Wednesday, 01 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Suzana Singer

“‘Nós já demos isso.’ Quem trabalha na chefia de uma Redação ouve essa frase centenas de vezes. É a resposta clássica dada por quem é cobrado por algum furo (informação publicada na concorrência).

Nas reuniões de pauta, acontece mais ou menos assim:

Chefia: Por que não publicamos uma crítica do filme X, que estreou?

Editor: Nós já demos isso.

Chefia: Quando?

Editor: Há dois meses, quando o filme foi lançado nos EUA.

ou

Chefia: O concorrente trouxe que o ministro Fulano recebe aposentadorias indevidas. Ele pode cair.

Editor: Nós já demos isso.

Chefia: Não me lembro…

Editor: Saiu quando ele foi nomeado, no início do governo. Mando um link da matéria para você.

Os diálogos não são pura ficção. As Redações funcionam, em alguns momentos, como espaçonaves em órbita, com lógica própria, descoladas da realidade.

O que adianta publicar, antes de todo mundo, a crítica de um longa e não dizer nada quando ele passa no cinema do shopping? Quem se lembra da trigésima denúncia de corrupção, a não ser quando o político está sob fogo cerrado?

A síndrome do ‘já demos isso’ baixou na Folha outra vez na terça-feira passada. O jornal noticiou mal a previsão de que o Brasil vá se tornar, neste ano, a sexta economia mundial, passando o Reino Unido. A única reportagem falava mais da repercussão do estudo do que dele propriamente, sem nem um quadro com o ranking dos PIBs.

A justificativa: ‘já demos isso’. De fato, em outubro, a Folha publicou projeções do próprio FMI que apontavam a possibilidade de os brasileiros ultrapassarem os britânicos. Os dados saíram no mesmo domingo em que o ex-presidente Lula anunciou estar com câncer e não tiveram repercussão -só ‘The Telegraph’ recuperou a informação.

O levantamento atual, noticiado pelo ‘Guardian’, foi recebido com estardalhaço, virou manchete nos concorrentes da Folha, saiu no exterior (‘El País’, ‘Le Monde’, ‘Financial Times’) e motivou uma entrevista do ministro da Fazenda.

Na hora do ‘buzz’, não faz sentido se calar e apostar que as pessoas vão lembrar-se de uma notícia de dois meses atrás. O leitor da Folha não vive em uma bolha alimentado apenas pelas suas páginas. Ele vê TV, navega na rede e, nos casos importantes, espera que o impresso analise e contextualize o fato.

A Redação não vê erro de avaliação no caso do PIB. ‘A notícia era velha, já tínhamos publicado com destaque em outubro. A consultoria britânica chegou à mesma conclusão, sem acrescentar nada ao que o jornal já havia dado’, diz Ricardo Balthazar, editor de ‘Poder’.

Ele acha que o artigo do ‘Guardian’ só ganhou destaque ‘por causa da seca de notícias’. Foi o que Vinicius Torres Freire chamou de ‘ninharias midiatizadas’ na ‘leseira noticiosa de finais de ano’.

Pode até ser, mas ele dedicou duas colunas ao assunto, explicando ao leitor a (ir)relevância de a economia nacional galgar mais um posto. Fez o que se espera do jornal, em vez de ignorar o assunto, porque, afinal, ‘já demos isso’.

Novelas sem final feliz

Sem aviso, a ‘Ilustrada’ acabou com a seção que trazia os resumos das novelas. Sumiu também o quadro de audiência dos programas.

‘Eu me senti traída. Gosto demais da Folha, que leio há 15 anos’, reclamou a contadora Maira Machado Moraes, 45, que acompanhava os textos até das novelas a que não costuma assistir.

A funcionária pública aposentada Glória Cintra, 69, diz que, em Santa Rosa de Viterbo, um município de 24 mil habitantes do interior de São Paulo, onde vive, não tem ‘nada para fazer, nem cinema’. ‘A gente vê muita novela. O jornal acha fútil falar disso?’

A Secretaria de Redação diz que, com a reformulação da página de TV de domingo, percebeu-se que ‘o resumo das novelas ocupava um espaço desproporcional’ e que agora a informação está na Folha.com. Mas nem isso se lembraram de avisar ao leitor.”