Friday, 03 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Erivaldo Carvalho

“A baixeza mais vergonhosa é a adulação – Francis Bacon, filósofo inglês

Gosto de jornalismo automotivo. Por várias razões. Geralmente, entre os bons textos que procuro ler, fico garimpando, entre uma novidade e outra, soluções que os repórteres encontram para traduzir questões técnicas. Minha experiência me diz que podemos aprender muito mais com relevantes testes e comparações do que com alguns defectíveis manuais do fabricante. Mas o que me chama a atenção mesmo é a linha adotada por jornais e revistas diante do que é publicado. Sendo um dos setores fortes em volume de anúncio, ao lado do imobiliário, a cobertura do mercado de automóveis é também um dos mais desafiadores, editorialmente. Nesse quesito, O POVO precisa repensar o que está entregando a seus leitores e internautas. É inexplicável dedicarmos uma página inteira a marcas e modelos, sem o menor esforço de qualificar o conteúdo. Textos floridos. Imagens reluzentes. Um espetáculo. Mas, sem contrapontos, comparações com outras opções do mesmo segmento ou apresentação de eventuais desvantagens, o jornal empurra papo de vendedor no público, em detrimento da linha que deveria separar o jornalismo da publicidade.

Comparação é o melhor serviço

Observações desse tipo vêm sendo feitas nos relatórios de avaliação às terças-feiras, quando circula a seção Veículos, dentro do Núcleo de Negócios. Como já disse, internamente, o básico do básico seria, a partir do lançamento do modelo em questão, o levantamento de concorrentes diretos, com prós e contras de cada um. É imensa a lista desses aspectos. Preço, consumo, desempenho, dirigibilidade, segurança, conforto, assistência técnica, revenda, depoimentos etc. Com esses paralelos, ofereceríamos um interessante serviço de informação de custo-benefício. O problema foi pontuado e apresentado à editoria nas últimas duas semanas.

O pavê, a resposta e a dica

Tendo os cuidados necessários, é possível se fazer jornalismo automotivo para jornais e revistas regionais. Mesmo quando a convite das marcas, que bancam tudo do bom e do melhor para os enviados. Das passagens aéreas e estadia ao pavê de pêssego. Algumas empresas não aceitam esse formato de cobertura, justamente para não contaminar, por mínimo que seja, o que será publicado. Mas isso é outra discussão. Na terça-feira, 5, no meio de um rápido debate com a editoria, o ombudsman recebeu o lacônico e-mail:’Os carros foram testados pela editoria e, nos textos, estão as impressões dos repórteres. Além, claro, das informações técnicas’. Na tréplica, coloquei outros pontos e pedi uma respostas mais argumentada. Até a noite de sexta-feira, não houve retorno. Em todo o caso, fica a dica: desconfie de textos apresentados como jornalísticos que têm mais advérbios e adjetivos do que verbos e substantivos.

O diabo diante da ingenuidade

Raríssimas vezes é dado ao jornalista o direito à ingenuidade. Tudo que vai ao ar, às rotativas ou aos servidores de internet é eivado de interesses. Na cobertura política, mais ainda. Lembrei dessas duas lições ao ler a manchete de página de Política-17 do O POVO da última terça:’Paraíba] ‘Podemos fazer o diabo na hora da eleição’, diz Dilma’. O assunto rendeu chamada de capa:’Presidente Dilma diz que na hora da eleição pode ‘fazer o diabo’’. Em alguns dos maiores jornais do País, a declaração presidencial rendeu a manchete do dia. A petista referia-se a nada mais do que a diferença que há entre o campo aberto na disputa pelo voto, em épocas eleitorais, e o governo instituído, propriamente. A declaração completa foi a seguinte:’Nós podemos disputar eleição, nós podemos brigar na eleição, nós podemos fazer o diabo. Quando é a hora da eleição. Agora, quando a gente está no exercício do mandato, nós temos que nos respeitar, porque fomos eleitos pelo voto direto do povo brasileiro’. Voltando à história da ingenuidade. É difícil acreditar que o destaque ao recorte da declaração, descontextualizado, não tenha causado uma compreensão bem diferente da original. Há uma legião de leitores que só se ligam e guardam o que está dito na manchete. Até os jornalistas mais ingênuos deveriam saber disso.

FOMOS BEM

CADERNO ESPECIAL sobre morte de Hugo Chávez. Mostramos agilidade e capilaridade na cobertura

FOMOS MAL

ELIMINAÇÃO DE CEARÁ E FORTALEZA do Nordestão. Merecia desdobramentos sobre as causas do duplo vexame”