Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Publicar ou não documentos do WikiLeaks?

As duas matérias estavam lado a lado. Uma sobre o fato de o fundador do site WikiLeaks, Julian Assange, estar com medo de agências de inteligência ocidentais e também sendo visto por alguns colegas como ‘decepcionante,’ ‘excêntrico’ e ‘arrogante.’ A outra sobre a guerra no Iraque, com Assange e sua organização como fontes primárias.

Ao publicar os documentos mais recentes do WikiLeaks, o NYTimes teve de fazer uma escolha difícil, comenta, em sua coluna de domingo [31/10/10], o ombudsman do diário, Arthur S. Brisbane. Divulgar quase 400 mil documentos secretos era atraente, mas a identidade da fonte primária continuava não confirmada. Administrar a relação com Assange e WikiLeaks foi apenas um dos desafios do NYTimes neste capítulo excepcional da história do jornalismo.

Como na cobertura da crise dos mísseis cubanos, do grampo global da Agência Nacional de Segurança e outras matérias envolvendo confidencialidade, o NYTimes teve de decidir se divulgaria a informação, o quanto e quando. Assim como fez no caso dos papéis do Pentágono, quando advogados do Departamento de Justiça usaram o Ato de Espionagem para tentar impedir a publicação dos documentos, o jornal teve de considerar a possibilidade de o governo reagir. E mais: foi preciso realizar uma análise de custo-benefício, para saber se o interesse público da informação era maior que os riscos às forças de coalização e à investigação nas zonas de conflito.

Dilema

No caso dos documentos vazados pelo WikiLeaks sobre as guerras do Iraque e Afeganistão, as escolhas começaram a ser pensadas há alguns meses, quando Bill Keller, editor-executivo do NYTimes, recebeu um telefonema do editor-chefe do jornal britânico Guardian. O Wikileaks havia oferecido ao Guardian uma cópia de relatórios militares e o havia solicitado a convidar o NYTimes e, posteriormente, a revista alemã Der Spiegel, para ter acesso aos dados. Keller enviou Eric Schmidt, correspondente de guerra, a Londres, para analisar os documentos, que incluíam 92 mil relatórios de campo do Afeganistão e mais de 391 mil do Iraque.

Keller disse que não foram estabelecidos requisitos para o uso do material, exceto de que os meios de comunicação eram obrigados a sincronizar a publicação com a divulgação online do WikiLeaks. ‘Escolhemos os documentos que nos pareceram mais interessantes. Fizemos a nossa análise do material. Decidimos o que escrever. Não discutimos nenhum destes temas com o WikiLeaks ou mostramos nossas matérias para eles antes de publicá-las’, explicou o editor-chefe.

Alguns críticos alegam que o material é importante por seu conteúdo, independente se Assange tem motivações políticas para sua divulgação, e que o NYTimes verificou os dados. Outros, no entanto, afirmam ser impossível separar a legitimidade do material de sua fonte. Neste situação, o desafio é ainda maior, pois a fonte do jornal, o WikiLeaks, obteve os dados de uma terceira fonte – cuja identidade é incerta.

Há ainda os que acreditam que a questão básica é se foi certo publicar o material. Leonard Downie Jr., ex-editor-executivo do Washington Post, acredita que os arquivos do WikiLeaks têm ‘valor jornalístico e de interesse público’. Por sua vez, Thomas E. Ricks, editor colaborador da revista Foreign Policy, afirma que o jornal colocou os militares em grande risco, com pouco ganho público, tendo em vista que as informações eram basicamente registros de telefonemas ou relatórios de campo.

Pensando no risco e segurança dos militares, o NYTimes retirou nomes e outras informações dos documentos publicados. Ainda assim, um general aposentado disse que é possível que a al-Qaeda e o Talibã tomem conhecimento de muitas práticas operacionais das forças de coalizão. Na opinião de Brisbane, o caso difere da divulgação dos papeis do Pentágono, já que o WikiLeaks publicaria o material de qualquer maneira, com ou sem a ajuda do NYTimes. A escolha do jornal foi se usaria seus recursos para organizar ou filtrar o material que seria de conhecimento público.