Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os bastidores da ‘Realidade’

O jornalista Paulo Patarra guardou por 40 anos uma caixa de papelão amarelo da Kodak, com cartas, bilhetes e fotos dos tempos em que dirigia a Realidade, referência de jornalismo nos anos 1960.

Antes de morrer, em 2008, entregou o material a Mylton Severiano, o Myltainho. O antigo redator da revista, como Patarra sabia, estava àquela altura escrevendo um livro sobre a publicação.

Esse material, somado a um “diário de bordo” sobre os 16 primeiros números, também deixados pelo diretor, são a maior riqueza de Realidade: A História da Revista que Virou Lenda, que Myltainho lança agora pela catarinense Insular. Especialmente pelo ineditismo. [Ver, neste Observatório, “A revista que virou lenda”]

A publicação, afinal, já foi tema de estudos a perder de vista, além de ter sido retratada por outros ex-membros da equipe, como José Hamilton Ribeiro e José Carlos Marão, organizadores de Realidade Re-Vista (Realejo, 2010).

Como todo remanescente da revista gosta de lembrar, a Realidade foi lançada em 1966 com um projeto singular bancado pela editora Abril – mensal, ambicionava dar conta de assuntos do momento em grandes reportagens, sem perder a atualidade.

Entravam nas edições histórias tão variadas como a cobertura fotográfica de um parto, por Claudia Andujar, ou o premiado perfil dos meninos de rua do Recife, por Roberto Freire (o terapeuta).

O fato de ninguém ali ter certeza de como seria o resultado, eles dizem, ajudou. Assim como, é claro, contar com reportagens de nomes como Luiz Fernando Mercadante e o escritor João Antônio.

No auge, a revista chegou aos 500 mil exemplares vendidos em bancas, em plena ditadura, dando um jeitinho de ser provocativa sem incomodar demais os militares.

Mas a fórmula, como anotou Patarra em 1968, a certa altura deixou de funcionar: “Os generais pediam (depois iam impor) que Realidade se autocastrasse”. Pouco depois ele deixaria a revista, acompanhado por mais de dez membros da equipe.

A Realidade sobreviveria até 1976, com menos impacto. Myltainho, no livro, encerra sua história em 1968.

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Raquel Cozer é colunista da Folha de S.Paulo