Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Marcelo Beraba

‘Recebo uma média de 30 e-mails, cartas e fax por dia. E quase todos os dias chegam uma ou duas mensagens de leitores que acham que a Folha persegue o PT, o governo Lula e a prefeita Marta Suplicy. Não é um percentual grande, mas é muito importante, porque são as reclamações mais fortes e persistentes.

Em síntese, dizem que o jornal está ‘tucano’, ‘oposicionista’, ‘tendencioso’, ‘partidário’ e ‘negativista’. Acusam-no de ter abandonado o pluralismo, mudado de linha, de não ser coerente (com o passado) nem patriótico.

Ao longo de maio, as principais queixas foram reações a reportagens sobre a administração Marta Suplicy, sobre o desempenho político ou econômico do governo Lula, sobre a campanha eleitoral, sobre a Operação Vampiro e sobre o caso do ‘New York Times’.

Algumas queixas me parecem improcedentes. Como a de uma leitora que escreveu para reclamar do título ‘Preso no Rio, ‘mula’ afirmou que daria R$ 200 mil a Silva’, reportagem sobre Luiz Cláudio Gomes da Silva, ex-assessor do Ministério da Saúde preso pela PF sob a acusação de envolvimento em fraudes. A leitora viu má-fé por parte do jornal porque o Silva do título poderia induzir o leitor a associar o crime ao presidente, que também é Silva.

Mas outras reclamações merecem a atenção do jornal porque dizem respeito ao equilíbrio do noticiário. Esses leitores acham que a Folha cobre mais, e mais criticamente, a prefeitura do que o governo do Estado. Tendo a concordar. Em um levantamento rápido, provavelmente incompleto, das reportagens publicadas na primeira quinzena de maio, contei cerca de 40 sobre a prefeita e pouco mais de 20 sobre o governador Geraldo Alckmin (PSDB). As de Marta tratam tanto de sua candidatura à reeleição quanto das ações administrativas. As de Alckmin são, basicamente, sobre a sucessão paulistana.
Levantamento feito por um instituto do Rio mostra que a Folha começou mal a cobertura eleitoral de São Paulo: as reportagens sobre a candidatura petista ou sobre sua administração são majoritariamente negativas, enquanto as sobre a candidatura de José Serra (PSDB) são majoritariamente neutras.

Outro foco de queixas é a cobertura das ações políticas e econômicas do governo Lula. Não tenho um levantamento numérico das reportagens, mas a impressão que tenho é que, no caso da economia, há uma exposição bem maior dos indicadores negativos. Há exceções, como as manchetes da sexta (‘Economia cresce 1,6% no 1º trimestre’) ou do domingo, dia 9 (‘Economia exibe sinais de crescimento’).

As oscilações e incógnitas da economia e os erros políticos admitidos até mesmo pelo governo contribuem para uma cobertura mais crítica. Mas, para muitos leitores, é um sinal de falta de equilíbrio.

Para o diretor de Redação da Folha, Otavio Frias Filho, ‘a Folha tem procurado manter uma linha de cobertura independente e crítica em relação aos governos do PT. Essa atitude incomoda os atuais governantes, como foi incômoda também em relação, por exemplo, aos tucanos nos oito anos em que exerceram o poder federal. Mas é um compromisso público da Folha e uma característica importante de sua identidade editorial. Estamos empenhados, ao mesmo tempo, em corrigir erros e coibir excessos, quando ocorrem’.

Esse assunto não se encerra nesta coluna. Estamos em ano eleitoral e as pressões por imparcialidade e apartidarismo serão fortes, constantes e bem-vindas.’

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‘‘Estão pegando pesado com a Marta’’ , copyright Folha de S. Paulo, 30/5/04

‘Alessandra Aldé é cientista política e pesquisadora do Laboratório de Pesquisas em Comunicação Política e Opinião Pública Doxa, do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), e desde 2000 analisa a cobertura eleitoral dos principais jornais. A pesquisa levanta o número de citações dos candidatos e faz uma análise qualitativa das reportagens, classificando-as como neutras, positivas ou negativas para os candidatos.

O laboratório (http://doxa.iuperj.br) já iniciou o monitoramento das atuais eleições e analisou dois períodos (29/4 a 12/5 e 13/5 a 26/5). Para Aldé, a prefeita Marta Suplicy (PT) está tendo uma cobertura muito ‘dura’ por parte da Folha e do ‘Estado’. Segundo os dados de que dispõe, a Folha fez mais reportagens negativas (63% e 62% em cada período) sobre a prefeita do que sobre José Serra (PSDB) e Paulo Maluf (PP).

Como você analisa a cobertura da Folha neste início de campanha eleitoral?

Alessandra Aldé – O que chama a nossa atenção é que os jornais de São Paulo têm um comportamento bem diferente do dos jornais do Rio. A diferença é a agressividade em relação a Marta. A prefeitura está sendo muito atacada pela Folha e pelo ‘Estado’, o que não acontece com o prefeito do Rio. Em São Paulo, quase não há reportagem sobre a prefeitura que não indique que Marta é candidata e tem intenção eleitoral em qualquer iniciativa administrativa, coisa que aqui no Rio não acontece. No Rio, ainda existe uma dissociação bastante grande das atividades do Cesar Maia candidato das do Cesar Maia prefeito. Há, digamos, uma deferência maior. Não estou dizendo que isso seja bom ou ruim. Mas em São Paulo se faz uma cobertura bastante dura, os jornais estão pegando pesado com a Marta.

Você diria que chega a ser uma cobertura parcial?

Aldé – É difícil dizer, principalmente porque a Folha tem um perfil agressivo, tem uma opção pela crítica. Pode-se dizer que esse comportamento é esperado. Nós analisamos as eleições de 2000 e 2002. Os jornais em geral sempre têm mais matérias neutras do que positivas ou negativas. A Folha tende a ter mais matérias negativas do que positivas em relação a todos os candidatos. A Folha tem uma linha editorial mais rígida. O que se pode falar de bom é que ela é clara, todos sabem que é crítica.

O Serra está sendo mais bem tratado na Folha?

Aldé – Ele tem mais espaço positivo. Marta tem mais de 60% das reportagens sobre a prefeitura negativas. É muito. O neutro está lá embaixo. Serra tem tido mais reportagens neutras do que negativas. Chama a atenção a cobertura da Marta ser até mais negativa que a do Maluf, com todo o escândalo que teve.’

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‘A notícia ignorada’, copyright Folha de S. Paulo, 30/5/04

‘Os jornais ‘Estado de Minas’ e ‘Correio Braziliense’ publicaram no domingo, 18 de abril, reportagem que revelava a Operação Vampiro. O texto, do repórter Lucas Figueiredo, sobre as fraudes em licitações do Ministério da Saúde para a compra de hemoderivados já relacionava o empresário Lourenço Rommel Peixoto, vice-presidente do ‘Jornal de Brasília’, às irregularidades, fazia um histórico para mostrar que o esquema funcionava desde o período Collor e calculava parte do prejuízo público em R$ 2,3 bilhões.

Os jornais de São Paulo e do Rio não deram importância e só entraram no caso um mês depois, em 19 de maio, quando a Polícia Federal fez as primeiras 14 prisões. Esse descaso com notícias publicadas antes por jornais fora do eixo Rio-São Paulo é comum. No caso, o leitor da Folha saiu perdendo.’