Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Viciados em hipérboles

Sem subestimar o conteúdo simbólico dos amáveis encontros da presidente Dilma Rousseff com governadores do PSDB e com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a transformação de necessidade em virtude incomoda.

A necessidade de criar fatos políticos que atenuassem o esperneio dentro do saco de gatos do governismo pós-mensalão foi comprada por uma parcela influente da mídia como expressão de uma virtude política até então ausente do conjunto de atributos exibidos pela presidente.

Voltando-se o filme para trás, a pretendida “faxina” – vocábulo do léxico janista e collorido – não tem nada a ver com convicções republicanas de A, B ou C. Foi a narrativa encontrada pelo Palácio do Planalto para transformar balaços de um tiroteio em artilharia midiática. A mídia, feitas as contas, acomodou-se ao engodo, embora cada jornal ou revista saiba direitinho que denúncia sua desencadeou quais quedas de ministros e auxiliares.

Fatos consumados

Isso não ocorreu por ingenuidade ou complacência, mas para promover contraste entre Dilma e Lula. Esforço mais voluntarista do que realista. A massa dos eleitores não vê e não verá nenhuma diferença entre padrinho e apadrinhada. O que poderia deslocar de suas posições o atual grupo hegemônico seria o surgimento de uma alternativa política. Não há nenhuma à vista.

A presidente não realizou nem realiza nenhuma “faxina”. Foi colocada diante de fatos consumados e diferenciou-se, na reação, de seu criador político, que tinha molejo suficiente para evitar quanto possível o abate de correligionários, companheiros de estrada e trêfegos adesistas.

Como o mundo é das manchetes (ou das “escaladas” do Jornal Nacional), tudo é hiperbolizado. Onde ocorreu redução da margem de manobra e inevitabilidade do descarte, proclamou-se intolerância com o assalto à coisa pública.

Onde a presidente viu oportunidade para sugerir que não está amarrada com bola de ferro a interesses rasos, descortinou-se nova possível aliança socialdemocrata, hipótese há muito morta e sepultada: lembrar que José Sarney se filiou ao PMDB para concorrer em chapa com Tancredo Neves; que o PSDB, criado em junho de 1988, votou a favor da Constituição de 1988 e o PT votou, em separado, contra a Carta; que o PT repeliu o apoio do PMDB e do PSDB a Lula no segundo turno da eleição de 1989; que o PSDB é hoje aliado da ex-Arena (DEM).

O reportariado em Brasília

Isso dito, o reportariado em Brasília é ponto forte dos principais jornais e revistas do país. Na média, veteranos e jovens parecem ter temperado a ansiedade pelo furo com a consciência de seu papel social e político – ou, se preferirem, cívico.

A busca da exclusividade leva muitas vezes ao olhar viciado, que só enxerga uma parte das coisas ou exagera a importância daquilo que se pretende noticiar. A consciência atenua tais desvios.

Veteranos e jovens parecem ter mitigado o espírito de manada com uma certa energia e com alguma busca de apuração própria, embora dependam muito de fontes oficiais, o que levou o professor da UnB Solano Nascimento a criar a expressão “jornalismo sobre investigações”.

Continua havendo compadrios, “proteção de fontes”, credulidade acrítica em histórias malcontadas. Mas sem a imprensa instalada em Brasília o país estaria pagando um preço muito mais alto pelas mazelas de seu sistema político-representativo. Sem nem sequer se dar conta do enredo.