Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Suzana Singer

‘A blogosfera dá a qualquer um a chance de divulgar o que passa pela sua cabeça a todo momento. No jornalismo, sem o filtro da edição, essa modernidade tem sido uma fonte de problemas. Na quarta-feira passada, após o anúncio da morte de José Alencar, havia no Twitter:

Repórter da Folha: ‘Nunca um obituário esteve tão pronto. É só apertar o botão.’

Repórter do Agora: ‘Mas na Folha.com nada ainda… esqueceram de apertar o botão. rs’ (risos)

Repórter da Folha: ‘Ah sim, a melhor orientação ever. O último a dar qualquer morte. É o preço por um erro gravíssimo.’

Um diálogo ruim, de todos os pontos de vista. É insensível jogar na cara do leitor que há obituários prontos à espera do momento de publicação. Não faz sentido um jornalista criticar, publicamente, um site da mesma empresa. E não deixa de ser desagradável lembrar um problema recente -a divulgação errada, pela Folha.com, da morte do senador Romeu Tuma.

Em janeiro, um fotógrafo colaborador do ‘Agora’, que cobria as eleições para presidente do Palmeiras, escreveu: ‘Enquanto os porcos não se decidem poderiam mandar mais lanchinhos e refrigerante para a imprensa que assiste ao jogo do Timão na sala de imprensa’. A reação foi rápida e violenta: ele apanhou de seguranças do time.

É difícil convencer jornalistas de que suas contas no Twitter, Facebook ou Orkut não podem ser encaradas apenas como pessoais. O repórter é seguido, curtido, recomendado, também como um representante do lugar em que trabalha.

Em um comunicado de 2009, que merece ser atualizado, a chefia da Redação lembrava que todos devem seguir os princípios do projeto editorial quando estiverem on-line.

Seria bom esmiuçar isso. Jornalista não pode declarar voto político, xingar artistas, amaldiçoar o time de futebol rival, bater boca com leitores, expressar preconceito nem tentar obter vantagem pessoal (reclamar, por exemplo, do mau atendimento num restaurante para que saibam que ele é da imprensa).

É muito limitante, mas o repórter precisa considerar que amanhã poderá ser cobrado por uma opinião ‘inocente’. Em um plantão, alguém de Esporte pode ser designado para entrevistar determinado político. E se ele tiver postado, dias antes, que o sujeito é um ‘corrupto contumaz’?

Quem mais luta pela liberdade de expressão precisa restringir a própria para não perder a razão.

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O direito de se sentir miserável

O obituário de José Alencar ressaltou, em todos os veículos, sua ‘força de vontade’, ‘fé em Deus’ e ‘alegria de viver’. Foi o seu calvário público, fato raríssimo em políticos, que o tornou tão popular.

Se serviu de estímulo para muitos pacientes, a cobertura que a mídia fez da luta do ex-vice-presidente pode ter criado também uma visão distorcida do que é realmente um tratamento oncológico.

É esclarecedor reler a coluna ‘A força do pensamento’, de Drauzio Varella (http:// bit.ly/eltt20), em que ele diz que, em 40 anos de medicina, nunca viu alguém se curar com o poder da mente.

Drauzio alerta para um possível efeito colateral da sobrevalorização do aspecto psicológico: acaba-se por responsabilizar o doente pelo seu destino.

O oncologista exemplifica com a pessoa que está com dor, desnutrida, enfraquecida a ponto de não parar em pé e tem de ouvir de amigos: ‘você precisa reagir’, ‘não entrega os pontos’.

‘Ele foi muito valente, porque acreditava em Deus. Tenho fé, mas não sei se tenho a mesma coragem’, diz Mauricio de Pierre Bolfarini, 44, que combate um câncer de estômago. Sua mulher citava Alencar quando ele desanimava. ‘Olha só, um senhor de idade, operou não sei quantas vezes e está forte!’

A perseverança de José Alencar era admirável, mas é injusto tomá-lo como paradigma. O otimismo ajuda no tratamento porque torna o paciente mais colaborativo, mas e os que sucumbem à doença mais rapidamente (ou dentro dos prognósticos médicos)? O que isso significa? Que eles não tinham suficiente vontade de viver?

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Tudo se transforma

Uma leitora com ótima memória comparou o desenho publicado na coluna de Luiz Felipe Pondé na segunda-feira passada e um da coleção ‘O Mundo da Criança’, de 1949. O ilustrador Ricardo Cammarota nega plágio e diz que se baseou no original, mas refez, de próprio punho, o que foi desenhado, produzindo uma reinterpretação. Faltou, no mínimo, dar o crédito.