Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

A erotização feminina na mídia

Na semana em que a mídia começa a falar do Dia Internacional da Mulher, com as tradicionais matérias sobre a história do feminismo, perfis e entrevistas com feministas, mostrando como a situação da mulher evoluiu – e melhorou – desde o surgimento do movimento, na década de 1960 –, a American Psychological Association (APA) liberou um estudo que poderia render boas matérias sobre a imagem da mulher na mídia.

O estudo, divulgado pelo Washington Post no artigo ‘Adeus à infância’, mostra que as meninas norte-americanas estão cada vez mais sendo alimentadas por uma imensidão de produtos e imagens que promovem looks e atitudes sensuais:

‘Na cultura americana, e especialmente na mídia, mulheres e meninas são mostradas sempre de uma maneira erotizada. Os autores do estudo dizem que essas imagens são encontradas em toda a mídia, de shows de TV a revistas, de vídeos musicais à internet. Embora poucas pesquisas tenham documentado o efeito dessas imagens especificamente em meninas, os autores do estudo da APA argumentam que é razoável inferir que algum dano seja provocado nas meninas de 18 anos ou mais. A erotização tem sido ligada a três dos mais comuns problemas de saúde mental de adolescentes e mulheres adultas: desordens alimentares, baixa auto-estima e depressão.’ (Washington Post, 20/2/2007)

Nova postura

Segundo o jornal, o processo nas meninas começa cada vez mais cedo, pela própria mensagem que elas recebem: ‘É normal que você tenha interesse em sexo. É normal você se vestir e agir de maneira sensual’. As mães entrevistadas não vêem problemas para suas filhas, alegando que no mundo de hoje é importante querer se manter bonita, já que a beleza é parte fundamental no sucesso profissional. E alegam que são as filhas que escolhem os modelos de roupas e acessórios desde a primeira infância. As mães que não concordam com os modelitos infantis sensualizados confessam ter problemas ao procurar, no comércio, roupas mais tradicionais – ou menos sensuais – para suas filhas de 4, 5 ou 6 anos.

O que o jornal americano não discute – e que poderia ser discutido pela mídia brasileira – é justamente a parcela de culpa da mídia nessa erotização da imagem da mulher. Quer um exemplo? A revista Veja desta semana (nº 1998, de 7/3/2007) traz um especial sobre saúde (‘A medicina revela a mulher de verdade’), ressaltando as diferenças entre o corpo do homem e o corpo da mulher, e mostra que – por razões econômicas e culturais – até muito pouco tempo atrás as pesquisas médicas se baseavam apenas na fisiologia masculina para desenvolver medicamentos.

A revista atribui, entre outros fatores, à igualdade conquistada pelas mulheres o fato da nova postura das pesquisas em relação à saúde. E, para ilustrar a matéria, as fotos são de uma mulher. Bonita e… nua.

Crianças vão ocupar o lugar

Uma foto que, nos dias de hoje, não espanta ninguém. Afinal, o corpo feminino (adulto) exposto na mídia virou coisa banal. Como rende belas fotos e ilustrações, e como as modelos são adultas, conscientes e remuneradas, ficam todos felizes. O perigo é que a idade das modelos foi diminuindo e, hoje, meninas de 12 anos, que nas fotos parecem adultas, tornaram as modelos de 20 e poucos anos ultrapassadas. Não demora muito e o lugar delas vai ser tomado por meninas cada vez mais jovens e cada vez mais erotizadas.

Não seria o caso de, nesse Dia Internacional da Mulher, usar o espaço destinado à história do feminismo para discutir o que está acontecendo hoje com as mulheres? No perfil do jornal O Estado de S.Paulo, Rose Marie Muraro, ‘a patrona do feminismo brasileiro’, ganhou poucas linhas para falar de sua luta atual: o fim da violência doméstica de que são vítimas as mulheres rurais. E para dizer que, felizmente, hoje a violência contra mulheres é crime inafiançável. Ela teria muito mais a dizer se a imprensa tivesse interesse em discutir a causa feminina em profundidade.

Seria interessante descobrir como as feministas vêem a exposição feminina na mídia nos dias correntes. Porque uma coisa é certa: não foi para transformar as mulheres em objeto de consumo que o movimento feminista lutou pela igualdade feminina. Menos ainda para ter a imagem feminina tratada da forma como é vista na mídia atual. E, se nada for feito, em muito pouco tempo serão as crianças que vão ocupar esse nada honroso lugar na mídia.

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Jornalista