Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Paulo Machado

‘Conforme anunciamos na semana passada, estamos voltando ao assunto que tem colocado os poderes Executivo e Legislativo em lados opostos: o fim do fator previdenciário. Os rumos da politica previdenciária causam grande impacto na vida do cidadão, tanto em sua dimensão de contribuinte quanto de trabalhador.

O que nos chamou a atenção foi a mensagem da leitora Maria Lucia de Jesus: ‘Gostaria de saber como vai ficar o meu cálculo da aposentadoria com o fim do fator previdenciário, tenho 32 anos de serviço e estou esperando o fim do fator, mais até agora não entendi se o cálculo vai ser considerado desde 1994. Foram os anos em que eu recebi muito mais, meu salário era alto, depois fui mandada embora do meu emprego e como a idade já era avançada, hoje tenho 54 anos, quase completando 55, o meu salário caiu 3 vezes. Hoje recebo muito pouco, estava esperando o cálculo da medida que o governo havia acordado entre os sindicatos pela fórmula 85, pois já estou dentro deste parâmetro, mais estou com muito medo que estes cálculos voltem ao antigo sistema dos 36 meses, ai acabo perdendo muito dinheiro, como muitas outras pessoas, pois quando somos demitidos de uma empresa o nosso salário cai demais. Peço ao governo estudar muito bem o caso de muitos trabalhadores. Gostaria de ter uma resposta sobre o assunto. Já poderia ter me aposentado mais estava esperando completar 60 anos para poder receber o salário integral e agora estão mudando tudo. Como ficamos? Até agora não consegui entender este fim do fator, me explique melhor.’

A princípio a solicitação da leitora seria de ordem particular e poderíamos simplesmente recomendar a ela que procurasse um especialista no assunto para fazer os cálculos e dar-lhe a melhor orientação. No entanto, uma das funções da ouvidoria ao analisar a pertinência das demandas que recebe é avaliar se a informação requerida constava ou não das notícias da ABr, extraindo da mensagem aquilo que trás de universal em termos das necessidades dos cidadãos.

Deparamo-nos com uma única nota dando conta da votação da matéria pela Câmara dos Deputados: Câmara aprova fim do fator previdenciário, publicada no dia 4. Alem dela, um paragrafo na matéria Padilha diz que governo vai tentar reverter reajuste de 7,7% para aposentados, publicada dia 10, informava que o Ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, declarou: ‘O impacto do fim do fator previdenciário, também votado pela Câmara, é outro item que preocupa o governo que vai tentar revertê-lo no Senado…’.

Nada mais. Nenhuma explicação que pudesse lançar o debate público sobre um assunto polêmico, de grande importância para a vida de milhões de brasileiros que contribuíram e contribuem para a previdência e que um dia esperam poder gozar de uma aposentadoria digna.

Ao decidirem em quais politicas públicas investirão os recursos orçamentários, os governos fazem escolhas, geralmente pressionados por grupos de interesse com maior ou menor poder político, econômico, financeiro ou até mesmo eleitoral. Os trabalhadores que se aposentaram nos últimos anos, bem como aqueles que estão em vias de se aposentar foram vítimas de uma escolha de um governo que decidiu precarizar o valor das aposentadorias em benefício, por exemplo, do pagamento de juros da dívida pública.

À época (1999) o assunto foi muito mal discutido, pois nem o governo, nem os sindicatos, e tampouco a imprensa empenharam-se em colocar para debate público aquilo que consideravam ‘medidas impopulares’. Entre os bastidores do governo e os corredores do Congresso aprovaram a criação do fator previdenciário. O resultado foi uma redução das despesas da Previdência Social da ordem de R$10 bilhões nos últimos 10 anos, mas a equivalente degradação da qualidade de vida daqueles que se aposentaram nunca foi devidamente mensurada. Quais foram os custos sociais do fator previdenciário? Esta é apenas uma das muitas discussões que poderíamos encontrar nas matérias da Agência Brasil.

Dez anos depois vemos o assunto voltar à votação na pauta do mesmo Congresso, mas para a mídia em geral e particularmente para a agência publica o tratamento continua sendo o mesmo de há uma década. Dispersos e com pouco poder de mobilização, os aposentados têm dificuldades para organizar grandes protestos em defesa de seus interesses e desta forma pressionar o governo e pautar a mídia.

Ao contrário, com sua sensibilidade aguçada pelo ano eleitoral em que nos encontramos, os deputados federais não tiveram dúvida em aprovar a emenda com 323 votos favoráveis, 80 contrários e 2 abstenções. Tudo indica que os senadores seguirão o mesmo caminho, aprovando o fim do fator e deixando para o Poder Executivo pagar o preço eleitoral por um eventual veto.

Se a mídia comercial dá pouca atenção ao assunto, a leitora recorreu à Agência Brasil na esperança de encontrar informações que esclarecessem suas dúvidas. Mas aqui também encontrou apenas a referida nota, sem maiores explicações. Nesta disputa, a leitora que há 32 anos contribui para a Previdência e pensava em aposentar-se aos 60 anos de idade recebendo integralmente seu salário atual pergunta: ‘Como ficamos?’.

Ao construir sua pauta a mídia comercial geralmente se submete aos mesmos interesses dos grupos de poder que pressionam o governo na distribuição das verbas orçamentárias, mas a existência da agência pública pressupõe outro tipo de lógica. Sua pauta deve ser gerada e estar em consonância com os interesses da cidadania, daqueles que geralmente não são ouvidos e que não têm espaço nos veículos privados de comunicação. Só isso justifica e legitima sua manutenção com o dinheiro do contribuinte. Esta é a diferença que os leitores esperam e que Maria Lucia de Jesus desejava encontrar nas páginas da ABr.

No momento, só nos resta recomendar a leitora que procure as informações em outros sítios da internet, como por exemplo, o da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal – ANFIP (*) que apresenta a explicação detalhada do que é o Fator e sobre como ele é aplicado para o cálculo das aposentadorias.

Neste assunto não há sangue derramado, não há espetáculo, há um longo e complicado processo de degeneração da qualidade de vida de nossos mais velhos, por um lado pelo dinheiro arrecadado e não compartilhado, ou injustamente devolvido e por outro pelas contas que nunca fecham. Cabe às autoridades decidirem em quem vale mais a pena investir, bem como cabe a agência pública escolher a quem dar voz por meio de suas páginas eletrônicas.

Até a próxima semana.’

(*) – http://www.anfip.org.br/publicacoes/noticias/publicacoes_noticiasindex.php?id=17788