Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Os 43 desaparecidos de Ayotzinapa no México… Ou no Triângulo das Bermudas?

(Foto: Diário Mexicano)

O então presidente, Enrique Peña Nieto, comprometeu-se a esclarecer tudo. Compromisso renovado pelo seu sucessor, AMLO, Andrès Manuel Lopez Obrador.

Em 24 de fevereiro de 1821, Agustín Iturbide, general dos exércitos fiéis à Espanha, mudou de lado e proclamou em Iguala a independência do México. A cidade, que deu lugar a esse importante episódio da história mexicana, foi, a partir de então, batizada com o nome de Iguala da Independência. Essa distinção hoje é contestada e ignorada. Os dias 26 e 27 de setembro de 2014 arruinaram a memória do “glorioso” dia de 24 de fevereiro de 1821. Os 43 continuam desaparecidos ainda hoje, em outubro de 2023.

As famílias dos desaparecidos estão acampadas há nove anos nos Campos Elísios mexicanos, na avenida Paseo de la Reforma. Um anti-monumento dos 43 foi construído, ao lado, para materializar sua expectativa: “Sãos e salvos eles os apanharam, sãos e salvos nós os queremos”. As famílias têm um histórico de nove anos de reivindicações exigindo a verdade, mesmo que ela seja difícil de ouvir. No entanto, desde 2014, apesar de investigações prolongadas, de declarações das autoridades, da alternância de poder entre partidos políticos (PRI de 2014 a 2018; MORENA, desde 1º de dezembro de 2018) o caso ainda esconde seus segredos.

A primeira versão, apresentada como “verdade histórica” pelos funcionários de Peña Nieto foi enterrada. Ela privilegiava um tiroteio entre bandos rivais de narcotraficantes, apoiados pela polícia municipal de Iguala. Segundo esta versão, os estudantes foram executados pelos narcotraficantes do grupo “Guerreros Unidos”. O prefeito da cidade, na ocasião, foi preso com sua esposa.

Desde então, graças a um importante apoio da sociedade civil mexicana, de peritos médicos e judiciários externos, uma investigação paralela à das autoridades, conduzida pelo GIEI – Grupo Interdisciplinar de Peritos Independentes do Caso Ayotzinapa, alterou a narrativa a respeito desse acontecimento. Em consequência, o procurador-geral dos anos 2014/2018, Jesús Murillo Karam, responsável pelo relatório sobre a “verdade histórica”, está preso desde 25 de agosto de 2022. 16 militares, incluindo dois generais, também foram encarcerados. A busca da verdade foi um dos compromissos de campanha de AMLO, Andrès Manuel Lopez Obrador. Ele reconheceu, a um ano do fim de seu mandato, ter cumprido o seu contrato de cem compromissos eleitorais, com exceção de um: trazer luz e fazer justiça sobre o desaparecimento dos “43”.

A Comissão de Verdade e Acesso à Justiça sobre o caso Ayotzinapa, criada a pedido do presidente, entregou seu relatório em agosto de 2022. A nova versão dos fatos apresentada pelo Subsecretário dos Direitos Humanos, Alejandro Encinas, retomou, grosso modo, o cenário apresentado em 2014, centrado em confrontos entre grupos criminosos locais. O relatório expandiu a responsabilidade do desaparecimento dos estudantes para militares estacionados perto do local do crime, embora tenha tomado o cuidado de precisar que as Forças Armadas, como instituição, não estavam de modo algum comprometidas nos delitos cometidos por alguns de seus membros. As famílias e o IPI pediram então um inquérito mais aprofundado. Eles foram recebidos pelo presidente, que lhes prometeu abrir todos os arquivos e mais particularmente os relacionados aos militares.

Um ano mais tarde, a constatação por parte da sociedade de uma estagnação das investigações se impôs. O procurador responsável pelo dossiê foi dispensado. Seu substituto, segundo as famílias, conhece mal os meandros do processo. Alguns até mesmo suspeitam que ele faz tudo o que pode para bloquear qualquer avanço real. Sussurra-se que “militares” teriam aconselhado o subsecretário dos Direitos Humanos a colocar panos quentes sobre a participação deles no caso Ayotzinapa. O Exército, de acordo com os advogados das famílias, não seguiu as instruções dadas pelo presidente. O presidente, entretanto, os acobertou. Em 3 de outubro de 2023, AMLO atacou o GIEI e as famílias. “É preciso acabar com isso”, disse ele, “com a administração da dor.” […] Se, por razões políticas ou ideológicas, a palavra de ordem for “É o Estado, é o Estado!”, isso não está certo. Os fatos estabelecidos estão mais “ligados a decisões de autoridades locais ligadas à delinquência”, acrescentou. Alguns dias antes, por ocasião do 55º aniversário do massacre de estudantes em Tlatelolco, em 2 de outubro de 1968, AMLO ilibou os militares que fizeram uso de suas armas. Obedeceram, disse ele, às ordens da autoridade política, o presidente Diaz Ordaz…

Esta letargia sobre a investigação do caso Ayotzinapa e as declarações complacentes do chefe de Estado sobre as Forças Armadas correspondem sem dúvida a uma grande orientação estratégica de seu mandato. AMLO, ao contrário dos compromissos de sua campanha de 2017/2018, considerou que apenas as Forças Armadas foram capazes de permitir que ele realizasse seu programa de grandes obras antes do final de seu mandato em setembro de 2024, de modo a garantir-lhe uma estabilidade interna mínima. Os militares hoje são responsáveis pelas alfândegas, portos e aeroportos. Eles vão gerenciar o recém-inaugurado Trem Maya. AMLO deu-lhes ainda a propriedade de uma companhia civil de aviação, a Mexicana de Aviación.

Texto publicado originalmente em francês, no dia 13 de outubro de 2023, na seção Actualités, Amérique Latine do Site Nouveaux Espaces Latinos com o título original “Les 43 disparus d’Ayotzinapa, au Mexique ou au Triangle des Bermudes?”. Disponível em: aqui. Tradução de Manoel Sebastião Alves Filho e Luzmara Curcino.

Jean-Jacques Kourliandsky é  diretor do Observatório da América Latina junto ao IRIS – Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, com sede em Paris, e responsável pela cobertura e análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É formado em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux e Doutor em História Contemporânea pela Universidade de Bordeaux III. Atua como observador internacional junto às fundações Friedrich Ebert e Jean Jaurès. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014), e colabora frequentemente com o Observatório da Imprensa, em parceria com o LABOR – Laboratório de Estudos do Discurso – UFSCar e com o LIRE – Laboratório de Estudos da Leitura.