Friday, 11 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Regina Lima

 

“Quando atos de violência irrompem no cenário nacional ou internacional, eles imediatamente atraem a atenção da mídia. Mesmo a mídia pública, com missão e objetivos opostos ao sensacionalismo, não está imune a esta armadilha. No dia 3 de abril, a Agência Brasil publicou uma matéria com o título Aviões de Israel promovem ataques aéreos contra Faixa de Gaza, com informações da BBC Brasil [1] Eis os dois primeiros parágrafos do texto na sua versão original:

'Brasília – O clima de tensão se intensificou hoje (3) na região da Faixa de Gaza. Aeronaves israelenses atacaram a área, pela primeira vez desde que Israel e o grupo Hamas retomaram os combates, em 8 de novembro de 2012. Pelas informações preliminares, não há feridos. Os ataques aéreos contra Israel, com o lançamento de um foguete, ocorreram a partir dos territórios palestinos. O foguete caiu em um terreno baldio e não causou danos nem deixou feridos'.

O leitor Nathan Chiarini, de Balneário Camboriú (SC), percebeu um possível conflito de informações no texto. No comentário que enviou à ouvidoria, ele questiona: 'Gostaria de entender qual a relação de concordância entre o primeiro e segundo parágrafo da notícia… uma vez que no primeiro AERONAVES ISRAELENSES atacaram a área e no segundo UM FOGUETE PALESTINO procedeu com o ataque. Imagino que, na inexistência de um conflito de informações, existe um conflito temporal nas declarações da notícia'.

Diante de uma tentativa inicial por parte da Diretoria de Jornalismo de explicar o inexplicável, a ouvidoria observou que, na fonte citada pela agência, a sequência dos fatos ficou clara e a Diretoria de Jornalismo acabou por acatar a demanda do leitor e alterar o texto. Com a alteração, o segundo parágrafo ficou: 'Os ataques aéreos israelenses na Faixa de Gaza começaram depois do lançamento de um foguete, contra Israel, a partir dos territórios palestinos. O foguete caiu em um terreno baldio e não causou danos nem deixou feridos'.

Mesmo depois de corrigido, o texto ainda contém outro erro que passou despercebido. No trecho em que está escrito que 'Aeronaves israelenses atacaram a área, pela primeira vez desde que Israel e o grupo Hamas retomaram os combates, em 8 de novembro de 2012', a notícia da BBC Brasil constata que 'Aeronaves israelenses atacaram a Faixa de Gaza pela primeira vez desde que Israel e o Hamas travaram uma guerra de oito dias em novembro do ano passado' [2].

Ironicamente, a edição da agência, mesmo com a falta de confirmação dos fatos por meio de consultas a outras fontes, permite uma interpretação mais consoante com a verdadeira natureza do conflito. Houve um período de conflito aberto que durou oito dias entre os dias 14 e 21 de novembro do ano passado, como foi constatado pela BBC Brasil e pode ser corroborado na cobertura feita pela própria agência na época, mas a trégua não pôs fim à guerra, e as hostilidades continuaram com uma intensidade menor até a retomada dos ataques aéreos israelenses no começo deste mês.

Em relação à cobertura internacional da Agência Brasil, as reclamações que são enviadas à ouvidoria costumam criticar a falta de contextualização e a parcialidade da linha editorial das matérias. No caso da matéria analisada, a demanda do leitor não fez nenhuma referência, mas elas existem.

Quando uma notícia relata que aviões atacaram depois do lançamento de um foguete dos territórios palestinos contra Israel, a conclusão lógica é de que o ataque foi uma reação à provocação. Isso, porém, representa apenas parte da verdade. A Faixa de Gaza vive em um estado de sítio. Sem entrar em todos os detalhes, convém lembrar alguns fatos omitidos na cobertura que teriam ampliado a perspectiva e contextualizado o assunto para o leitor. As fontes consultadas foram os sites da BBC Brasil, da Folha de S.Paulo, da Agência Ma´an, da International Solidarity Movement e da agência chinesa Xinhua:

1. Em fevereiro um foguete foi disparado da Faixa de Gaza contra a cidade israelense de Ashkelon;

2. Em março, durante a visita de Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, quatro morteiros foram disparados contra o Sul de Israel. Uma casa em Sderot foi danificada em consequência do ataque. Em seguida, Israel fechou a passagem para Gaza por uma semana. A área permitida para a pesca nesse litoral foi reduzida, também. Segundo analistas israelenses, as autoridades israelenses, embora não acreditem que o Hamas [a organização política que controla a Faixa de Gaza] tenha ordenado os disparos, responsabilizam o Hamas por tudo que acontece no território.

3. No dia 2 de abril, um palestino condenado à prisão perpétua em Israel, Maysara Abu Hamdiyeh, morreu em decorrência de um câncer de esófago que as autoridades palestinas alegaram não ter recebido os devidos cuidados médicos. Imediatamente presos palestinos fizeram protestos em quatro prisões israelenses e declararam uma greve de fome. No dia seguinte, houve manifestações com embates violentos em várias cidades da Cisjordânia.

4. Na tarde do dia 2, um foguete lançado da Faixa de Gaza explodiu na região de Eshkol no Sul de Israel [este é o lançamento citado na matéria da agência; o ataque aéreo israelense ocorreu no mesmo dia, à noite]. Não houve feridos nem danos. Mais cedo no mesmo dia dois morteiros foram lançados da Faixa de Gaza na direção de Israel mas caíram em território palestino.

Sem essas informações, a cobertura feita pela Agência Brasil isola a troca de disparos que aconteceu no dia 2, do processo contínuo de uma guerra que se dá em várias frentes entre Israel e os palestinos da Faixa de Gaza. Em vez de ver o ataque aéreo israelense como mais um passo nessa guerra, o leitor é levado a pensar que uma nova guerra está prestes a estourar.

Sobre a cobertura internacional, o recém-lançado Manual de Jornalismo da EBC dá as seguintes orientações: 'O noticiário internacional dos veículos da EBC deve fazer escolhas de acordo com os interesses da sociedade brasileira e oferecer contextualizações e diversidade de fontes. Os jornalistas deste segmento devem se empenhar para identificar e escapar de tentativas de manipulações e preconceitos e ser atentos aos acontecimentos ausentes nas pautas tradicionais. Ao abrir-se para os conteúdos e acontecimentos internacionais, o jornalismo da EBC procura agir sob as perspectivas da diversidade social, econômica e cultural do Brasil, rejeita preconceitos e contribui para a convivência pacífica entre as diferentes identidades, no país e entre nações' [3].

A matéria publicada pela agência não satisfaz estes critérios.

Boa Leitura!

[1] http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-04-03/avioes-de-israel-promovem-ataques-aereos-contra-faixa-de-gaza

[2] http://www.bbc.co.uk/portuguese/ultimas_noticias/2013/04/130403_israel_gaza_ataque_jp_rn.shtml

[3] http://www.ebc.com.br/sites/default/files/manual_de_jornalismo_ebc.pdf”