Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Crítica diária

19/3/08

Insensibilidade

Manchete do jornal ‘O Dia’: ‘Dengue: Rio já registra mais de mil novos casos por dia’.

Bem, a Folha não é um jornal destinado a leitores de perfil mais ‘popular’, como os do diário carioca (a Folha sai por R$ 2,50 na banca; O Dia, por R$ 1).

Manchete de outro jornal do Rio, o ‘Extra’ (exemplar a R$ 1): ‘Rio tem 45 casos de dengue por hora’.

Na comparação com a Folha, vale o dito anterior.

Manchete do ‘Globo’: ‘Dengue se alastra e Rio já tem 45 casos por hora’.

Submanchete do ‘Jornal do Brasil’: ‘Falta sangue para combater dengue hemorrágica’.

São periódicos destinados a público de perfil semelhante ao da Folha, porém são do Rio.

Na edição final, endereçada ao público local, ‘O Estado de S. Paulo’ dá em alto de página: ‘Falta de agentes de saúde impulsiona dengue no Rio’. Ao lado, entrevista com o prefeito Cesar Maia: ‘‘Dos óbitos, apenas 2 foram em nossa rede’’.

Dispensa comentário a identidade dos leitores do ‘Estado’ e da Folha, pelo menos de parcela expressiva.

Pois a Folha não saiu hoje com chamada sobre dengue na primeira página.

Nem na Folha Corrida, que se configura como a primeira página número 2, com as notícias e opiniões que sobraram da capa.

Nem em alto de página.

Nem em meio.

Nem em rodapé.

Nada. Nem uma linha.

A Folha hoje não trouxe uma só palavra de notícia sobre as 28 mortes, no que um médico qualifica como epidemia.

O assunto é tão importante que o jornal dedicou-lhe hoje um editorial. Notícia, nenhuma.

A Folha é o diário mais nacional do país, com mais leitores fora do Estado onde é editado.

Na quinta-feira, noticiou na primeira página uma morte por febre amarela adquirida em área rural do Paraná.

Neste ano, as mortes por febre amarela já foram manchete. Mas todos os casos decorreram de transmissão longe de região urbana. Houve mais mortes por dengue só no RJ do que por febre amarela em todo o país.

A dengue campeando na segunda cidade do Brasil não mereceu uma só linha.

É o que se chama de insensibilidade jornalística.

Alckmin e o jornalismo acrítico

É direito do pré-candidato a prefeito Geraldo Alckmin dizer o que bem entende.

Assim como é dever do jornalismo crítico questioná-lo e apontar suas contradições.

Tanto dele como de qualquer outro candidato.

Hoje o jornal publicou em alto de página (A8): ‘Nunca vi 1º colocado ceder lugar ao 3º, reage Alckmin’.

Creio que era recomendável informar que o ex-governador repetiu uma tirada recente de Barack Obama, sobre ser vice da (então) segunda colocada nas pesquisas democratas, Hillary Clinton.

Não era obrigatório, contudo.

Compulsório era questionar Alckmin sobre como seu raciocínio se aplicava em 2006, quando, atrás nas pesquisas, ele impôs sua candidatura presidencial contra o tucano de melhor pontuação, José Serra.

O jornal teve a chance e não o questionou.

Ontem a Folha estampou na primeira página: ‘A bancada do PSDB na Câmara divulga hoje uma carta em que defende a aliança em torno da reeleição de Gilberto Kassab (DEM), em lugar da candidatura do ex-governador Geraldo Alckmin à prefeitura’.

Hoje, a carta virou um ‘artigo’, assinado pelo líder do PSDB na Câmara Municipal, Gilberto Natalini.

Não é a bancada que assina o artigo.

O que aconteceu?

Hoje, Natalini diz que ‘todos’ os vereadores do partido ‘endossaram o documento’.

Será verdade?

Noutro dia, a Folha nomeou vereador que deixou de freqüentar reuniões de bancada por ser aliado de Alckmin. Ou seja: o jornal deveria reconhecer erro de informação seu ou duvidar do relato sobre unanimidade.

Quanto menos crítico o jornal for na cobertura eleitoral, pior para os leitores.

Formato esdrúxulo

Leitores protestam contra o formato esdrúxulo de anúncio que se repete hoje, a partir da pág. A9.

O desenho da publicidade dificulta a leitura do jornal.

Não dificulta pouco.

Dificulta muito.

Deu ladrão

O governador de Nova York caiu depois que se descobriu que ele torrava os tubos, com dinheiro de origem ignorada, com prostitutas de luxo.

Seu substituto revela que traía a mulher.

A mulher do novo governante conta que também deu ladrão pela outra porta de casa.

Ambos contam que iam a um motel, onde o marido antes a traía, para introduzir ‘coisas novas e excitantes’ no relacionamento.

Um ex-governador de Nova Jersey apregoa que se divertia com a mulher e o motorista, os três juntos.

Nesses dias, não há mesmo como o noticiário brasileiro concorrer com o americano.

Assim caminha o jornalismo 1

O jornal colombiano ‘El Tiempo’ reconheceu como ‘erro lamentável’ a identificação de um homem, em foto com o então líder das Farc Raúl Reyes, como sendo um ministro do Equador.

A Folha omitiu a identidade, já conhecida, do fotografado.

Assim caminha o jornalismo 2

Manchete de hoje do ‘Daily Express’: ‘Kate e Gerry McCann: desculpem’.

Eles são os pais da menina Madeleine, desaparecida no ano passado em Portugal.

A Justiça condenou alguns jornais sensacionalistas britânicos a indenizar marido e mulher.

Motivo: as publicações sugeriram que o casal foi autor da morte e do desaparecimento da filha.

É o mesmo caso em que, quando o casal foi declarado suspeito, a Folha deu destaque.

Quando a polícia portuguesa recuou, não saiu nem nota.

Exclusivo

A Folha manchetou ‘Juro real dos EUA fica negativo com 6º corte seguido’.

A crise nos mercados financeiros merecia de fato tal destaque.

O jornal emplacou um belo furo com a excelente entrevista exclusiva feita em Harvard com Larry Summers, ex-secretário do Tesouro dos EUA.

Plantações

Título de hoje no pé da pág. B6: ‘Mais bancos apóiam Vale na compra de Xstrata, diz agência’.

Ou seja, seguem as negociações.

Chamada de primeira página da Folha seis dias atrás: ‘Vale fica perto de comprar a suíça Xstrata e virar a maior do mundo’.

Linha-fina dizia em Dinheiro: ‘… Anúncio pode ocorrer hoje’.

Não ocorreu.

O jornal deveria tomar cuidado com o noticiário sobre um negócio complexo, no qual os vazamentos costumam ser unilaterais e interessar a uma das partes.

Waterloo

A Folha estreou ontem seu caderno diário Esporte.

O aumento de espaço atende a um anseio de muitos leitores.

Nenhum campeonato de futebol interessa tanto aos leitores da Folha, hoje, como o Paulista.

Ontem, os leitores não encontraram, em quatro páginas e meia editoriais, a tabela com a classificação do Campeonato Paulista.

Mas encontraram a do Campeonato Inglês.

Esse tipo de opção (obsessão?) já me levou a fazer um trocadilho com o slogan da Folha, ‘Um jornal a serviço da Inglaterra’.

Acontece. Quem sabe no dia seguinte…

Hoje, porém, foi publicada novamente a classificação do Campeonato Inglês. E também a do Italiano.

Mas não a do Paulista.

É de pensar: para quem se faz jornal?

Quantos leitores acompanham o Campeonato Inglês?

Quantos acompanham o Paulista?

Hoje a capa do caderno é dedicada à estrada pela qual viajaria o time do Santos.

Manchete do caderno: ‘Estrada é o perigo real para o Santos hoje na Bolívia’.

O jornal não informa quantos times de futebol já morreram naquela estrada.

Já morreu algum jogador?

Talvez a resposta esclareça a importância da matéria.

É inacreditável a Folha considerar que a informação esportiva mais importante do dia é a tal estrada.

Uma coisa é destacar aspectos secundários, mas curiosos do entorno do esporte. Outra é tranformá-los em informação principal.

A única hipótese de uma reportagem assim ‘dar certo’ é o time morrer durante a viagem. Aí o jornal teria se antecipado…

A decisão implica a pergunta: a Folha gosta de esportes? Às vezes, como hoje, parece que odeia.

Por último, é impossível não registrar: ao texto sobre a estrada boliviana não falta, por suposto, uma estatística.

De novo

Sabe a tira do Hagar que saiu na segunda-feira?

O jornal a republicou hoje.

Um quarto de século

Contra a previsibilidade e a acomodação jornalísticas, o caderno Informática, que faz 25 anos, continua a ser boa inspiração.

Parabéns.

Correções

Na ausência das críticas diárias do ombudsman, em virtude de viagens a trabalho ou do tempo necessário para pôr em dia o atendimento, não diminuiu o volume de manifestações dos leitores.

Como sempre, apontando muitos erros de informação no jornal. Mesmo na minha ausência, as mensagens são encaminhadas à Redação.

Não há motivo, portanto, para que nos últimos dias tenha diminuído sensivelmente a quantidade de Erramos.

O jornal não deveria depender da cobrança do ombudsman para se corrigir com determinação.’