsa Família, primeiro pela constatação da falta de controle e, agora, pelo uso eleitoral. Foi a manchete do jornal do Rio ontem e hoje. ‘Estado’ deu duas páginas para o assunto no domingo (‘Bolsa-Família não tira crianças do trabalho’, é o resumo) e foto em preto-e-branco na capa do jornal.


‘Revista’


Ficou estranho a inserção de um anúncio do Pão de Açúcar com ofertas esportivas e convite para a Maratona Pão de Açúcar de Revezamento na seqüência da reportagem sobre corridas e maratonas de SP. Foi mera coincidência ou foi um anúncio programado? Gostaria de obter uma resposta da Redação.


Superávit


Esta crítica, mais uma vez, bobeou. Reclamei, na sexta-feira, que a Folha não havia tido a informação, veiculada naquele dia pelo ‘Globo’ e pelo ‘Valor’, de que o governo discutia proposta do Ministério da Fazenda de aumentar o superávit primário ainda em 2004 e, com isso, evitar aumentar a taxa de juros. A Folha já havia publicado a informação na quinta-feira, em reportagem do Kennedy Alencar: ‘Ministro trabalha nos bastidores para aumentar meta de superávit com o objetivo de atenuar elevação da Selic – Palocci quer esforço fiscal maior para travar alta dos juros’.


17/09/2004


A Folha dá manchete para o recorde da Receita: ‘Arrecadação federal cresce 22% em agosto’. A linha fina tenta dimensionar a importância da informação: ‘Receita atribui recorde a crescimento econômico; analista vê maior carga tributária’. O jornal, acertadamente, consegue espaço no alto de sua capa para as investigações relativas aos ataques a moradores de rua, em São Paulo (‘3 suspeitos são presos por mortes de sem-teto’), e para informações exclusivas (‘Europa faz uma oferta melhor para o Mercosul’ e ‘Casa Civil aumenta em 28% cargos de confiança’).


O ‘Estado’ reserva a manchete para a tramitação da Lei de Biossegurança (‘Transgênico: Senado adia aprovação, mas governo diz que não editará MP’), mas mantém a visibilidade para os assuntos (CPI do Banestado) que deu destaque ontem: ‘Para Virgílio, dossiê paralelo é ‘a cara de Zé Dirceu ‘ e ‘Opportunity terá de explicar uso de dinheiro’.


O ‘Globo’ informa que é balela esta história de independência do Banco Central: ‘Lula e Palocci atuaram para impedir alta maior dos juros’. E ‘Valor’ também tem informação relevante: ‘Palocci propõe a Lula elevar superávit fiscal’. O ‘Estado’ tem chamada menos enfática: ‘Governo estuda crescer superávit’.


Ah, sim! E tem a Luana Piovani, na capa do ‘Dia’.


‘Erramos’


O ‘Manual da Redação’ assim orienta, na sua página 41, a correção de erros: ‘…informe qual o erro cometido, corrija-o e procure acrescentar informações de forma didática’. Era o caso, hoje, em relação ao mapa de Israel publicado, ontem, errado. Acho que o jornal deveria ter editado, no mesmo formato mínimo de ontem, o mapa correto com a localização da cidade de Bnei Sakhnin, sede do time de futebol israelense.


No ‘Estado’


Não vi na Folha as declarações do presidente da Câmara, João Paulo, para quem os deputados são obrigados a apoiar o governo para sobreviver no Congresso (‘Para João Paulo, deputado vira refém do governo’). Também está no ‘Globo’: ‘João Paulo: atual sistema eleitoral obriga deputados a aderir ao governo’.


O ‘Estado’ continua a investir nos dados colhidos na CPI do Banestado: ‘Opportunity terá de explicar remessas de dólares’. Está parecendo que, se as investigações forem realmente adiante, o Opportunity pode ficar em situação difícil porque alguns de seus clientes, flagrados por terem enviado dinheiro para o exterior via doleiros, informam que tinham feito aplicações através do banco. A responsabilidade, portanto, é do Opportunity.


O jornal está ignorando o enfrentamento entre oposição e governo provocado pela quebra de sigilo bancário de Tasso Jereissati. Embora não seja novidade, o fato parece alimentar a crescente hostilidade entre os dois lados. Não é o único fator, uma vez que estamos em vésperas de eleições e acabamos de assistir à ofensiva governista no Senado, mas está tendo peso no ambiente político.


Iraque


De Francis Fukuyama para Fernando Canzian (pág. A10): ‘Quem acredita que é possível realizar eleições gerais [no Iraque] no final de janeiro deve estar fumando algo muito forte. Isso não será possível’.


A profecia pode ser furada, mas a frase é ótima.


Superávit e juros


‘Valor’ e ‘Estado’ informam que o governo discute proposta do Ministério da Fazenda de aumentar o superávit primário ainda em 2004 para evitar aumentar a taxa de juros. Segundo os dois jornais, a proposta é da Fazenda, mas o presidente Lula já participa das discussões.


O ‘Globo’ informa que o presidente Lula e o ministro Palocci trabalharam ao longo da semana para garantir que o aumento da taxa de juros fosse o menor possível. Para isso, fizeram gestões junto ao Banco Central. Eles ‘teriam decidido intervir pessoalmente após serem informados que parte dos diretores do Comitê de Política Monetária (…) defendiam uma alta imediata de 1,5 ponto percentual na Taxa Selic’.


Tanto a reconstituição da reunião e decisão do Copom que aumentou em 0,25 ponto os juros como os bastidores das conversas entre a Fazenda e o Planalto são, a meu ver, as informações mais importantes de hoje na economia, e não estavam na Folha.


Massacre no centro


Vale lembrar, a propósito da prisão temporária de dois PMs e de um segurança suspeitos de terem atacado e matado moradores de rua (‘Juiz manda prender três por ataques na Sé’, capa de Cotidiano), que quase sempre que a polícia, pressionada, trabalha com prazos, acaba fazendo besteiras. No caso, pressão da imprensa e do próprio governo, às vésperas de uma eleição importantíssima e para a qual precisa apresentar resultados na área de segurança.


Lendo a Folha e o ‘Estado’, fica claro que a polícia já tem uma história pronta (esquema de tráfico de drogas na região central), mas as provas de autoria ainda são frágeis. Algo parecido com o que ocorreu com o Zoológico.


Retrato da violência


O retrato da violência não está na queda de 17% de homicídios em quatro anos no Estado de São Paulo (pág. C1 da Edição Nacional e C3 da Edição SP) ou de 26,54% na capital. Está na permanência dos índices escandalosos de 35,8 assassinatos por 100 mil habitantes no Estado e de 47,2 na cidade em 2003.


As razões de queda de homicídios são muitas. Acho difícil atribuí-las às políticas de segurança, menos ainda afirmar, como está na reportagem, ‘que as políticas de combate à violência têm conseguido atingir seus objetivos’ A mesma queda é encontrada em outros Estados e cidades do Brasil.


Há um dado importante que a reportagem não procurou aprofundar: a pesquisadora Maria Fernanda Tourinho Peres questiona, com razão, a avaliação otimista da Seade porque as estatísticas disponíveis, tanto no Rio como em São Paulo, subestimam as mortes por agressões e os homicídios.


Independentemente disso, acho que o jornal deveria ter destacado que o índice de 47,2 assassinatos por 100 mil hab. é um escândalo. Bastava compará-lo com os de outras grandes cidades e capitais do mundo.


Municípios como Nova Castilho (98/100 mil), Iaras (89), Itapecerica da Serra (80,3) e tantos e tantos outros mostram o ‘sucesso’ da política de segurança. Um bairro como o Brás ter um índice de 89,2 assassinatos por cem mil habitantes em 2003 é para chorar.


Sugiro ao jornal voltar às estatísticas da Seade com questionamentos e com a preocupação de perceber que o que mostram é indecente. A notícia, insisto, não está na queda de 17% (que deveria ser registrada com destaque) mas na permanência de indicadores insuportáveis.


Aspas


Título da página E6 de Ilustrada: ‘ ‘Intelectual’, Nei Lopes traz Cuba ao samba carioca’. Por que aspas no intelectual se não se trata de uma citação? O texto da reportagem não coloca aspas quando o identifica como intelectual e militante da cultura afro-brasileira. Considera-o, portanto, um intelectual. Por que a edição recorreu às aspas? Acha que ele não é um intelectual? Neste caso, deveria colocar aspas no texto da reportagem ou eliminar o termo.


Em coluna recente na Folha (‘Para que servem as aspas’, de 1/7/04), o professor Pasquale lembra que, entre outras funções, as aspas têm a de ‘acentuar o valor irônico ou figurado de certas expressões’.


As aspas, no caso de Nei Lopes, parecem indicar que, para o jornal, um músico popular não pode ser intelectual.


Aliás, é impressionante o uso de aspas nos títulos do jornal, principalmente em ‘Esporte’ e ‘Ilustrada’.


16/09/2004


Manchetes previsíveis:


Folha: ‘BC sobe juros e diz que é apenas o início’;


‘Globo’: ‘BC sobe juros para 16,25% e já aponta novo aumento’;


‘Valor’: ‘BC inicia ciclo de alta de juro com aumento de 0,25 ponto’.


O ‘Estado’ registrou a alta com destaque (‘BC eleva juro em 0,25% e indica nova alta’), mas arriscou uma alternativa para a manchete: ‘Conta de doleiros é arma de chantagem política’.


Outros assuntos comuns nas capas: aprovação da Lei de Biossegurança em comissões do Senado, aprovação de mudanças no Código Penal na Comissão de Constituição da Câmara, a detenção de PMs suspeitos de assassinar moradores de rua, eleições municipais e o enfrentamento Washington/Moscou.


No ‘Estado’


Duas informações importantes no ‘Estado’ que não vi na Folha e que, sugiro, devem ser recuperadas:


‘Gasto com cartão vira segredo de Estado’.


A Comissão de Constituição e Justiça do Senado rejeitou o parecer do senador Sérgio Cabral Filho que permitia o acesso aos gastos do governo federal com cartões de créditos corporativos usados por 39 servidores da Presidência. O Senado, segundo o jornal, deverá decidir agora a partir do voto do senador Aloízio Mercadante, do PT, que defende o sigilo destes dados.


É um caso típico de direito (constitucional) de acesso a informações públicas e acho que o jornal deveria acompanhar.


‘CD-ROM vira arma de chantagem e pára Brasília’.


‘Relator investigou sobrenome da família, queixa-se Tasso’.


‘Até Armínio Fraga usou esquema de doleiros’.


‘Nunca vazei nenhuma informação, diz Mentor’.


A existência do CD, a informação de que dados que deveriam ser mantidos em sigilo pela CPI do Banestado e pelo MP vazaram, e a denúncia de que estes dados poderiam estar servindo para chantagens, não são novidades. A própria Folha deu várias matérias e o Elio Gaspari tratou disso ontem (‘Com vocês, o Big Companheiro’).


O mérito do ‘Estado’ é o de ter trazido mais detalhes e de ter mostrado como a formação destes bancos de dados continua a provocar desconfiança e crise política.


Este é um caso que não deve ficar esquecido.


Remissão


Várias comissões do Senado aprovaram ontem o texto da Lei de Biossegurança que pode ser votada hoje no plenário. A lei trata, entre outros temas, das pesquisas científicas com embriões e da liberação de transgênicos. O jornal optou por publicar o resultado das votações de ontem em editorias diferentes: embriões, em ‘Ciência’; transgênicos, em ‘Dinheiro’. Talvez tenha razão, porque os assuntos puderam ser tratados com mais espaço e propriedade do que se estivessem numa mesma reportagem, como fizeram ‘Estado’ e ‘Globo’.


Mas o jornal deveria informar, em ‘Ciência’, que a notícia sobre os transgênicos está em ‘Dinheiro’.


O hábito de remeter para outras páginas e editorias desapareceu do jornal.


A inexistência de remissão confunde o leitor e empobrece a edição.


A chamada na primeira página, como está hoje, com ênfase quase que exclusivamente na questão dos transgênicos, não ajuda a entender a decisão sobre a clonagem terapêutica.


Nem sempre o jornal tem condições de fazer um editorial sobre um assunto que está em foco na própria edição, como é o caso hoje dos juros. A opinião do jornal (‘Decisão equivocada’) deveria ter merecido uma remissão em ‘Dinheiro’, como orienta o ‘Manual’ na página 97.


Juros


Qual foi a reação do ministro José Dirceu, e dos governistas que eram contra o aumento dos juros, à decisão do Copom? A Folha ouviu o ministro apenas antes do aumento.


Febem


Na reportagem ‘Após denúncias, diretor da Febem é afastado’ (pág. C4 de ‘Cotidiano’), o diretor acusado, José Christiano Viana, não deveria ter sido ouvido? A Edição SP ainda informa que a editoria tentou ouvi-lo, mas na Edição Nacional, nem isso.


Bnei Sakhnin


Está confuso, e provavelmente errado, o mapa que ilustra a reportagem ‘Tabelinha de árabes e judeus quer Europa’, em Esporte, pág. D3. Que territórios delimitam as manchas amarela e marrom? Acho que misturam territórios de Israel com os da Palestina. Como está, a cidade de Bnei Sakhnin tanto pode estar em Israel como na Cisjordânia, não dá para saber."