Thursday, 03 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Margareth Sullivan

Com o anúncio, semana passada, de que o atual número de um milhão de assinantes – exclusivamente de sua versão digital – é o suficiente para pagar por seu jornalismo, o Times alcançou um importante marco que vale a pena comemorar. Poucos anos atrás, após vários esforços com pay wall terem sido tentados sem sucesso, não dava para imaginar esse número assombroso.

Irão essas assinaturas digitais salvar o Times? Não sozinhas. A maior parte da receita do jornal, cerca de 70%, ainda vem da versão impressa.

Entretanto, o custo do apoio à redação e às operações do lado editorial de Opinião é de 300 milhões de dólares por ano; a maior parte dessa despesa destina-se aos salários de mais de 1.300 repórteres, editores, fotógrafos e outros. E, apesar do incentivo desse marco, a receita total está em queda, segundo o mais recente relatório sobre lucros, porque a publicidade na versão impressa continua caindo.

Portanto, e por necessidade, o Times vem tentando de todas as maneiras sobreviver e prosperar e, acima de tudo, financiar seu importante jornalismo. Farei uma série de textos para analisar o que esses novos esforços podem significar para os leitores do Times.

“É jornalismo ao vivo”

Comecemos com o negócio das conferências, um empreendimento com um potencial de 20 milhões de dólares. Este ano, a empresa está patrocinando três conferências nos Estados Unidos e cinco em outros países, e sua maioria, na Europa. (No exterior, elas são: “Arte de amanhã”, em Qatar; “Fórum da democracia”, em Atenas; “Petróleo e dinheiro”, em Londres; “Conferência sobre o luxo internacional”, em Paris; e “Energia de amanhã”, em Paris. Três serão em Nova York: “Cidades de amanhã”, “Escolas de amanhã” e “Alimentação de amanhã”.) Os jornalistas do Times farão entrevistas ao vivo durante essas conferências ou servirão de mediadores de debates.

Orientações jornalísticas para estas conferências foram distribuídas entre os funcionários há algumas semanas num comunicado do editor-executivo, Dean Baquet, em conjunto com Andrew Rosenthal, editor da página editorial. As normas também se aplicam a um projeto afim, TimesTalks. Sua divulgação ocorreu após meses de conversas na redação e o aperfeiçoamento de muitas minutas.

Uma das orientações diz: “O que se passa num palco do New York Times tem tanto a ver com nossas reportagens quanto as entrevistas feitas por telefone ou as fotos tomadas de uma cena para publicação. Quando alguma coisa de interesse jornalístico ocorre num palco do New York Times, nós o compartilharemos com nossos leitores.”

“É jornalismo ao vivo. Nós apenas o fazemos num fórum público”, disse-me Charles Duhigg, que coordena os esforços das conferências na redação. Duhigg fez parte da equipe que ganhou o prêmio Pulitzer pelas minisséries sobre a Apple e o iEconomy.

Dois incidentes ruins

Assim como outros editores do Times, ele está bem consciente das armadilhas em potencial. “Temos que fazê-lo com integridade e tendo em mente a promessa de que trabalhamos sem medo e sem favores”, disse ele. E acrescentou que parte disso é que os patrocinadores da conferência – instituições educacionais ou bancos – não terão qualquer controle ou papel na determinação do conteúdo da conferência.

Isso pode ser uma situação difícil. Avalie este apelo a patrocinadores em potencial divulgado no website da conferência: “O Times trabalha com patrocinadores para integrá-los à conferência, preferencialmente de uma maneira que aumente a experiência dos delegados e promova as metas de cada patrocinador. O Times pode trabalhar uma ampla variedade de metas – autoridades em temas relevantes, tratamento VIP para clientes, criação de interesse [chamando a atenção] via mídia (jornais impressos, digitais ou redes sociais), apresentação a delegados específicos, demonstração de produtos ou vitrines, marcas, o uso do conteúdo da conferência, relações com a mídia ou outros objetivos.”

Há cerca de dois anos, fiz algumas perguntas sobre estes assuntos depois de participar de uma conferência da página de economia DealBook, do Times, dizendo que alguns aspectos me pareciam excessivamente cômodos para conforto. Philip B. Corbett, editor dos padrões do jornal, disse-me que, do ponto de vista do Times, “os patrocinadores são semelhantes aos anunciantes”. “Eles não têm como determinar ou controlar o que dizem os debatedores, ou o conteúdo da conferência”, assim como os anunciantes não têm como controlar matérias jornalísticas, disse ele. “Não há qualquer compensação; nenhum tratamento especial.”

Charles Duhigg disse-me que, à medida que o Times passa a agir nessas novas áreas, os editores levam em conta “alguns importantes incidentes do passado que tornam tenso este assunto”. Os dois que me ocorrem não aconteceram aqui, mas apesar disso tiveram grande ressonância. Em 1999, o Los Angeles Times foi alvo de duras e legítimas críticas quando fez um acordo comercial suspeito com a Staples [maior rede mundial de lojas com material de escritórios] em relação a uma revista especial comemorando a abertura do Centro Staples. E em 2009, o Washington Post cancelou o projeto mal elaborado de uma “sala de recepção” na casa de seu publisher, onde lobistas e outros empresários pagariam caro para participar de um evento social não oficial e poderiam se misturar com jornalistas do Post, entre outros.

Perguntas fáceis não levam ao bom jornalismo

O Times vem tentando evitar esses problemas ao enfatizar a transparência, disse-me Charles Duhigg. Por exemplo, numa conferência recente, o Citigroup [maior rede de serviços financeiros do mundo] criou seu próprio painel de debates e com os participantes escolhidos pela empresa. O Times desdobrou-se para assinalar – no programa e também de outras maneiras – que aquilo era separado da conferência propriamente dita e não era sujeito às normas jornalísticas.

Parte da transparência consiste em tornar disponível a totalidade do conteúdo das conferências aos leitores do Times. Cada conferência está sendo gravada em vídeo e é postada. Trechos individuais com valor jornalístico poderão sair na home page do jornal. Foi o que aconteceu no mês passado com uma matéria em vídeo e um gráfico interativo baseado na entrevista do crítico de arquitetura do Times, Michael Kimmelman, com o arquiteto dinamarquês Bjarke Ingels na conferência “Cidades de amanhã”. “Qualquer pessoa que faça parte do público pode ver” o que se passa nas conferências, disse Philip Corbett. “Isso é o suficiente para evitar problemas.”

Poderão os painéis de debate de uma conferência produzir um jornalismo inflexível? Dorothea Herrey (que entrou para o Times há dois meses, vinda do Wall Street Journal, onde criou e dirigia os negócios de conferências), disse que acha que o rigor jornalístico estabelece um limite importante. “As conferências podem ser maçantes”, disse Dorothea Herrey, vice-presidente do site NYT Live. Mas o fato de existirem jornalistas do Times como moderadores evita isso. Esse “jornalismo ao vivo” pode não resultar em matérias de última hora, destacou ela, e sim, “no equivalente a uma matéria de fôlego”.

E, como disse Philip Corbett, “perguntas fáceis não são o caminho para um bom jornalismo no palco”, assim como não são para uma reportagem de um artigo impresso.

Ética e credibilidade acima de tudo

A receita das conferências é produzida pelo patrocínio e pelo custo dos ingressos – em sua maioria, passaram de gratuitas a cerca de mil dólares.

Mas uma derivação menos tangível é aquele modismo onipresente, “estigmatização”. Os funcionários do lado comercial do Times descobrem potenciais parceiros e anunciantes num cenário informal; isso pode resultar em novos negócios fundamentais, embora seja difícil quantificar. Nesse sentido, as conferências podem oferecer uma versão do século 21 de levar potenciais anunciantes a um campo de golfe, ou convidá-los a ficarem numa suíte luxuosa durante um evento esportivo. “Estrategicamente, isso dá ao Times a oportunidade de conversar com parceiros de negócios de maneiras diferentes”, disse Charles Duhigg, referindo-se aos funcionários do lado comercial do jornal.

O Times vem sendo inteligente ao expandir seus negócios de conferências – e fazê-lo sempre plenamente consciente de possíveis armadilhas éticas. Como disse Corbett, os jornais nunca foram empresas de caridade, e sim, negócios. (Em seu melhor desempenho, naturalmente, também são baluartes da democracia e da confiança do público.)

“Se nós não estivéssemos procurando novas maneiras de ganhar dinheiro através do jornalismo, seríamos irresponsáveis”, disse Philip Corbett. Com os jornais impressos murchando, esses novos esforços tornaram-se imperativos.

O fundamental é abordá-los sem comprometer os padrões de ética e credibilidade, dois bens facilmente danificáveis que não podem ser substituídos. Pelo que posso ver, o Times está levando isso a sério.

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Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times