Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Liberal demais da conta

Em sua coluna de 25/7/04, o ombudsman do New York Times fala sobre a fama de liberal do jornal. O debate começa no título, onde Daniel Okrent questiona se o New York Times é realmente um jornal liberal (‘Is The New York Times a Liberal Newspaper?’). Sem demora, a resposta é curta e clara já na primeira linha do TEXTO ‘É claro que é’.

Okrent conta que o mais gordo arquivo de seu computador diz respeito a milhares de mensagens de leitores desapontados, apavorados ou irados com a parcialidade liberal do Times. Não apenas quando se trata de questões políticas, mas em assuntos que vão de moda a aborto e de ciência ao próprio ombudsman – declaradamente Democrata.

As críticas – todas elas – têm fundamento, diz Okrent. ‘Se você pensa que o Times joga no meio de campo em qualquer uma destas questões, você tem lido o jornal de olhos fechados’, brinca. Ele concorda que qualquer jornal tem o direito de decidir o que é importante ou não, mas seus editores não devem se esquecer que muitos leitores podem acabar vendo seu jornal como um inimigo que não o representa ou a seus interesses.

Urbanidade

O publisher do Times, Arthur O. Sulzberger Jr., não considera que o jornal seja extremamente liberal. Ele prefere usar o termo ‘urbano’ para defini-lo. Produzido em uma metrópole tumultuada, poliglota e que não se choca com facilidade – pois já viu de tudo – o Times reflete ‘um sistema de valores que reconhece o poder da flexibilidade’, defende ele.

O ombudsman concorda com Sulzberger em parte. Realmente, diz ele, o Times é um produto que não tem vergonha de identificar e de se apoiar na cidade contida em seu nome. Ele lembra, entretanto, que há seis anos o jornal passou a ser nacional. Hoje, apenas metade dos leitores do Times reside na cidade de Nova York, mas ‘o coração, a mente e os hábitos do jornal continuam enraizados aqui’, diz Okrent.

Este é o problema, conclui o ombudsman. ‘Tirar Nova York do New York Times seria uma péssima idéia. Mas seria ótimo se seus editores tivessem consciência do peso da presença da cidade nas páginas.’ Okrent não acredita que a parcialidade consequente da mentalidade liberal nova-iorquina presente no jornal seja intencional, mas mesmo assim é negligente.

Torcida desbalanceada

Ele dá como exemplo o modo como o Times acompanha o debate sobre o casamento homossexual nos EUA. Segundo Okrent, é frustrante o tom de torcida das matérias e artigos. Não é preciso nem chegar aos textos em si, enfatiza ele, basta ler os títulos das primeiras páginas ao longo deste ano para entender a falta de equilíbrio que tanto incomoda alguns leitores. O ombudsman separa alguns para ilustrar seu argumento: ‘Para filhos de gays, casamento traz felicidade’ [19/3/04], ‘Dois pais, com um feliz para ficar em casa’ [12/1/04] e ‘Casais gays buscam união sob a benção de Deus’ [30/1/04].

O que Okrent tenta mostrar é que, ao ler o Times, só se conhece os aspectos positivos do casamento homossexual, com histórias felizes e personagens risonhos nas fotos. Todos os artigos são legítimos, ressalta ele, mas em conjunto parecem mais uma grande campanha em prol da causa. Ao analisar a cobertura feita por outros jornais, Okrent ressalta que os mais variados aspectos do assunto são abordados por eles, como o impacto do casamento entre pessoas do mesmo sexo na arrecadação de impostos, a falta de pesquisas confiáveis sobre como a criação em famílias gays afeta as crianças, ou o índice de casos de divórcio entre casais homossexuais.

O Ombudsman usa como exemplo um tema que levantou um dos maiores debates dos últimos tempos nos EUA justamente para mostrar que a importância do assunto não impediu que os editores do Times falhassem completamente em promover a cobertura rica e balanceada necessária para o bom jornalismo.