Monday, 14 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Marcelo Beraba

‘Jornais vivem de boas histórias. E elas estão cada vez mais raras em suas páginas. Não que não aconteçam, é que nem sempre são captadas.

A Folha trouxe esta semana uma ótima história. O repórter Guilherme Roseguini, de Esporte’, contou a saga do grego Polyvios Kossyvas.

Kossyvas vem a ser aquele senhor de barba grisalha e bermudas que salvou o brasileiro Vanderlei Cordeiro de Lima das mãos do irlandês Cornelius Horan durante a maratona que encerrava a Olimpíada de Atenas.

As imagens do ataque ao maratonista que liderava a prova correram o mundo e fez famosos a vítima e o algoz. Vanderlei, graças à imediata reação de Kossyvas, foi resgatado, seguiu em frente e ficou com a medalha de bronze; Horan foi preso.

O senhor, no entanto, permaneceu anônimo até terça-feira, quando sua identidade e história foram enfim revelados pela Folha, duas semanas depois do fim da Olimpíada, na reportagem ‘Anjo de Vanderlei pede apenas um aperto de mão’. Para quem perdeu, a história de Kossyvas pode ser acessada em (www.folha.com.br/042601).

Localizar aquele personagem era, sem dúvida, o objetivo e a obrigação de todos os jornais brasileiros. O curioso foi como o repórter conseguiu. Depois de esgotados os caminhos normais, via autoridades gregas, ele pediu a ajuda de um jornal esportivo de Atenas, o ‘Goal News’. O diário publicou uma foto da cena do assalto e um apelo para que o herói anônimo se identificasse. E foi o que ocorreu.

Como disse no início, jornais vivem de boas histórias. Muitas vezes, folheamos suas páginas e acabamos com a sensação de que não havia nada para ler. Não é que não houvesse. Havia, mas eram aspas (discursos, declarações, acusações, frases de efeito, promessas) e números (pesquisas, levantamentos, indicadores). Faltavam as histórias, as boas histórias. Daí aquela sensação de vazio, de falta de prazer na leitura.

A Folha acertou em investir e insistir nesse caso. Talvez por vício, talvez por distração, perdeu, no entanto, uma ótima oportunidade de dar à história de Kossyvas um tratamento VIP na capa do jornal -o mesmo tratamento que deu, naquela edição, à história do inglês vestido de Batman que invadiu o Palácio de Buckingham, na Inglaterra.’

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‘Marta e Alckmin’, copyright Folha de S. Paulo, 19/9/04

‘Na coluna de domingo passado tratei, pela segunda vez, da cobertura das eleições municipais feita pela Folha. Como na primeira vez, em maio último, concluí que existe um nítido desequilíbrio no acompanhamento da Prefeitura de São Paulo.

Usei, como suporte, a pesquisa quinzenal do Laboratório Doxa (Laboratório de Pesquisas em Comunicação Política e Opinião Pública) do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro). Na última quinzena avaliada, de 19/8 a 1/9, as reportagens e referências à administração Marta Suplicy na Folha eram majoritariamente (61%) negativas.

Questionei a Redação e publiquei a resposta que recebi do editor de Brasil, Fernando de Barros e Silva (‘Um pouco além dos números’). Concordo com várias observações que fez. Estou de acordo, e deixei bem claro no meu texto, que a avaliação de uma cobertura, qualquer que seja, não pode se basear apenas em estatísticas. Mas há um ponto nas suas ponderações que gostaria de trazer de volta para a reflexão do jornal e de seus leitores.

Segundo o editor, ‘a análise do ombudsman talvez não considere como deveria o fato de que o PT está no poder em São Paulo’.

Não é que não considere. Considero sim, e acho, por convicção profissional, que devemos tratar os administradores públicos com o máximo de rigor. Não porque sejam todos corruptos ou incompetentes, mas porque uma das funções do jornalismo é a de fiscalizar o uso dos recursos públicos e a eficiência das políticas adotadas. Ainda mais em um país como o Brasil, onde faltam recursos e sobra miséria.

A minha questão não é com o rigor que o jornal se impõe na cobertura da administração Marta Suplicy, mas com a inexistência de igual empenho e regularidade na cobertura da administração do governador Geraldo Alckmin.

Foi o que escrevi na última coluna, e talvez não tenha sido explícito o suficiente: ‘É da natureza do jornalismo, e faz parte da tradição da Folha, uma cobertura crítica. O ideal é encontrar o ponto de equilíbrio que permita ao leitor perceber que o jornal está sendo igualmente rigoroso com todos os candidatos e administrações, sem privilégios nem perseguições’.

Por que a Folha deve cobrir bem o governo do Estado? Em primeiro lugar, porque é governo. Em segundo, porque também está na disputa eleitoral pela prefeitura.

Embora o Palácio dos Bandeirantes não esteja diretamente em jogo, o partido do governador, o PSDB, disputa com o PT a liderança da campanha e seu candidato, José Serra, tem como principal trunfo a administração Alckmin. O governador e sua gestão também estão, portanto, na berlinda.

A Folha cobre bem o governo do Estado? Não cobre, nem em volume de reportagens nem em exercício crítico. Quase todas as reportagens bem feitas e que acertadamente questionam o governo municipal identificam a responsabilidade de Marta Suplicy. As que tratam das mazelas estaduais, além de em menor volume, raramente apontam para o governador Alckmin.

Isso sem contar com as reportagens sem qualquer senso crítico, como a publicada sexta-feira em Cotidiano com o resultado de pesquisa da Fundação Seade sobre os índices de criminalidade em São Paulo.

O jornal destaca a queda de 17% de homicídios em quatro anos, atribui esta queda, ingenuamente, às ‘políticas de combate à violência’ e ignora dois aspectos importantes: as estatísticas de criminalidade no Brasil ainda são inconfiáveis e, dado mais chocante, na cidade de São Paulo, mesmo com a queda registrada, foram contabilizados, em 2003, 47,2 homicídios por cada grupo de 100 mil habitantes.

Em alguns bairros da capital, como Brás e Guaianazes, esses números se aproximam de 90 homicídios por 100 mil habitantes. São números escandalosos e insuportáveis e que questionam a política estadual de segurança.

É do interesse dos leitores que o governo do Estado receba, por parte da Folha, a mesma atenção que ela dedica à prefeitura.’

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De olho na imprensa’, copyright Folha de S. Paulo, 19/9/04

‘A propósito do acompanhamento das coberturas jornalísticas da eleição municipal, um registro: será lançado, nesta quarta, na USP, o Observatório Brasileiro de Mídia. É mais uma iniciativa, bem-vinda, de monitoramento dos jornais.

Avalio que assistimos hoje, em relação à imprensa, a dois fenômenos que não devem ser confundidos. De um lado, a pressão, na minha opinião indevida, de governos por regulamentação e controle. De outro, a pressão, que considero saudável, da sociedade por mais equilíbrio, qualidade de informação e pluralidade (de assuntos, de enfoques, de análises e de opinião).

Um dos caminhos que essa pressão social vem tomando é o do monitoramento dos meios de comunicação. São iniciativas como as do Observatório da Imprensa, da Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância), da Transparência Brasil e do Laboratório Doxa.

O Observatório Brasileiro de Mídia é uma iniciativa do Núcleo de Jornalismo Comparado da ECA (Escola de Comunicações e Artes/USP), do Instituto Observatório Social (criado pela CUT e por outras organizações do trabalho) e pelo Media Watch Global (criado pelo Fórum Social Mundial e que tem sede na França).

O primeiro trabalho do novo observatório é o acompanhamento deste final de campanha eleitoral. Além de analisar o conteúdo das reportagens e classificá-las em negativas, positivas e neutras, a pesquisa vai avaliar o destaque dado para cada texto na edição.

O primeiro levantamento, parcial, das coberturas da Folha e do ‘Estado’ não difere muito dos resultados do Laboratório Doxa que expus na semana passada: mais referências positivas para a candidatura Serra e mais referências negativas para a candidatura Marta. O desequilíbrio é maior no ‘Estado’.

Em relação a iniciativas de monitoramento, este ombudsman tem interesse em receber informações sobre outras entidades que estejam de olho na imprensa.’