Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O jornal de papel e o papel do jornal


Folha de S. Paulo, 22/2


Nizan Guanaes


O jornal de papel e o papel do jornal


SE FOR VERDADE o dito popular de que amigo não é aquele que lhe bajula, mas sim o que lhe diz a verdade, a Folha, 90, é uma grande amiga do Brasil. O papa Bento 16 tem uma frase que eu amo: ‘Quando se trata da verdade, não se negocia um centímetro’.


Eu gosto de coisas irredutíveis, como os troncos das árvores sagradas do candomblé.


Num mundo que concede tanto, que é tão permissivo, é bom ter gente irredutível. Amo Maria Bethânia porque ela não faz concessões. Roberto Carlos, idem. João Gilberto também.


A Folha, a meu ver, é assim. Em vez do ponto de !!!, ela é ponto de ???. É singular porque é plural. É amiga de todos porque não é amiga de ninguém.


Não gosto de ficar tomando porrada da Folha e espero que ela não faça dessas bordoadas um bordão. Nestes anos todos, mesmo como agência de propaganda do jornal, ele jamais me poupou.


Quando Fernando Altério e eu inauguramos o Credicard Hall, naquele vexame de estreia, em 1999, ela nos deu as boas-vindas com o misericordioso título: ‘Titanic afunda em São Paulo’.


E a Folha foi a primeira a dar a notícia da minha separação. Só que eu ainda estava casado…


Por isso, leitor, não dá pra não ler, pra não seguir, pra não acessar, pra não baixar, pra não tuitar…


Eu, particularmente, gosto do jornal de papel. Dizem que ele vai acabar, mas eu duvido. Que os jornais crescerão muito mais na rede, não tenho dúvida.


Mas o jornal de papel só vai acabar quando nós, os leitores do jornal de papel, acabarmos. E somos uma raça de leitores obstinada e crescente nos países emergentes.


O jornal de papel tem de ter seu avatar digital. O sujeito acaba a matéria, mas com um clique no avatar ele vê todos os desdobramentos sobre aquela matéria por meio das novas tecnologias.


Ou seja, o sujeito lê a Folha de manhã e, por meio do avatar da Folha, acompanha o noticiário o dia inteiro, do seu bolso via celular. Modelo de negócios: Folha custa tanto, o avatar custa um tanto mais.


Essa parte não será fácil, mas a indústria vive uma frenética busca de gestão e de inovação que produzirá mais de uma solução. Já está produzindo. E é muito mais difícil mudar o papel do jornal do que atualizar o jornal de papel.


Após décadas de ditadura e uma economia de filme de terror, os melhores mestres do jornalismo estão nas áreas críticas do nosso país: política e economia.


Os maiores jornalistas brasileiros que eu conheço sabem muito sobre esses dois assuntos que definiram a nossa geração. Mas grande parte deles praticamente não se preocupa com nada mais. Eles não se preocupam com fofoca, com culinária, com turismo, com esportes para valer, com decoração, com frescuras. Coisas ‘inúteis’, mas essenciais à vida.


E é aí, e não na tecnologia, que o bicho pega.


Eu espero que a Folha entenda isso. E convide mães, pais, filhos e filhas para opinarem na Folha dos próximos 90 anos.


Afinal, foi com o ‘seu’ Frias conversando e ouvindo ‘os meninos’ que nasceu o jornal mais moderno e mais instigante do Brasil.


Nestes dias em que a Folha celebra conosco seus 90 anos, termino celebrando o ‘seu’ Frias, o DNA deste jornal.


Ele sonhava acordado, com os pés no chão, e influenciou toda uma geração de jovens empreendedores que se seguiram a ele. Vendo um homem já de certa idade, mas com um pensamento tão jovem, nos sentíamos empurrados por aquele peculiar pragmatismo sonhador.


O sonho não acabou. Mas está se transformando. E desse jeito é gostoso envelhecer. Feliz aniversário.


NIZAN GUANAES, publicitário e presidente do Grupo ABC, escreve às terças, a cada 15 dias, nesta coluna.


 


 


Folha de S. Paulo, 23/2


Câmara homenageia 90 anos da Folha


A defesa da liberdade de imprensa e relatos sobre a história da Folha deram a tônica à sessão da Câmara que homenageou, ontem, os 90 anos do jornal, completados no sábado.


Vinte e quatro deputados -incluindo líderes de bancada e o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS)- discursaram durante a sessão, que durou cerca de duas horas.


A solenidade começou com a exibição do vídeo ‘Toda a Folha’, documentário com a trajetória e bastidores da produção do jornal.


‘A participação da Folha na vida nacional tem sido altamente positiva. Consolidando um alto padrão de conduta jornalística, com fidelidade à notícia e compromisso com o leitor, a Folha estabeleceu-se como paradigma da melhor imprensa, mesmo que por vezes discordemos de sua linha editorial’, afirmou Maia.


Também compondo a mesa estavam, entre outros, Maria Cristina Frias, colunista e representante no evento dos acionistas do Grupo Folha, Sérgio Dávila, editor-executivo da Folha, a senadora Marta Suplicy (PT-SP) e o deputado Edinho Araújo (PMDB-SP), autor do pedido para a realização da sessão.


‘Por vezes, entregamos páginas muito aquém do que sonhamos. A urgência da notícia abre espaço para decisões precipitadas, análises superficiais, erros. O reconhecimento aqui manifestado nos impele a perseguir um jornal cada vez melhor’, disse Maria Cristina, no discurso de encerramento.


‘Como diria o sr. Frias [Octavio Frias de Oliveira (1912-2007), publisher do jornal], os interesses da Folha não são outros que não os interesses de Sua Excelência, o leitor’, afirmou.


A liberdade de imprensa foi lembrada várias vezes, com deputados citando tentativas dos governos de regular a mídia. Autor da ação que resultou na revogação da Lei de Imprensa, Miro Teixeira (PDT-RJ) disse que ‘quando a liberdade de imprensa for regulamentada, deixará de haver liberdade’.


Edinho Araújo (PMDB-SP) afirmou que ‘a Folha é um jornal de alma inquieta, pulsante, em constante evolução’. Para o líder da bancada do DEM, ACM Neto (BA), o jornal poderia se chamar ‘A Folha do Brasil’.


O engajamento do jornal na campanha das Diretas-Já foi lembrada em discursos, assim como sua história.


Último deputado a falar, Chico Alencar (PSOL-RJ) citou a coluna de Janio de Freitas de ontem, ‘Folha, 35’.


‘Ele [Janio] diz que essa senhora de 90 anos na verdade nasceu mesmo há 35 anos (…) quando ela concedeu a palavra a opositores da ditadura. E diz Janio: ditadura nascida de um golpe, a que a Folha dera apoio. Essa coluna, como outras, mostra a pluralidade fundamental.’


Alfredo Sirkis (PV-RJ) elogiou o jornal pela cobertura da campanha presidencial. ‘A Folha percebeu que havia em gestação uma terceira força e foi capaz de dar a palavra à senadora [Marina Silva]’, disse. ‘Praticamente todos os políticos têm com a Folha uma relação de amor e ódio -fiquem tranquilos, pois 80% são de amor.’