Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Dilma quer acabar com aluguel de horário na TV

O governo federal prepara um pacote de medidas para fechar brechas da legislação de rádio e TV que permitiram o surgimento de um “mercado paralelo” ligado às concessões no país. A Folha teve acesso à última versão da minuta do decreto, que foi batizado pelo setor de “novo marco regulatório da radiodifusão”.

Uma das mudanças de maior impacto é a proibição expressa do aluguel de canais e de horários da programação de rádio e TV. A lei atual não proíbe a prática de forma explícita, o que permitiu o aumento de programas religiosos e exclusivamente comerciais, principais clientes desses horários. No fim de 2011, a Igreja Internacional da Graça de Deus, do missionário R.R. Soares, por exemplo, alugava duas horas e cinco minutos semanais na Bandeirantes. Na Rede TV!, o apóstolo Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus, comprava cerca de dez horas e meia semanais. A rede de farmácias Ultrafarma ocupava quatro horas e meia com propagandas. Na TV Gazeta, o Polishop detinha dez horas semanais para anunciar seus produtos.

Os dados são do mais recente levantamento do Intervozes, organização que monitora a programação no país. Segundo a entidade, poucas são as emissoras que não entraram nesse negócio. Globo e SBT estão entre elas. A Record é um caso isolado porque seu fundador, Edir Macedo, também é o responsável pela Igreja Universal do Reino de Deus. Segundo o Intervozes, a Record diz não ceder seu espaço a terceiros, mas não explica se paga pelos programas religiosos veiculados, uma forma de se enquadrar à legislação. Na TV Gazeta, são 26 horas semanais destinadas aos cultos da igreja.

Inversão

O Ministério das Comunicações não quis comentar as mudanças e informou que o “novo marco” ainda será colocado em consulta pública.

Caso o decreto seja sancionado como está, obrigará as emissoras a comprar os programas produzidos por terceiros – ao invés de receber pelo aluguel, como hoje.

Consultadas, as principais redes não se pronunciaram.

Apesar dos avanços, o governo não define os mecanismos que serão criados para fiscalizar a prática de eventuais irregularidades.

Contrapartida

Ao acabar com o “mercado paralelo”, o governo cortará uma importante fonte de receita, mas, em troca, permitirá que as emissoras prestem serviços de dados – atividade restrita às empresas de telecomunicações.

Hoje, as emissoras só podem fazer caixa com a venda de espaço publicitário – que pode ocupar, no máximo, 25% da programação.

Ao permitir a comercialização do serviço de dados, o governo sinaliza para a expansão da TV digital no país e do sistema de interatividade que conecta a TV à internet.

Esse serviço permitirá ao telespectador comprar produtos anunciados durante a programação clicando diretamente na TV. É essa conexão que poderá ser cobrada.

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Novo marco impõe barreiras à concessão de canais a políticos

O novo marco não proíbe que políticos sejam sócios de emissoras de rádio e TV, mas cria dificuldades. De acordo com a proposta, quem tiver “poder de gestão ou de representação civil e jurídica da emissora” não poderá ter mandato eletivo, ocupar cargo ou função que lhe assegure foro especial. Para evitar que a regra seja burlada com o uso de “laranjas”, o governo também quer alterar o processo de concessão das licenças para que o dono dela também seja o responsável pela prestação do serviço -como ocorre na telefonia.

O decreto determina que os interessados em obter uma licença depositem 5% do valor da outorga para participar de um leilão. O vencedor terá até dois meses para pagar o restante à vista, comprovando sua capacidade financeira de instalar e operar a emissora. Só então o contrato vai ao Congresso.

Hoje, a caução é de 1% e o vencedor paga metade do valor só após a aprovação de seu projeto no Congresso. A diferença é paga após um ano. Isso permitia que alguém com renda de R$ 2.000 ganhasse uma outorga de R$ 1,5 milhão em nome de terceiros com quem mantinha um contrato de gaveta.

O decreto também prevê que as concessões de TVs comerciais, hoje a cargo do Ministério das Comunicações, passe a ser de competência do presidente da República.

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Proibição de aluguel de programas na TV irrita evangélicos

Catia Seabra e Gabriela Guerreiro# reproduzido da Folha de S.Paulo, 4/6/2012

Representantes dos evangélicos no Congresso disseram que o governo enfrentará oposição se tentar proibir o aluguel de horários na programação de rádio e TV.

A Folha revelou ontem [3/6] que a proibição consta da minuta de um decreto em estudo no governo, que atualiza o Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962.

Igrejas evangélicas estão entre os principais beneficiários da atual legislação, que não proíbe de forma explícita a prática do aluguel de horários na televisão.

Presidente da bancada evangélica, o deputado João Campos (PSDB-GO) classificou a proposta de “absurda”.

O deputado diz que o governo não poderá mudar a lei por decreto e por isso caberá aos congressistas impedir a aprovação de eventual projeto de lei com a proposta.

“O que motivaria o governo a tomar essa medida? Há alguma reclamação do público? Acho que não. Se há uma brecha na lei, tem que passar pelo Congresso. Somos radicalmente contra.”

Líder do PR, o deputado Lincoln Portela (MG) disse não acreditar que o governo vá levar adiante a mudança.

“O governo vai ter uma briga com milhões de religiosos”, disse Portela. “Essa mudança não passa nunca. A própria Record aluga programa para a Universal.” O bispo Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, é dono da Record.

Para o deputado Silas Câmara (PSB-AM), evangélico e membro da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, as redes comerciais têm direito de utilizar a grade alugada para “se viabilizar”.

“O governo só faria isso se quisesse deixar muito claro que seria uma retaliação contra a liberdade religiosa no país. Duvido que vá fazer.”

A bancada evangélica é composta por 66 dos 513 deputados na Câmara e pelo menos 3 dos 81 senadores.

Autor de projeto que proíbe o arrendamento ou aluguel da programação de emissoras de radiodifusão, o deputado Assis Melo (PCdoB-RS) defendeu a mudança.

“As concessões são públicas, mas hoje quem ganha com o aluguel são os setores da grande mídia que lucram com uma outorga pública.”

Em nota, o Ministério das Comunicações negou que a proibição do aluguel de horários faça parte da proposta de decreto, mas o documento obtido pela Folha é claro.

Um dos artigos da minuta diz que “é vedada a cessão ou arrendamento, total ou parcial, da outorga de serviço de radiodifusão”.

Leia aqui a íntegra da minuta do decreto.

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[Julio Wiziack, da Folha de S.Paulo]