Saturday, 04 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Plínio Bortolotti

‘Parece-lhe que faz uma eternidade que a cidade de São Paulo ficou sob estado de sítio decretado por bandidos? A situação deixou de ser menos grave ou o assunto foi resolvido? A situação da Petrobras, depois da nacionalização das reservas de hidrocarbonetos decretada pelo presidente boliviano, Evo Morales, como está? A estatal brasileira foi expulsa do país, como faziam crer os reptos nacionalistas de alguns jornais, ou continua operando normalmente? O presidente venezuelano, Hugo Chávez, deixou de aproveitar a crise para se escalar como líder continental, driblando as pretensões do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como deram a entender alguns colunistas? E as notícias sobre corrupção? Por que a quantidade de matérias sobre o assunto se reduziu, como também o destaque nas primeiras páginas?

As interrogações acima floresceram quando li no blog ‘Deu no Jornal’, editado pelo jornalista Marcelo Soares (http://deunojornal.zip.net), como as notícias a respeito da corrupção foram diminuindo com a aproximação da Copa do Mundo. O blog, da organização não-governamental Transparência Brasil, analisa e compila diariamente notícias sobre corrupção publicadas em 59 jornais e quatro revistas de todo o Brasil (no Ceará, são pesquisados O Povo e o Diário do Nordeste), em seu objetivo de combater o mau uso do dinheiro público. Veja, no gráfico abaixo, com dados coletados nos 30 dias anteriores à estréia da Seleção Brasileira (de 13/5 a 12/6), como se reduziram as notícias sobre corrupção, à medida que se aproximava o início do mundial.

A pergunta é: por que os jornais passaram a dedicar menos espaço e destaque a questões que, um mês atrás, pareciam cruciais para os destinos do País ou do continente? A resposta é esta: todas as energias e os melhores espaços nos jornais estão voltados para a cobertura da Copa do Mundo – esse é o assunto do momento e tudo a ele se subordina.

Agenda setting

Para os estudiosos da comunicação esse fenômeno tem o nome de Agenda Setting, isto é, o poder da mídia em pautar os temas que serão discutidos no cotidiano das pessoas. Por esse conceito, o fato de a imprensa estabelecer o que estará no centro das preocupações, não significa que ela determinará a opinião dos leitores, ouvintes e telespectadores sobre o assunto. Portanto, reconhecer a existência da Agenda Setting não significa concordar com alguns críticos que atribuem poderes quase mágicos à imprensa, como se ela tivesse uma irrefreável (e estudada) capacidade manipulatória, de forma a conduzir as pessoas de um lado para o outro, de acordo com seus caprichos e interesses, como se os leitores fossem uma manada sem cérebro. Basta verificar o que se viu com relação ao presidente Lula: apesar do bombardeio dos jornais destacando a corrupção, que atinge pessoas ligadas diretamente ao governo, ele continua a desafiar os prognósticos de que a avalanche de notícias negativas o faria perder popularidade e votos. Ou seja, as pessoas acompanham o que os jornais dizem, mas formulam juízos próprios.

Este ombudsman não está entre aqueles que acham que a imprensa é um mal em si, que tudo o que faz já estaria previamente contaminado por interesses das ‘classes dominantes’ – pelo contrário. A imprensa é uma conquista democrática da humanidade e como tal deve ser entendida. Criticá-la, desvelar seus mecanismos, é uma forma da defendê-la, com o mesmo valor de propugnar pela sua diversidade e liberdade – e de instigá-la para o seu dever com a verdade.

Raio em céu azul

A propósito, se é praticamente impossível escapar da exagerada cobertura da Seleção Brasileira, inclusive por exigência dos leitores, como disseram especialistas ouvidos na semana passada, não custava que fosse um pouco mais crítica. Observei, na coluna anterior, que as equipes adversárias, até o início da Copa, tinham uma situação de ‘quase invisibilidade’ – o Brasil era de um favoritismo incontestável: por isso a ‘surpresa’ com o bom jogo apresentando por selecionados que nunca haviam merecido atenção. O mesmo desvio também explica desânimo que tomou conta dos torcedores depois da regular apresentação do time brasileiro. Quem se fiou apenas nas informações da imprensa, viu cair um raio em céu azul.

Correção

Na coluna da semana passada, cometi erro de concordância verbal na nota ‘A bolha’. Escrevi: ‘Falou-se muito nas bolhas nos pés de Ronaldo, que teria sido provocado (sic) pelas chuteiras…’ Deveria ter escrito: ‘(…) que teriam sido provocadas pelas chuteiras’ ou ‘(…) mal que teria sido provocado pelas chuteiras.’ O erro passou despercebido ou talvez eu tenha sido agraciado com a benevolência dos leitores.’