Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

José Carlos Abrantes

‘A jornalista do DN Leonor Figueiredo relatou, na secção Media, de 23 de Novembro, uma iniciativa pouco usual que se desenrola em França. A associação Repórteres da Esperança criou um prémio para estimular um jornalismo mais ‘positivo’, editando também uma revista anual com o mesmo nome, sendo o n.º 1 feito com contribuições das principais publicações francesas. Tudo isto em ligação com a UNESCO e com o apoio de nomes prestigiados como Jöel de Rosnay, Dominique Wolton, Hubert Reeves, entre outros. Na base da criação desta associação está a constatação feita num estudo em 2001: os franceses vivem a informação ‘em sofrimento’.

No site da organização que gere esta iniciativa, Positif Network (www.positive-network.org), pode ler-se que ‘vivemos muitas vezes os problemas da actualidade com sentimentos de impotência. Ora, as respostas a esses problemas existem já, em germe, um pouco por todo o mundo. Alguns jornalistas sabem detectar essas soluções, essas fontes de esperança, essas iniciativas. Os seus artigos e reportagens incitam cada um de nós a ser actor de mudanças.’

Mas não há bela sem senão e mesmo as melhores intenções tropeçam na dura realidade. Críticas demolidoras, relacionadas com a cerimónia da entrega de prémios e os critérios de escolha dos jornalistas premiados, mesmo sobre as publicações escolhidas, podem ser lidas na Net (www.place-publique.fr). Nem por isso o problema de fundo fica minimizado. Interroguei sobre este assunto Claude-Jean Bertrand, professor jubilado da Universidade de Paris II, especialista em ética dos media. Este assinalou-me, num e-mail, três grandes ‘manchas’ (os paradoxos acompanham-nos!) no jornalismo actual:

1. O lado ‘icebergue’ do jornalismo, que apenas dá atenção a uma pequena parte da realidade, cobrindo sobretudo alguns campos, como o político e os acontecimentos espectaculares;

2. A confusão entre a informação e o entretenimento;

3. O negativismo, que consiste em julgar desinteressantes as coisas positivas.

O investigador chama a esta última característica a ‘sinistrose’ e considera que esta é causa de intenso pessimismo colectivo.

Sobre este negativismo, Claude- -Jean Bertrand lembra que ‘Os cidadãos dizem: ‘Comigo as coisas vão bem, mas a situação do país, do mundo, é terrível.’ E como se conhece mal a História, acrescenta-se: ‘Hoje é pior que nunca, nunca se conheceu tamanha infelicidade’, embora nos países ocidentais as pessoas nunca tenham conhecido tamanha liberdade, prosperidade, saúde.’ Ou seja, o que é do conhecimento directo é pensado positivamente, as representações do mundo, em grande parte resultantes da actividade informativa dos media, são avaliadas com forte pessimismo.Claude-Jean Bertrand sugere que se abandonem alguns mitos jornalísticos, entre os quais o de considerar que apenas as más notícias seriam ‘boas’ notícias (a queda do Muro de Berlim ou a chegada do homem à Lua demonstram o contrário), bem como o abandono do hábito de mostrar o país através de uma visão medíocre, em lugar de analisar os problemas e dar a conhecer as soluções propostas.

Resultará desta situação algum pessimismo colectivo? Terá isso efeitos nas vendas, não desejando uma parte do potencial público leitor gastar dinheiro para ‘só ler desgraças’, o que se ouve amiúde? Será que estes problemas não são comuns ao jornalismo português? Será que nós, portugueses, somos pessimistas inveterados, reflectindo os media apenas esse profundo mal-estar diário? Um editorial recente de José Manuel Barroso, O homem que mordeu o cão, mostra-nos que, também entre os jornalistas, há interrogações sobre se este negativismo é um caminho desejável para os media: ‘Será que tudo somado, notícia a notícia, edição a edição, reflectimos o País real ou um país virtual – visto sobretudo pelo que corre mal, pelo que não alcançamos?’

Inovações que revigorem o jornalismo tornam-se necessárias, abrindo portas que possam arejar práticas rotineiras geradoras de mais do mesmo. Já existem algumas iniciativas que procuram elevar os padrões de qualidade do jornalismo, embora muitas práticas o empurrem para terrenos movediços ou pantanosos. Federar práticas de qualidade é horizonte necessário, desejável e urgente. E positivo, o que não será de menor importância, na crónica de hoje.’