Wednesday, 08 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Manuel Pinto

‘O ‘Jornal de Notícias’ completa, no próximo mês, dez anos de presença diária na Internet, tendo sido o primeiro diário português a disponibilizar uma edição on-line. O facto foi pretexto para umas jornadas que acabam de ter lugar na Universidade do Minho, intituladas ‘Dez anos de jornalismo digital o estado da arte e cenários futuros’.

A presença do JN no ciberespaço, que, nessas Jornadas, foi apresentada e caracterizada pelo editor Paulo Ferreira, em representação da Direcção do jornal, constitui um bom pretexto para a análise do provedor, a quem compete, segundo o estatuto da função, ‘proceder à crítica regular do jornal’.

É interessante notar que este estatuto nunca se refere à edição disponibilizada na Internet. Contudo, e uma vez que, no essencial, o conteúdo é, em traços gerais, o mesmo da versão impressa, é razoável que o provedor se debruce igualmente sobre essa faceta da presença do JN junto dos seus leitores. Se se tratasse de um projecto autónomo, com o seu conteúdo próprio, uma equipa e uma direcção específicas, como acontece já com outros órgãos de comunicação, provavelmente até se justificaria um provedor do leitor específico.

Feito este aparte, recordemos, ainda que brevemente, alguns dados apresentados por Paulo Ferreira, na iniciativa da Universidade do Minho. O JN abriu o seu sítio na web em 27 de Julho de 1995, muito pelo entusiasmo do director de então, Frederico Martins Mendes, e da direcção técnica da empresa. No ano seguinte, um número rondando os 180 mil já acedia semanalmente ao ‘site’. Faziam-no, a partir de Portugal, naturalmente, mas sobretudo (54 por cento) a partir de 70 países, em especial daqueles em que existem comunidades emigrantes. Para se ter uma ideia do salto dado desde essa altura, bastará dizer que, no mês passado, as visitas andaram à roda de 2,3 milhões, predominantemente centradas entre as 8 e as 10 horas e direccionadas sobretudo para o Desporto, o Grande Porto, a Sociedade e a Economia.

Na mais recente remodelação do sítio do jornal na Internet (cf. www.jn.sapo.pt), sobre a qual tive ocasião de me debruçar há cerca de um ano atrás, além da mudança do visual e da estrutura da página, investiu-se na informação local e na actualização noticiosa ao longo do dia. Várias sugestões de correcção então feitas foram tidas em conta, como a disponibilização das edições dos dias anteriores, a redução do destaque dado aos classificados ou a valorização do espaço dedicado a dossiês e portfolios. Já o recurso que possibilitava a consulta de informação local pelo nome da terra estagnou e tornou-se zona morta, enquanto que o sítio do provedor mantém a reprodução de um estatuto desactualizado, perdeu definitivamente o arquivo e com frequência regista problemas com a coluna semanal. No plano da interactividade com os leitores, é verdade que os fóruns ‘Desabafe connosco’ e ‘A sua notícia’ têm sido um espaço de significativas trocas de opiniões e comentários. Basta dizer que só o ‘Desabafe connosco’ já leva mais de 2000 participações – entre mensagens e respostas – desde Janeiro até agora, o que representa mais do dobro das cartas de leitores publicadas na edição impressa. Porém é pobre a interactividade – uma das promessas do jornalismo online – que assenta na criação de um ‘canto’ para o leitor.

Muito há que fazer no sentido de tornar a presença do JN na Internet – que não pode ser olhada como ‘casa de férias’ do jornal – um ponto de encontro não apenas entre o jornal e os seus leitores como também entre os seus jornalistas (e outros sectores do jornal) e os leitores. Valerá a pena acompanhar com atenção as medidas neste mesmo sentido há semanas propostas para o diário ‘The New York Times’.

Nos tempos que correm, em que o acesso à Internet se está a massificar e em que cada vez mais necessidades e tarefas do quotidiano encontram espaço e solução nesse ambiente, o projecto do JN digital tem de ser pensado estrategicamente e para ele canalizado um significativo investimento de energias, competências e recursos. O comando editorial não pode deixar de residir na Redacção e esta tem de ter uma versatilidade e autonomia que são indispensáveis a uma lógica que não se compadece com modos de pensar e de gerir do passado. Ao provedor não compete pronunciar-se acerca da valia da solução encontrada para a gestão da edição online. A percepção construída neste último ano de contactos com diversos sectores do Jornal sugere que, seja qual for o caminho que venha a ser adoptado no futuro, a Redacção necessita vitalmente de dispor de outra margem de acção que, aparentemente, não possui no esquema actual.

Que ninguém se engane, a este respeito mesmo na suposição legítima de que a Internet se tornará para os media um excelente negócio, o JN digital deverá, acima de tudo, ser assumido como um projecto jornalístico. É esta a sua dimensão característica que, antes de tudo o mais, motivará a procura e lhe conferirá credibilidade.

Usar os recursos digitais para servir os leitores

A edição do JN do passado dia 26 de Maio na Internet continha uma ‘mais-valia’ de que os leitores da edição impressa não podiam dispor. Ao fundo da peça sobre o pacote de medidas anunciadas por José Sócrates no Parlamento, para combater os 6,83% do défice das contas públicas (que fazia, de resto, a manchete da primeira página), surgiam dois ‘links’ que diziam o seguinte ‘Leia aqui a intervenção do Primeiro-Ministro no debate mensal na Assembleia da República’ e ‘Clique aqui para aceder ao Relatório da Comissão de análise da situação orçamental apresentada pelo Governador do Banco de Portugal’. E ‘clicando’ nestas frases, a gente lá ia ter aos textos integrais que serviram de apoio aos jornalistas que elaboraram a peça.

Esta forma de leitura e de navegação, a que se dá o nome de hipertextual, poderia e deveria ser a marca característica do jornalismo digital. A realidade dos factos é, contudo, bem diferente muito raramente se utiliza esse tipo de ferramentas e de recursos. Não só no JN. Não apenas na generalidade dos media portugueses disponíveis na web.

Aduz-se, por vezes, como explicação, que os media procuram, deste modo, evitar que os visitantes ‘saltem fora’ do site em que entraram e não regressem. Outros invocam a pressão do tempo para dar as notícias de última hora, a qual não permitiria tirar partido das possibilidades (hipertextuais, multimédia) do digital. Outros ainda preferem falar pura e simplesmente de preguiça.

Seja como for, o que se tem de dizer é que nós estamos ainda nos primórdios daquilo que será o ciberjornalismo. O que temos é, ainda, em grande medida, a transposição para a grande rede digital do jornalismo que se faz nos meios de informação a que se começa a chamar ‘clássicos’. Esta é a situação. Que vai certamente alterar-se.

Em todo o caso, a possibilidade de disponibilizar aos leitores do jornalismo online o acesso fácil aos materiais utilizados pelos jornalistas, e mesmo a outra documentação complementar, deveria ser uma prática cada vez mais frequente. Como fez o JN há dias. (Um aparte, a este propósito, não se compreende que, com a polémica instalada em torno da chamada Constituição Europeia, o site do JN ainda não disponibilize ao menos uma ligação para a tradução portuguesa desse importante documento).

A facultação, na medida do possível, das fontes de apoio e referência dos jornalistas representa um inestimável serviço à cidadania. Mas é igualmente um caminho de transparência e de credibilidade do próprio jornalismo.

Mais de 2000 participações de leitores só em 2005′