Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Respeito nocauteado

Abu Dhabi, 10 de abril de 2010. Acontece a 112ª edição do Ultimate Fighting Championship (UFC), o maior evento de artes marciais do mundo. A platéia – composta por admiradores, jornalistas e empresários – aguardava euforicamente o combate principal, entre os brasileiros Anderson Silva e Demian Maia, travado dentro de uma arena. Na luta, estava em jogo o cinturão do peso médio e, sobretudo, o interesse empresarial do UFC em satisfazer a expectativa da mídia internacional, bem como dos investidores do evento.

O combate poderia ser um excelente espetáculo de técnicas marciais, se não fosse a presença de um fator inusitado: a ‘personificação’ do deboche e desrespeito, encarnado por Anderson durante o combate. O comportamento desrespeitoso do lutador repercutiu negativamente na mídia internacional, inclusive na brasileira. Órgãos noticiosos como TV CNN, TV Globo, jornal Le Monde, Jornal do Brasil, jornal O Globo, sites UOL e Yahoo, dentre outros, deram visibilidade mais que normal ao caso.

Demissão ou rebaixamento

Quem pratica artes marciais sabe que o ‘respeito acima de tudo’ deve ser um princípio norteador na vida do atleta. Trata-se de um valor imprescindível para o lutador, estando ele dentro ou fora da arena de combate. É inadmissível que o atleta renuncie ao respeito em favor da vingança ou da raiva, deixando-se entorpecer pelo excesso de zombaria perante o adversário. Foi o caso de Anderson Silva. Ele teve 93% dos votos na enquete feita pelo site do UFC, o que revelou o seu favoritismo ante a opinião pública. De fato, o resultado final da luta corroborou o pensamento do público de que Demian não conseguiria derrotá-lo.

Entretanto, o que mais chamou a atenção da mídia não foi o combate em si, mas a maneira como Anderson se comportou nele. Xingamentos e posturas pejorativas foram os seus principais ataques. O show que todos aguardavam e os seus golpes notoriamente espetaculares praticamente não existiram. Segundo a imprensa norte-americana, a expectativa do público era de que houvesse o nocaute. Mas quem assistiu ao combate viu que o único nocauteado foi o princípio do ‘respeito acima de tudo’. Após o confronto, o campeão se retratou, mas não o suficiente para compadecer o público.

Numa entrevista realizada durante o programa Domingão do Faustão, o campeão do peso médio, visivelmente nervoso, o que se via pelo suor no seu buço, foi colocado lado a lado com Demian. Na ocasião, foi dito a Anderson que a direção do UFC cogitou uma possível demissão ou rebaixamento do mesmo ao ‘card preliminar’, onde os lutadores são menos conhecidos e ganham bolsas menores.

Capitalismo é selvagem

Decerto, a provocação existe no ambiente esportivo. Muitos a fazem como uma estratégia psicológica para desestabilizar ou amedrontar o oponente. Porém, a grande questão é o nível da provocação e a sua ausência de limites. Ela se torna vulgar na medida em que extrapola as fronteiras do respeito ao adversário e à arte marcial representada pelo provocador. Ademais, vale notar que ao redor da ‘figura do campeão’ sempre existe uma legião de admiradores e fãs que o tomam como referencial, em virtude do seu notório sucesso. Todavia, quando essa boa referência incorre em graves deslizes, abre-se espaço para máculas na sua imagem que, a depender da gravidade do erro, são julgadas de maneira inexorável pela mídia e pelo público.

Agora, praticantes, pesquisadores e admiradores das artes marciais esperam uma reflexão por parte de Anderson Silva que já faturou altas cifras no UFC. Contudo, ele tem que entender que isso não lhe confere o direito de fazer o que fez. Tal fato pode até repercutir negativamente nas empresas que têm suas marcas vinculadas a esse atleta. O capitalismo é selvagem. Dana White, dono do UFC, que o diga.

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