Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Marcelo Beraba

‘Dois assuntos da edição da Folha de domingo passado merecem uma reflexão: o ensaio fotográfico e a entrevista com a secretária Fernanda Karina Somaggio e o pingue-pongue de duas páginas com o prefeito de São Paulo, José Serra.

Ambos foram destaques nos títulos da Primeira Página do jornal: ‘Karina fala do ex-patrão e de nudez’, ilustrada com uma foto grande da secretária com um top de oncinha, e ‘Lula é menor que a atual crise política, afirma Serra’.

O primeiro material, produzido pela Revista da Folha (‘Musa da Inconfidência’), foi recorde absoluto de mensagens para o ombudsman. Foram 72, sendo que 52 apenas no domingo e na segunda-feira. A maioria (43) enviada por homens. Todas contrárias à publicação.

Reportagens polêmicas sempre geram fortes reações, mas raramente como neste caso. Diferentemente das cobranças iradas que acompanhei em outros episódios, desta vez as mensagens foram de decepção. Como a de Doralice Araújo, professora de Curitiba: ‘Desconforto e decepção, foi o que senti ao ver Karina Somaggio -a oportunista do momento- na capa da Folha’.

Os leitores acharam o material de ‘mau gosto’, ‘sensacionalista’, ‘bizarro’, ‘escandaloso’, ‘vulgar’, ‘apelativo’, ‘fútil’, ‘medíocre’, ‘desrespeitoso’ e uma longa lista de adjetivos. A crítica maior foi pelo fato de o jornal escancarar a foto da secretária na Primeira Página. É a opinião, por exemplo, da fonoaudióloga Rosana Amá Brusco, de São Paulo: ‘Já achei demais a Revista dar tanto espaço a Fernanda Somaggio, mas colocá-la na capa do jornal é um exagero absurdo e sem tamanho! Não considero esse um assunto sério o suficiente, ou de interesse do público. É claro que se fosse algo ligado à CPI, teria algum sentido. Agora, fotos de sutiã, ou biquíni, sei lá, é um pouquinho demais’.

Muitos leitores perguntaram por que a Folha publicou o material: ‘Para vender jornal?’, ‘por falta de assunto?’, ‘por torcer contra a democracia?’, ‘por ironia?’, ‘para desmoralizar a secretária?’.

Quem responde é a editora da Revista, Vera Guimarães Martins: ‘A razão pela qual a Revista produziu a reportagem é a mesma que norteia todas as nossas pautas: abordar, sem prejulgamentos, assuntos e pessoas que movimentam de alguma forma o cotidiano dos leitores. A ex-secretária é uma personagem-chave do momento vivido pelo país: apareceu fazendo denúncias graves com um discurso baseado na ética, ganhou espaço na mídia, foi sondada para sair candidata a deputado e para posar nua. Só essa combinação inusitada já faz dela uma personagem que merece ser perfilada para os leitores’.

Achei o texto da revista bem escrito, embora ache um exagero o comentário que Luís Nassif fez na sua coluna de quinta: ‘Houve leitores que não entenderam adequadamente. Mas a capa da Revista da Folha, com a secretária Karina, é uma obra-prima do jornalismo sarcástico, tanto texto quanto produção de fotos. Um clássico à altura de Joel Silveira’. O jornalista Alberto Dines, do Observatório da Imprensa, achou a entrevista ‘esperta’, no sentido de ‘viva, rica em sutilezas e sobretudo nada maçante’.

Na minha opinião, houve dois problemas sérios na edição. Primeiro, o tratamento gráfico na Primeira Página, que não soube traduzir a ironia que o texto da revista continha. Ficou uma exposição grotesca com ares de notícia quente.

O segundo problema é que o jornal abusou, naquele domingo, de brincadeiras com um tema que as pessoas estão levando muito a sério. O resultado foi o que o leitor Paulo Nogueira, de São Bernardo, definiu como ‘carnavalização’: além do ensaio brega com a secretária, a Folha publicou duas páginas da Ilustrada com roteiros de telenovela (‘Sarabandalha’, ‘Farinha do mesmo saco’ e ‘Mussarela com Bananas’) que ridicularizam o ‘mensalão’. ‘Cômico’ -resumiu Filipe Barini, do Rio-, ‘se não fosse trágico’.’

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‘E o presidenciável’, copyright Folha de S. Paulo, 7/8/05.

‘O segundo assunto da semana foi a entrevista com o prefeito José Serra publicada em página dupla, na mesma edição de domingo passado, com os títulos ‘Lula se tornou menor que a crise, diz Serra’ e ‘Governo do PT acabou sem ter começado’.

Neste caso, a reação de leitores foi diferente do comportamento que tiveram em relação às fotos de Fernanda Karina. A entrevista reavivou as críticas dos que acham que o jornal está contra o governo do PT e tem simpatias pelo PSDB.

O jornal tem o direito de entrevistar quem ele quiser e acho que o prefeito de São Paulo merece uma entrevista pelo papel que representa na política nacional. O que me incomodou foi o tom do pingue-pongue. Por isso, fiz o seguinte comentário na Crítica Interna de segunda-feira:

‘Acho mais do que apropriado o jornal entrevistar o prefeito José Serra a respeito da crise, afinal ele é um dos presidenciáveis e aparece bem nas pesquisas eleitorais. Mas não considero apropriado o jornal não encaminhar uma só pergunta crítica, um questionamento sequer em relação à sua gestão na prefeitura ou à administração do governo FHC, a que serviu como ministro. O caso de Eduardo Azeredo, presidente do PSDB, é apenas mencionado, sem pergunta e sem questionamento. São duas páginas apenas com o intuito de deixar José Serra analisar a crise sem qualquer contraponto, sem explorar as contradições. Também achei condescendente a entrevista com Ricardo Berzoini, secretário-geral do PT (‘Berzoini culpa Delúbio e Genoino pela crise