Saturday, 05 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Governo pára de divulgar gasto relativo a Lula

Leia abaixo a seleção de sexta-feira para a seção Entre Aspas.


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Folha de S. Paulo


Sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008


CARTÕES
Folha de S. Paulo


Portal pára de divulgar gasto relativo a Lula


‘O governo deixou de publicar, na atualização mais recente do Portal da Transparência, despesas dos ecônomos responsáveis pela alimentação e segurança familiar de Lula, conforme havia anunciado. Faturas dos cartões corporativos do governo (de 25 de dezembro a 24 de janeiro) somam R$ 783 mil, 87% a menos que a anterior.’


 


LEI DE IMPRENSA
Vilmar Rocha


Por uma nova Lei de Imprensa


‘A TRANSIÇÃO brasileira do autoritarismo militar para a democracia é um caso clássico de transição em que a nova ordem conserva uma quantidade imoderada de elementos da velha, um enorme entulho autoritário, uma democracia muito imperfeita. Pior ainda: passados quase 25 anos desde que o poder transitou de mãos militares para mãos civis, verificamos que pouco se fez. A liderança política do país se esteriliza em lutas de poder e não tem tido coragem ou discernimento -ou ambas as coisas- para cumprir seus deveres legislativos em relação à modernização da democracia brasileira.


Criou-se um vácuo de poder, e o Judiciário cuidou de ocupá-lo, mediante julgamentos de constitucionalidade.


É o caso da Lei de Imprensa, uma das piores peças do entulho autoritário, aprovada pelo Congresso em plena ditadura militar e 21 anos antes da Constituição de 88. É impressionante tanta inércia política, ademais em algo tão fundamental para a democracia como é a liberdade de imprensa.


Nós, agentes políticos, comungamos da crença na indispensabilidade da liberdade de imprensa para a garantia dos direitos da cidadania. Não há razão para descrer-se na sinceridade dessa convicção, tão ostensivamente proclamada nas ocasiões em que vem ao caso. E tem vindo freqüentemente no governo do PT, com repetidas tentativas de imposição de regras restritivas. No entanto, o que tem prevalecido é a inércia legislativa.


Nesse contexto, é inevitável que o Judiciário atue. No caso, atuou por intermédio do Supremo Tribunal Federal, que suspendeu os efeitos de 20 dos 77 artigos da Lei de Imprensa.


Peço licença para dizer que não fui omisso. Em agosto de 1997, depois de um longo debate no Congresso e na sociedade, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou, por unanimidade, um substitutivo de minha autoria estabelecendo uma nova Lei de Imprensa.


Decidi, de começo, revogar ‘in limite’ a Lei de Imprensa vigente, propondo um novo estatuto, em vez de deixar aos códigos Penal e Civil os assuntos de que ela trata. O papel da imprensa na democracia pede um estatuto próprio, que tanto a proteja quanto deixe claras suas responsabilidades. E os códigos não captam a especificidade do que se deseja.


Um exemplo é o direito de resposta, disciplinado em meu projeto, algo indispensável como contrapartida do direito de publicar do comunicador. Lembro ainda que vários países convivem com leis especiais de imprensa.


O conteúdo de minha proposta dá plena resposta às questões levantadas pela decisão do ministro Carlos Ayres Britto. Ele decidiu em face de pedido que denunciou uma estratégia da Igreja Universal do Reino de Deus contra quatro jornais, incluindo a Folha de S.Paulo. A igreja orientou fiéis a propor ações em cidades e Estados diferentes, tornando impraticável a defesa, pois dela se exige onipresença. Essa iniciativa claramente conspira contra a liberdade de expressão e, por via de conseqüência, é inconstitucional. Em seu artigo 31, o projeto de minha autoria prevê que ‘o foro competente para o ajuizamento de quaisquer ações previstas nesta lei é o da sede do meio de comunicação social responsável pela publicação ou de suas sucursais’.


Do ponto de vista político, o que está em questão é a tensão permanente decorrente da instabilidade institucional e jurídica entre os meios de comunicação e a sociedade brasileira, representada pelo Congresso Nacional. A situação atual é juridicamente caótica e imprecisa. Falta clareza na legislação e falta pacificação de conceitos e princípios que possam dar aos cidadãos e aos meios de comunicação a mínima previsibilidade das decisões judiciais, condição essencial para a segurança jurídica e para o Estado democrático de Direito.


Não é fácil a conciliação entre a liberdade de expressão e a garantia dos direitos de resguardo da vida privada, da imagem, da honra e da intimidade, constitucionalmente estabelecidos.


Não é fácil, mas é possível. A nova Lei de Imprensa sistematiza a legislação e, mais do que isso, a moderniza. Ela dá resposta às perguntas que a conjuntura levanta agora.


O substitutivo de minha autoria está pronto para ser incluído na pauta de votação da Câmara. Só depende de coragem e grandeza. Com isso, para além da questão da democracia e da imprensa, daríamos mais energia à remoção do entulho autoritário.


VILMAR ROCHA é professor de direito constitucional da Universidade Federal de Goiás. Foi deputado federal (DEM-GO) de 1993 a 2007 e relator do projeto de substitutivo da Lei de Imprensa.’


 


TV PÚBLICA
Nelson Motta


Descontrole remoto


‘RIO DE JANEIRO – O melhor e mais eficiente meio de controle de uma TV pública é o acesso permanente do público aos seus dados de audiência. Quantas pessoas estavam assistindo a qual programa, em que cidades e bairros, a que classes socioeconômicas pertencem? Não bastam o controle das despesas e investimentos, da neutralidade e independência da informação. É fundamental a cobrança dos resultados da aplicação do dinheiro público: num meio de comunicação de massa, o resultado é a audiência qualificada. Mas ninguém fala disso, é como se fosse um segredo de Estado.


Se, para as emissoras comerciais, os índices de audiência valem dinheiro, para as TVs públicas valem mais: significam que ela está cumprindo a sua finalidade de fazer uma boa programação para o público que paga a conta.


Em emissoras comerciais, programas que dão traço, zero de audiência, que literalmente ninguém vê, saem do ar, por inúteis. Por que continuam em TVs públicas e estatais? Nem falo de audiências micro ou mínimas, de ínfimas minorias de espectadores, em um universo de 180 milhões de cidadãos, mas do zero absoluto, que significa a rejeição total dos espectadores àquele programa. E há inúmeros nessas condições. Para quê? Por quê?


O patrocinador de uma TV pública é… o público, com o dinheiro de seus impostos. Se os contribuintes não estão vendo o que a sua TV está lhes oferecendo, o problema não é deles, é da TV.


Só não dá para proibir as outras emissoras de fazerem programas melhores. Ou obrigar o público a ver o que não quer por decreto ou medida provisória. Antes de qualquer discussão honesta, é preciso saber quantos estão vendo o quê. E quantos não estão vendo, e por quê. Encarar a realidade para tentar mudá-la, com trabalho e competência.’


 


TODA MÍDIA
Nelson de Sá


Fé no descolamento


‘Na home do ‘Financial Times’ e no topo da busca de Brasil no Yahoo, ontem o dia todo, a explicação do editor de investimento do jornal, John Authers, para ‘tanto dinheiro no Brasil’, que passou a China entre os emergentes. Diz, em texto e vídeo, que o fenômeno se deve à alta nas commodities e à ‘fé renovada na teoria do descolamento’ -a desvinculação entre EUA e emergentes. ‘Os êxitos do Brasil nos últimos seis anos são inquestionáveis, mas as valorizações atuais soam exageradas’ e podem cair com as commodities.


Também o site Market Watch deu a longa análise ‘Saia da frente, China: o Brasil é o maior mercado emergente’, creditando o feito à Petrobras. E o site da ‘BusinessWeek’ sugere ao investidor ‘se esconder no Brasil’, hoje ‘insular’ na crise, pela demanda interna.


BUSH VS. BANCO CENTRAL


George W. Bush deu entrevista coletiva e, nos títulos, rejeitou um novo programa contra a crise, ‘um pacote de estímulo dois’, como ele ironizou. Antes, seu secretário do Tesouro (ministro da fazenda) deu entrevista ao ‘Wall Street Journal’ para a manchete ‘Paulson rejeita plano’. Eles estão sob pressão dos democratas, no ano eleitoral.


E a reportagem tratou de sublinhar que o presidente do Federal Reserve (banco central), no Congresso, ‘adotou posição mais flexível’ sobre as idéias para um novo plano, afirmando que ‘vale a pena continuar pensando’ nelas.


BEN CONTRA A TARIFA


No segundo dia no Congresso, ontem, o presidente do Fed, Ben Bernanke, apoiou cortar a tarifa imposta à importação do álcool. ‘Permitir o etanol brasileiro reduziria custos nos EUA’, declarou, falando em livre comércio e inflação


MUITO BARULHO POR NADA


Na manchete da Reuters Brasil, ‘Polícia Federal prende quatro e encerra caso da Petrobras como crime comum’.


O Terra de Bob Fernandes, que noticiou o furto e ouviu o presidente da Petrobras, registrou ontem ter tratado da alternativa de ‘crime comum’ em ambas as reportagens.


Já o blog de Míriam Leitão destacou ‘Que sirva de lição à Petrobras’, pela ‘forma imperial com que se relacionou com a imprensa’, seu presidente ‘só falou com um site’ etc. Depois, manchete do ‘JN’, ‘Muito barulho por nada’.


GIGANTE ENERGIZADO


Citada ontem na coluna, a análise da instituição Council on Foreign Relations sobre o impacto de Tupi foi parar na ‘Newsweek’ sob o título ‘Um gigante energizado’ -com a descrição de que o país estaria ‘pronto para jogar um papel maior na América do Sul e no mundo, graças em parte a uma grande descoberta’.


TESTE DE INTEGRAÇÃO


Já a instituição de política externa Americas Society, também dos EUA, ressaltou o relatório de um instituto da Universidade da Pensilvânia, sobre o acordo entre Brasil, Bolívia e Chile para a estrada ligando Atlântico e Pacífico. As dificuldades técnicas vão, diz o estudo, ‘testar o nível de integração dos três países’.


O CONTINENTE ESQUECIDO


A coluna Mercado Aberto noticiou que Michael Reid, da ‘Economist’, tem encontro com Lula agora em março. Ele lançou ‘Forgotten Continent’, continente esquecido, sobre ‘a batalha pela alma da América Latina’ entre duas esquerdas, a moderada e a populista. O livro foi saudado com elogios por Francis Fukuyama na ‘Foreign Affairs’, Jorge Castañeda e o ‘NYT’. Tem trechos abertos na web.’


 


ELEIÇÕES NOS EUA
Folha de S. Paulo


‘Times’ questiona defesa de Hillary a subsídios do álcool


‘Depois de questionar a relação do republicano John McCain com os lobbies em uma reportagem polêmica divulgada na semana passada, o ‘New York Times’ agora levanta um possível conflito de interesses entre votos de Hillary Clinton no Senado americano sobre o álcool e doações à sua campanha de uma empresa que investe no setor e tem, inclusive, participação em firma brasileira.


‘[Hillary] Clinton defendeu uma lei que daria bilhões em incentivos federais ao álcool e, sobretudo em seu Estado-base, Nova York, trabalhou em prol de um ambiente de negócios favorável aos investimentos em etanol procurados por amigos de seu marido e apoiadores políticos seus’, diz o texto, colocado no site do jornal na madrugada de ontem. A campanha da senadora, afirma o ‘Times’, não quis comentar o assunto.


A reportagem cita eventos da Clinton Global Initiative, misto de entidade filantrópica e rede de investidores montada pelo ex-presidente Bill Clinton que, entre outras coisas, defende a produção de combustíveis limpos (como o álcool).


Refere-se também à Yucaipa Companies, fundo de investimento privado e eventual beneficiária da lei defendida por Hillary -da qual seu marido é um dos conselheiros e cujo dono, Ron Burkle, levantou centenas de milhares de dólares para suas campanhas.


A Yucaipa, segue o texto, investiu milhões na Cilion Inc., que está construindo usinas de álcool pelos EUA, incluindo duas em Nova York, nas quais teriam recebido ‘ajuda’ do gabinete de Hillary, segundo um executivo. São ações que vão de promover fóruns de investidores sobre álcool à oferta dos serviços de sua equipe.


A empresa também tem investimentos no Brasil, por meio da Brazilian Renewable Energy Co., (Brenco), fundo dirigido pelo ex-presidente da Petrobras Henri Philippe Reichstul e que teve investimento -embora modesto, cerca de US$ 20 mil- de Clinton.


Hillary, no entanto, votou para aumentar a taxação do produto brasileiro nos EUA.


Obama


A senadora parece estar sendo, aos poucos, excluída da disputa. Ao menos por seus advsersários governistas, que, com dianteira cada vez maior de Barack Obama, focam nele os ataques. Ontem, a dose foi dupla.


John McCain, o favorito para a candidatura republicana, acusou Obama de querer ‘entregar o Iraque a Al Qaeda’ por causa de sua promessa de retirar as tropas americanas do país árabe tão logo assuma uma eventual Presidência.


Do atual ocupante do cargo, George W. Bush, veio uma crítica à sua defesa da negociação direta e sem precondições com governantes de países que os EUA hoje consideram hostis, como Cuba e Irã. ‘O que temos a perder abraçando um tirano? Mandaremos a mensagem errada’, disse o presidente, que tem se mantido fora da campanha, citando Raúl Castro. ‘Não digo que nunca vamos conversar, mas agora não é hora.’’


 


REINO UNIDO
Folha de S. Paulo


Revista e jornal estrangeiros vazam posição de príncipe Harry no front afegão


‘O príncipe Harry está desde 14 de dezembro na linha de frente do Afeganistão, confirmou ontem o governo britânico, após a publicação da notícia -que já havia sido divulgada por um tablóide alemão e uma revista australiana- no site americano Drudge Report.


O fato, conhecido pela mídia britânica desde dezembro, era mantido em sigilo para preservar a segurança do jovem militar, terceiro na linha de sucessão da Coroa britânica. Harry teve sua primeira missão, no Iraque, cancelada no ano passado após ameaças de insurgentes a ele e seu regimento, o ‘Blues and Royals’.


O pacto de silêncio aceito pela imprensa permitiu ao príncipe servir como controlador aéreo avançado na Província de Helmand, no conturbado sul do Afeganistão, onde está a maioria dos 7.800 soldados britânicos. Em vídeos gravados no país, Harry parece radiante por participar de combates, ‘ombro a ombro’ com os outros militares.


Escolhido ‘baladeiro do ano’ em 2007 por sua vida noturna agitada, ele conta que está adorando a vida austera do campo de batalha.


‘Estou aqui agora, não tomo um banho de verdade há quatro dias, não lavo minhas roupas há uma semana e tudo parece completamente normal… Acho que isso é o mais normal que eu vou poder ser em toda a vida’, diz o príncipe de 23 anos.


Descrito como um militar exemplar, Harry pode ser obrigado a deixar em breve a operação. ‘Ao decidir posicioná-lo no Afeganistão, julguei que, com o acordo aceito pela imprensa, os riscos eram gerenciáveis’, disse o comandante do Exército, Richard Dannatt.


‘Muito decepcionado’ pelo vazamento, o general afirmou que terá de reavaliar se o príncipe deve ou não continuar em combate agora que a informação é de domínio público. Segundo o premiê Gordon Brown, Harry tem prestado um ‘excelente serviço’, que deixará ‘todo o Reino Unido orgulhoso’.


Com agências internacionais’


 


CUBA
Folha de S. Paulo


Ilha assina tratados de direitos humanos


‘Sob ceticismo da oposição, o chanceler cubano, Felipe Pérez Roque, assinou ontem na sede da ONU em Nova York dois tratados de direitos humanos com os quais a ilha resistia a se comprometer por décadas. O regime se recusou várias vezes a receber relatores da ONU, alegando que agiam em nome dos EUA. Pérez Roque disse, porém, que o regime se reservava o direito de interpretar os documentos. Dissidentes voltaram a cobrar a libertação dos cerca de 240 presos políticos da ilha.’


 


VIOLÊNCIA
Kleber Tomaz


Funcionário da TV Cultura morre em assalto


‘Um funcionário da TV Cultura foi morto com um tiro no peito ao tentar avisar a polícia que era vítima de um assalto. O crime ocorreu, anteontem à noite, quando o jovem quando estava a 100 metros da empresa onde trabalhava havia seis anos, na Água Branca, bairro da zona oeste de São Paulo.


Para a Polícia Civil, o editor de imagens Alexandre Martins de Paula, 25, foi vítima de uma tentativa de seqüestro relâmpago ao entrar em seu carro após sair do trabalho, por volta das 21h. Um adolescente de 17 anos foi detido em flagrante pela Polícia Militar, acusado de participar do crime. Outros dois suspeitos fugiram.


Segundo o delegado Renato Ferreira, do 7º Distrito Policial, na Lapa, onde o caso foi registrado, Martins de Paula foi morto por um desses três homens que o renderam dentro do seu Fox cinza 2004.


A vítima havia deixado seu automóvel a cerca de 200 metros da portaria principal, na rua Vladimir Herzog, paralela à sede da emissora. Lá a iluminação é precária.


Apesar de a TV Cultura ter segurança externa contratada para acompanhar seus funcionários aos carros, nenhum vigia afirmou à Folha ter visto Martins de Paula ser abordado e mantido refém sob a mira de uma arma dentro do seu Fox.


O delegado Ferreira disse que ‘os bandidos planejavam levar a vítima com eles para obrigá-la a fazer saques em dinheiro em caixas-eletrônicos para depois subtraí-lo’.


Para concretizar esse plano, um dos três assaltantes guiava o veículo da vítima. Mas a idéia foi frustrada quando o Fox passou pela rotatória da rua Cenno Sbrighi, na esquina da TV Cultura. Nesse momento, um carro da Polícia Militar cruzou o caminho e o editor de imagens decidiu pedir ajuda aos PMs.


‘Eu não vi a cena, mas ouvi alguém gritar ‘polícia’ e depois escutei um barulho de tiro’, afirmou Nair Soares, 42, que trabalha num ponto de táxi próximo à emissora.


Em seguida, completa o delegado, o Fox foi abandonado na rotatória pelos três bandidos, que fugiram a pé, aparentemente sem levar nada.


‘A vítima ainda saiu do carro e apontou quem eram os assaltantes aos PMs, que os perseguiram’, disse Ferreira. Levado ao pronto-socorro do hospital Sorocabano, o editor não resistiu ao ferimento e morreu.


Um adolescente foi detido pela PM como suspeito e encaminhado à Fundação Casa (ex-Febem), onde deverá cumprir medidas sócio-educativas. Com ele, foi encontrado um revólver calibre 38 com a numeração raspada. Em depoimento à Polícia Civil, o adolescente afirmou ter participado da tentativa de assalto, mas negou ter disparado contra o editor.


Na TV Cultura, Martins de Paula trabalhou como editor dos programas Vitrine, Planeta Cidade e Pé na Rua. A direção da Fundação Padre Anchieta, responsável pela emissora, informou que dará todo o apoio à família da vítima.’


 


TELEVISÃO
Daniel Castro


Record fará novela sobre a máfia italiana


‘A novela da Record que substituirá a excêntrica ‘Caminhos do Coração’ será uma trama policial sobre a máfia italiana no Brasil, baseada no livro ‘Honra ou Vendetta’, do jornalista Sílvio Lancellotti. A novela será escrita por Lauro César Muniz e Dora Castellar.


Com o título provisório de ‘Vendetta’, a novela ainda depende da assinatura do contrato de aquisição dos direitos do livro. Substitui ‘Machos’, cujos direitos a Record não conseguiu comprar da Sony.


‘A história começa em Palermo, Sicília, quando um atentado mata a mulher e duas filhas de Tony Castellamare, considerado um capo da máfia com ligações com o narcotráfico brasileiro. O alvo do atentado era Tony e a ordem partiu do Brasil. Atingido pela tragédia familiar, Tony planeja uma vingança (vendetta). Cria um grupo armado e segue para o Brasil, para onde fogem os comandantes do atentando’, diz Muniz.


‘Em São Paulo e no Rio, Tony envolve-se com uma grande rede de narcotraficantes ligados aos cartéis colombianos e às Farc. Uma guerra se estabelece com os métodos usuais da máfia siciliana: Tony caça o grande chefe da rede criminosa, enquanto a Polícia Federal segue seus passos. Ao tentar descobrir quem é o mandante do crime, Tony se envolve com um mundo cheio de charme e glamour, ligando-se a duas mulheres fascinantes, uma jornalista e uma atriz famosa’, revela.


PIADA LOIRA Grazzi Massafera não irá cobrir a licença-maternidade de Maria Paula no ‘Casseta & Planeta’. As negociações foram encerradas ontem. Estava quase tudo certo, mas Grazzi insistiu em ter duas semanas de férias após o final de ‘Desejo Proibido’, daqui a dois meses. Isso obrigaria o humorístico a procurar outras atrizes para cobrir o intervalo entre a saída de Maria Paula (no final de abril) e a entrada da ex-’BBB’.


É VERDADE Sem querer, o SBT assumiu em seu ‘órgão oficial’, um boletim tosco na internet, que é a terceira rede do país. Em nota, diz que o ‘SBT e a emissora B’ tiveram cinco pontos no Ibope nacional em janeiro. A emissora B é a Record. Assim, ao SBT só resta ser a emissora C, aquela que vem depois da B.


MAIS CAPRICHO A caprichada produção da minissérie ‘Queridos Amigos’ vacilou. No episódio da última terça, apareceu um número 4 na tela de um televisor que sintonizava uma edição do ‘Jornal Nacional’ de 1989. É que a imagem foi gerada por videocassete, sintonizado no canal 4.


PERDIÇÃO A Globo exibiu anteontem chamadas para o terceiro episódio da terceira temporada ‘Lost’. Mas exibiu, corretamente, o segundo capítulo.


LIBERTAÇÃO Com Galvão Bueno interagindo com os participantes de ‘BBB’, a Globo venceu ‘Caminhos do Coração’ no intervalo do futebol, anteontem. O jogo era da Libertadores, que sempre deu mais audiência do que os torneios nacionais.’


 


Cristina Fibe


Volta ao mundo dos Schürmann vai à TV


‘Em 1519, o português Fernão de Magalhães convenceu os rivais espanhóis a aceitarem um plano recusado por Portugal -achar um caminho para as ‘ilhas das especiarias’ pela América, para evitar o contorno da África. Morreu assassinado antes do fim da viagem, mas encontrou o caminho.


Quase cinco séculos depois, a família Schürmann refez o percurso, iniciado em 1998 e acompanhado pelas câmeras do filho David, hoje com 33.


As duas viagens estão em ‘O Mundo em Duas Voltas’, exibido hoje pelo Discovery. Com belas imagens captadas nos mais de dois anos no mar e animações que contam a história de Magalhães, o documentário tem certo tom ficcional -para David, o barulho da câmera e a parafernália da produção faziam com que brigas cessassem e situações mais espontâneas se desmanchassem.


Depois de filmar mais de cem horas no veleiro Aysso (formoso), David chamou Luiz Bolognesi (‘Bicho de Sete Cabeças’) para o roteiro e a preparadora de elenco Fátima Toledo (‘Cidade de Deus’) para ajudar a família a ser ‘natural’ nos depoimentos pós-gravados.


Além dos pais Vilfredo e Heloisa, uma personagem importante é Kat, que vive dos cinco aos sete anos no barco. O documentário é dedicado a ela, que, soropositiva, morreu em 2006, antes de seu lançamento.


O MUNDO EM DUAS VOLTAS


Quando: hoje, às 22h


Onde: no Discovery Channel’


 


CINEMA
Eduardo Simões


Longa recria o elo EUA-Afeganistão


‘Nos momentos finais de ‘Jogos do Poder’, que estréia hoje, o agente da CIA Gust Avrakotos (Philip Seymour Hoffman) conta ao congressista Charlie Wilson (Tom Hanks) uma espécie de parábola zen, em que um garoto ganha um cavalo em seu aniversário de 14 anos e todos em sua vila se regozijam. O menino cai do cavalo e quebra o pé. O infortúnio, quem diria, acaba salvando-o de ser recrutado para uma guerra.


A ambigüidade do presente da historinha acima enviesa o filme do diretor Mike Nichols. Baseado em fatos reais, narrados no livro ‘Charlie Wilson’s War’, de George Crile, o longa conta como o congressista, o agente e uma socialite (Julia Roberts) conseguiram elevar o orçamento americano de US$ 5 milhões para US$ 1 bilhão, anuais, para a guerra que o Afeganistão travou, entre 1979 e 1989, contra os soviéticos. Numa operação secreta, envolvendo outros países, os EUA ajudaram a armar e treinar os mujahidin (guerreiros islâmicos), e, finda a guerra, saíram de cena, deixando atrás um país caótico.


Em entrevista à Folha, em mesas-redondas, de que participaram ainda Hanks, Roberts e Hoffman, Nichols evita identificar no filme uma mensagem de alerta sobre o que acontece hoje no Iraque, ocupado por tropas americanas. Ou tampouco que o longa narre os eventos históricos que levaram aos ataques do 11 de Setembro.


‘Se o filme tem uma mensagem, é que, neste mundo, é muito difícil calcular as conseqüências’, diz Nichols.


O diretor conta que explicava a seus filhos a tal parábola zen: ‘Na vida, as coisas boas e más permanecem se transformando umas nas outras. Pense numa herança. Um dos meus filhos disse que não vai querer meu dinheiro, pois está muito feliz, e nunca viu alguém que tenha recebido dinheiro que não tenha fodido sua vida’.


Política, álcool e pó


‘Jogos do Poder’ tem um herói às avessas: o congressista texano Charlie Wilson, papel de Hanks. Mulherengo, Wilson vivia em festas regadas a uísque e cocaína. Os escândalos nunca o impediram de obter sucesso político, como no caso do Afeganistão. Também produtor do filme, Hanks se diz atraído pelas motivações do personagem.


O ator também faz ressalvas quanto ao filme ser encarado como uma explicação para o 11 de Setembro ou que tais.


‘Há muitos filmes agora sobre a guerra contra o terrorismo, a Guerra do Iraque etc. Este não é um desses filmes. Ele mostra pessoas com metralhadoras, há helicópteros no céu e eles são muçulmanos. Mas estes não são critérios suficientes para fazer do filme um retrato do que está acontecendo no Iraque ou até mesmo no Afeganistão hoje’, diz Hanks.


‘Trata-se de um dos muitos capítulos na história do envolvimento das sociedades ocidentais nesta região tão complexa e que tem seus primórdios há milhares de anos. É um filme de época, sobre algo que ocorreu há mais de 27 anos.’


Se o filme tem um herói, a heroína acidental é Joanne Herring, socialite de Houston vivida por Julia Roberts, que teve de esticar a pele do rosto com fitas adesivas para aparentar as plásticas feitas por sua personagem, dez anos mais velha do que a atriz, na época retratada. Roberts também reputa seu interesse no filme a motivações do personagem.


‘Joanne é uma mulher orientada por sua crença em justiça e religião. É incrível pensar nesta socialite em Houston que realmente tem uma paixão e convicção pelo que está acontecendo no Afeganistão. E o sentimento de que aquela batalha não era justa. Que não seria cristão saber a realidade e não fazer nada.’


Seymour Hoffman, que concorreu ao Oscar de melhor ator coadjuvante por Avrakotos, ressalta como seu personagem era um estranho no ninho na CIA. Filho de imigrantes gregos, da classe operária, enfrentava resistência dos colegas de agência, a maioria brancos, de berço, vindos de renomadas universidades.


Seria outro herói às avessas?


‘Os mesmos sentimentos de ódio que ele tinha contra a burguesia e a intelligentsia ele tinha contra os comunistas. Foi isso que atraiu a atenção de Charlie e Joanne’, diz Seymour Hoffman.


O jornalista EDUARDO SIMÕES viajou a convite da Universal’


 


Inácio Araújo


Nichols extrai ótimas atuações e cria graça no que poderia ser só um telefilme


‘O trailer de ‘Jogos do Poder’ sugere que o novo filme de Mike Nichols seja um exercício póstumo de Guerra Fria, já que faz o elogio de Charlie Wilson, obscuro deputado que, quase sozinho, teria forçado o envolvimento dos EUA nos combates no Afeganistão e, por tabela, ajudado de maneira decisiva a transformar aquela guerra no ‘Vietnã dos russos’. Com a diferença, nada pequena, de que ao naufrágio soviético no Afeganistão sucede a desagregação da URSS e a vitória dos EUA no conflito ideológico que tanto marcou o século passado.


Estaríamos então diante de um desses filmes que colocam em relevo a importância potencial de cada indivíduo na história. Mas bons filmes não se fundam sobre banalidades, e Mike Nichols não é nenhum bobo: ele sabe muito bem que a vitória sobre o comunismo tem algo de amargo, já que se fundou sobre uma aliança com os muçulmanos que desembocaria no 11 de Setembro e suas seqüelas.


Com isso, em vez de se limitar a um filme sobre um momento decisivo da história (o início da ajuda americana aos guerrilheiros afegãos), Nichols nos propõe um notável filme sobre o tempo. Pois ninguém ignora o que veio depois: o 11 de Setembro, a Guerra do Iraque, a substituição da Guerra Fria por um conflito menos definido, como natureza, mas de enorme ferocidade: é sobre esse intervalo que o longa sabe chamar nossa atenção.


Cinema de sutilezas


Para chegar a isso, não se vale dos recursos habituais e autoritários do cinema político. Basta, mais simplesmente, inserir certas frases aqui, certos gestos ali. A experiência das coisas, que as pessoas em grande medida partilham, faz o resto.


No mais, Nichols não se resigna a fazer um filme laudatório em torno do personagem. Justamente suas contradições fazem dele e de seus comparsas um grupo interessante.


Wilson (Tom Hanks) é um deputado inoperante, que se limita a cultivar amizades oportunas em Washington. É beberrão e mulherengo. Um bom sujeito, em suma, antes de um congressista eficiente e probo.


Ao seu lado estão uma ricaça sem-vergonha e cristã fanática, Joanne Herring (Julia Roberts), e um agente da CIA escanteado para o insignificante departamento de assuntos afegãos da agência, Gust Avrakotos (Philip Seymour Hoffman).


A interação entre esses personagens fará, em grande medida, o encanto do filme, porque não seres inatacáveis. É à inconstância e às surpresas do mundo, à riqueza dos caráteres, que Nichols presta suas homenagens, bem mais que ao anticomunismo do trio em questão.


Partindo de um tema ingrato, Nichols sabe tornar rica e agradável uma história que poderia render só um telefilme bobo.


Ele expõe grandezas e limites de indivíduos e de nações. Dimensões que o filme atinge graças à habilidade de Nichols na direção de atores que, no caso, resultam em um Hanks como há muito não se via e em um Seymour Hoffman como se vê sempre. Roberts destoa.


JOGOS DO PODER


Produção: EUA, 2007


Direção: Mike Nichols


Com: Tom Hanks, Julia Roberts


Onde: estréia hoje nos cines Bristol, Unibanco Arteplex e circuito


Avaliação: bom’


 


 


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O Estado de S. Paulo


Sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008


PERSONAGENS
João Mellão Neto


Sou, mesmo, um pequeno burguês


‘Há pouco mais de dois anos, um renomado autor de novelas globais declarou em uma entrevista à revista Veja que, segundo as diversas pesquisas que tinha em mãos, podia afirmar que estava ocorrendo certo relaxamento moral na consciência do brasileiro médio. As pessoas, dizia ele, já não condenavam certas atitudes totalmente antiéticas, por parte dos personagens das suas tramas, desde que agir dessa forma fosse essencial para que atingissem os seus objetivos. Na época ninguém deu a atenção devida a esse abalizado sinal de alerta dado pelo noveleiro. Eu, pessoalmente, confesso que fiquei bastante preocupado.


A média das pessoas não sabe, mas uma das principais razões do sucesso das novelas globais é o fato de a emissora promover sistematicamente exaustivas pesquisas de profundidade, com pessoas representativas de cada um dos diversos segmentos sociais, para saber o que a opinião pública acha ou espera de cada personagem. Pode-se dizer que as novelas são, na prática, as ‘instituições’ mais democráticas da Nação. Não existe enredo inflexível ou pré-elaborado. O que há, no máximo, é uma sinopse bastante vaga. As tramas evoluem de acordo com o que o público almeja; os personagens crescem ou, até mesmo, desaparecem, em razão da receptividade que logram obter junto aos telespectadores. A Globo não brinca em serviço. O custo de produção de um único capítulo de novela está entre R$ 50 mil e R$ 100 mil. O milionário faturamento em comerciais varia de acordo com os pontos de audiência. Em outras palavras, a emissora não pode se dar ao luxo de errar. Esta é a razão pela qual as pesquisas são realizadas com tanta freqüência. Todos os personagens têm de se comportar de acordo com o que a sociedade espera deles. Um personagem que represente um jovem ambicioso da classe C, por exemplo, tem de agir de modo coerente com as expectativas que se tem em relação a uma pessoa com tais características. Caso o personagem tenha atitudes inautênticas, as pesquisas captam isso e o autor ajusta o seu comportamento.


É por essa razão que as pesquisas globais têm de ser levadas muito a sério. Quando um autor de novelas afirma, como é o caso, que está ocorrendo um ‘relaxamento moral’ na sociedade, longe de ser um mero palpite, ele sabe muito bem o que está dizendo. Pode-se esperar, porque as conseqüências disso não tardarão a surgir. E não se restringirão, infelizmente, ao terreno da ficção.


De fato, pouco tempo depois, ocorreu a série de escândalos políticos relacionada ao ‘mensalão’. Em épocas normais, o presidente da República seria impedido e os parlamentares envolvidos jamais lograriam passar novamente pelo teste das urnas. Não foi nada disso o que ocorreu. O presidente não só não foi impedido, como também conseguiu ser reeleito e a maioria dos parlamentares corruptos disputou e venceu as eleições de 2006.


Infelizmente, essa tolerância moral e ética da sociedade continua a existir. Os partidos de oposição se esforçam ao máximo para encontrar e denunciar novos escândalos e a sociedade, como que anestesiada, confere ao atual presidente um índice de popularidade raramente alcançado por qualquer um de seus antecessores.


Esse fenômeno é muito grave. Não há tecido social que não se esgarce quando os mais caros valores morais são ‘relativizados’ e os mais condenáveis comportamentos são julgados com tamanha condescendência pela opinião pública. Já vivemos, no passado, em épocas com tais características. E o desfecho, no mais das vezes, foi trágico.


Uma sociedade que, qual a Sodoma bíblica, se descuida dos seus mais elementares valores, merece ser extinta. Como a extinção, a não ser em caso de guerra, é impossível, o que ocorre, quase sempre, é um retrocesso drástico no campo das relações sociais. Todos passam a desconfiar de todos, ninguém acredita mais em ninguém e todo mundo perde muito com isso. Uma sociedade, com tais características, demonstra que, simplesmente, perdeu a sua auto-estima. Quem perde a auto-estima, perde também a autoconfiança. E, sem autoconfiança, nenhum grupamento social ousa empreender ou mesmo assumir riscos. O resultado, a médio e longo prazos, é o atraso, a estagnação e a perda irrecuperável da virilidade cívica – algo fundamental e imprescindível para a evolução e o progresso de qualquer civilização.


É uma pena que seja assim. Ainda nos arrependeremos amargamente de nossa tolerância atual. Um povo que não acredita em si mesmo, não merece o crédito dos outros. Um povo que não se dá ao respeito, acaba não sendo mais respeitado por ninguém.


Ao que parece, o único santuário dos valores morais de nossa sociedade se situa no coração da classe média, aquele segmento social cheio de pruridos que a companheirada petista, desdenhosamente, chama de ‘pequena burguesia’. Eu sinto que faço parte dela. Eu ainda me escandalizo com cada nova falcatrua oficial, ainda espero que os corruptos sejam exemplarmente punidos, ainda não perdi a capacidade de me indignar. Felizmente, esta camada social, apesar de minoritária, é convicta de seus valores e jamais transige com relação à moral. A sociedade, como um todo, pode temporariamente se afastar do caminho correto. Mas ela sempre, quando se dá mal, volta a centrar-se e a ter como referência esse diminuto grupo de moralistas renitentes. Eu não me envergonho de ser um ‘pequeno burguês’. Resta-me, por consolo, ao menos o prazer de poder, sem culpa, repousar no meu travesseiro.


João Mellão Neto, jornalista, deputado estadual, foi deputado federal, secretário e ministro de Estado.’


 


GUERRILHA
O Estado de S. Paulo


A perversidade das Farc


‘A cena foi transmitida pela emissora estatal venezuelana Telesur, a única autorizada a documentar a entrega de quatro reféns das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) a representantes do governo de Caracas e da Cruz Vermelha, em um ponto da Amazônia colombiana apropriadamente chamado El Retorno. A única mulher do grupo de libertados depois de mais de seis anos de captura, a ex-senadora Gloria Polanco, recebe flores de uma guerrilheira, agradece e diz o que vai fazer com elas: ‘Vou depositar no túmulo de meu marido, os quatro ramos, um de cada um dos meus filhos e o outro meu.’ Poucas imagens – e palavras – poderiam ser mais lancinantes do que essa na crônica de horrores protagonizada pela organização narcoterrorista que mantém em cativeiro centenas de pessoas, algumas há um decênio.


A história da ex-senadora, afinal, é uma ilustração insuperavelmente fiel da desumanidade desse exército de delinqüentes ‘revolucionários’. Em julho de 2001, Gloria foi seqüestrada com dois dos seus três filhos, então com 15 e 17 anos, por um bando que invadiu o prédio em que moravam na cidade de Neiva, no sul da Colômbia. Sete meses depois, ela foi separada dos jovens e incluída no infame rol de ‘reféns políticos’, hoje na casa de 40, que as Farc querem trocar por 500 dos seus que se encontram presos. À época, mesmo ausente, ela foi eleita para o Congresso pelo Partido Conservador – com a maior votação daquele pleito. O seu marido e correligionário, ex-deputado e ex-governador, Jaime Lozada, conseguiu comprar a libertação dos filhos, pagando o resgate em parcelas. Eles recuperaram a liberdade em julho de 2004. Um ano e meio depois, num ataque a tiros e explosivos, Lozada foi assassinado – aparentemente, por ter atrasado uma prestação.


A promessa da viúva de levar a seu túmulo as flores do mal – literalmente – exprime tudo o que pode separar a decência humana da criminalidade hedionda dos terroristas que, embora na defensiva hoje em dia, continuam na sua faina assassina que atormenta o povo colombiano. Para libertar outros reféns, as Farc ainda se dão ao escárnio de exigir, além da soltura de 500 guerrilheiros, que o presidente Álvaro Uribe decrete a desmilitarização, por 45 dias, das áreas onde se situam os municípios de Pradera e Florida e onde se daria o escambo. Naturalmente, tratando-se de uma região próxima de Cali, a terceira maior cidade do país, seria uma temeridade o governo de Bogotá aceitar a imposição dos bandidos. Blefando ou não, as Farc anunciaram o fim abrupto das ‘liberações unilaterais’ iniciadas em janeiro com a entrega de uma ex-senadora e de uma auxiliar de sua mais conhecida vítima, Ingrid Betancourt.


Seqüestrada em fevereiro de 2002, quando candidata à presidência da Colômbia, a então senadora, agora a única mulher refém dos facínoras, tem sido especialmente maltratada por eles. Um dos quatro libertados anteontem, o também ex-senador Luis Eladio Pérez – que contou em detalhes revoltantes as agruras a que eram todos submetidos -, descreveu Ingrid, com quem esteve no começo do mês, como ‘fisicamente esgotada’ e correndo risco de vida. Pérez relatou que ela é mantida ‘em condições infra-humanas’. Em Caracas, para onde os ex-cativos foram finalmente conduzidos, no papel de coadjuvantes involuntários do show do bom amigo das Farc, Hugo Chávez, Gloria Polanco reiterou que o estado de Ingrid é desesperador. Nem assim, o caudilho se dispôs a demandar a sua soltura.


Numa apoteose de cinismo, dirigiu-se diretamente ao chefão da narcoguerrilha, Manuel Marulanda, a quem pediu que transferisse a prisioneira para ‘um comando’ mais próximo dele, ‘enquanto continuamos abrindo o caminho para a sua liberação definitiva’ – como se os padecimentos a ela infligidos não tivessem sido determinados pelo mesmo Marulanda, qualquer que fosse o pedaço de inferno que fosse obrigada a habitar. Chávez ainda se gabou de estar fazendo ‘tudo o que pudermos para liberar até o último dos seqüestrados’ – como se as Farc estivessem propensas, apenas para enaltecer perante o mundo a figura do caudilho aliado, a renunciar ao seu poder de barganha. O que a quadrilha do narcotráfico pretende é ser reconhecida como força beligerante legítima.’


 


RÚSSIA
Lourival Sant´Anna


TV russa favorece amplamente candidato de Putin


‘O único canal nacional privado da Rússia, NTV, dedicou na reta final da campanha presidencial 17 vezes mais tempo nos seus noticiários ao candidato do governo, o vice-primeiro-ministro Dmitri Medvedev, do que aos outros três somados. Em outros três canais importantes, o desequilíbrio foi menor, mas considerável. Isso sem contar o tempo dedicado ao presidente Vladimir Putin, que apontou Medvedev como seu sucessor, anunciando que será indicado primeiro-ministro por ele, depois da vitória de domingo, dada como certa.


O Centro para Jornalistas em Situações Extremas monitorou as cinco principais emissoras de TV do país, de 2 de janeiro a 25 de fevereiro, entre 18 horas e meia-noite. O favorecimento mais avassalador ao candidato do governo ocorreu na NTV, um antigo canal independente que se tornou governista. No período, Medvedev ocupou 43,3% do tempo do noticiário político, enquanto os outros três candidatos somados obtiveram 2,5%. Putin ficou com os restantes 54,2%.


‘Putin está matando o jornalismo na Rússia’, disse ao Estado o diretor do Centro, Oleg Panfilov. Ele reconheceu, entretanto, que ‘nunca houve imprensa isenta’ na Rússia. Segundo Panfilov, o governo usa a Receita Federal para pressionar empresas proprietárias dos meios de comunicação – que em geral atuam também em outros setores – e os potenciais anunciantes publicitários. Ao mesmo tempo, as grandes estatais compram o controle acionário e espaços publicitários nos meios.


A NTV foi fundada no início dos anos 90 pelo empresário Vladimir Gusinski, e era um canal crítico ao governo, que chegou a ter mais de 40% da audiência. Depois da eleição presidencial de 2000, vencida por Putin, o canal foi alvo de uma batida da Receita Federal e Gusinski, preso. Um banco estatal que havia feito um empréstimo ao empresário cobrou pagamento, inviabilizando seus negócios. Num acordo com o governo, Gusinski concordou em vender à Gazprom, gigante estatal do gás, 46% das ações de seu grupo Media-Most – que também tinha um jornal, uma revista e uma emissora de rádio independentes. Os veículos tornaram-se favoráveis ao governo.


EXPOSIÇÃO


No Canal 1, emissora de maior audiência na Rússia, cujo dono, Boris Berezovski, foi expulso do país, e da qual o governo adquiriu controle acionário, Medvedev obteve 32,4% do tempo dos noticiários, enquanto os outros três candidatos somaram 7,6%. Putin recebeu os outros 60%, segundo a contagem do Centro, ligado à União Russa de Jornalistas. Na estatal TV Rússia, Medvedev ficou com 25,9%, os outros três somaram 14,5% e Putin, 59,6%. No canal TV Centre, Medvedev teve 35,3% do tempo, os outros candidatos, 6,5%, e o presidente, 58,2%. O único canal que buscou equilíbrio foi a Ren-TV, pequena emissora privada da qual o antigo dono, o líder oposicionista Anatoli Chubais, também teve de abrir mão. Nela, o tempo foi repartido entre o candidato ultranacionalista Vladimir Jirinovski (21,6%); Medvedev (20,9%); o comunista Gennadi Ziuganov (20,5%), e o direitista Andrei Bogdanov (6,3%). Como nas outras emissoras, Putin foi o que teve mais exposição: 30,7%. De acordo com pesquisa do instituto independente Levada Center, a TV é o principal meio de informação de 81% dos russos.


Assim como Putin fez nas eleições de 2000 e 2004, Medvedev dispensou o tempo do horário eleitoral gratuito. No programa, que vai ao ar às 7 e às 23 horas, por cerca de uma hora, os candidatos têm o mesmo tempo, e debatem entre si.


Putin e Medvedev foram longamente mostrados ontem pelas TVs num evento no Kremlin, no qual funcionários apresentavam resultados de programas do governo. O popular presidente aproveitou para dizer que o vice-primeiro-ministro saiu-se bem supervisionando os programas: ‘A avassaladora maioria das tarefas estabelecidas pelos projetos foi cumprida.’ Em seguida, Medvedev apresentou índices oficiais sustentando a afirmação.


Medvedev lidera amplamente as pesquisas, com índices semelhantes aos da popularidade de Putin, entre 70% e 80%. Vários líderes da oposição, incluindo o ex-campeão mundial de xadrez Garry Kasparov, recusaram-se a disputar a eleição, por considerá-la injusta. Grupos de defesa da democracia respaldaram ontem a acusação. ‘Essa não é uma eleição em que as pessoas escolhem’, disse Elena Panfilova, da filial russa da Transparência Internacional. ‘Tudo foi decidido previamente.’’


 


REINO UNIDO
O Estado de S. Paulo


Príncipe Harry combate no Afeganistão há 3 meses


‘O Ministério de Defesa da Grã-Bretanha confirmou ontem que o príncipe Harry, terceiro na linha de sucessão do trono, está servindo há quase três meses no Afeganistão com as tropas britânicas. A missão de Harry, que tem 23 anos, vinha sendo mantida em sigilo, após acordo feito entre o governo e os principais meios de comunicação britânicos. O embargo, no entanto, foi quebrado pelo site do jornalista americano Matt Drudge.


‘Estou muito decepcionado com alguns sites que decidiram dar a notícia sem nos consultar. Isso vai contra a atitude responsável que os meios de comunicação britânicos vinham mantendo’, afirmou o comandante do Exército, general Richard Dannatt. A decisão de enviar o príncipe britânico para o combate foi mantida em segredo por medo de que ele e seu regimento se tornassem alvo de militantes.


O mesmo temor levou o Exército britânico a não enviar Harry para o Iraque no ano passado. Após o vazamento da notícia, o Ministério da Defesa disse que reavaliará agora a permanência do príncipe no Afeganistão, que, em princípio, seria de quatro a seis meses.


Harry está com as tropas na Província de Helmand, no sul do Afeganistão, uma das regiões mais perigosas do país. O príncipe é o oficial responsável pela coordenação de ataques aéreos. Além disso, ele participa de patrulhas nas vilas locais.


Numa entrevista gravada nesta semana, Harry deu detalhes da missão. ‘Não tomo banho há quatro dias, não lavo minha roupa há uma semana, mas é bom ser uma pessoa normal de vez em quando’, disse o príncipe. Harry brincou ainda com o apelido que ganhou dos companheiros: ‘ímã de chumbo’, numa referência ao fato de que seria o alvo preferido dos militantes. Além de Harry, seu avô, príncipe Philip, e seu tio, príncipe Andrew, também estiveram em combate.


AP E REUTERS’


 


VIOLÊNCIA
Andressa Zanandrea e William Glauber


Ladrões tentam roubar carro e matam editor da TV Cultura


‘O editor de imagens da TV Cultura Alexandre Martins de Paula, de 25 anos, foi assassinado com um tiro no peito na noite de anteontem durante uma tentativa de assalto na frente da emissora, na Água Branca, zona oeste. O crime ocorreu por volta das 21 horas, quando Alexandre saía do trabalho.


Ele foi abordado por três assaltantes quando chegava ao carro, um Fox cinza, na Rua Cenno Sbrighi, a 200 metros da emissora. Ao ver um carro da Polícia Militar, Alexandre gritou por socorro, foi empurrado pelos bandidos e levou um tiro no peito. Os policiais não conseguiram impedir o disparo porque retornavam em uma rotatória para atender ao chamado do jovem.


Com a chegada dos PMs, os criminosos fugiram a pé, sem levar nada do editor. Um dos assassinos, de 17 anos, foi detido em seguida, portando um revólver calibre 38, com numeração raspada. Os outros dois fugiram. Outra viatura da PM foi acionada para socorrer a vítima. Ele chegou morto ao Hospital Sorocabano, na Lapa, zona oeste de São Paulo.


Segundo seguranças da emissora, sempre há crimes no local. Há relatos de funcionários assaltados, de roubos de carro e até seqüestros relâmpagos. A emissora, por nota, lamentou a morte de Alexandre e disse que vai intensificar a segurança particular e solicitar a instalação de uma unidade de policiamento comunitário à PM.


A Polícia Civil ainda não sabe se o adolescente detido foi o autor do tiro. Exame residuográfico foi solicitado para verificar se havia restos de pólvora nas mãos do rapaz. O caso foi registrado no 7º Distrito Policial.


DETERMINADO


Alexandre foi enterrado ontem no Cemitério do Tremembé, zona norte. Ao velório, compareceram familiares, amigos e colegas de trabalho. ‘Estou muito triste, mas consolada, porque, mesmo em um momento difícil, meu filho conseguiu reunir tantos amigos’, disse a mãe, a costureira Sandra Martins, de 57 anos, que revelou que ‘Sorriso’ era o apelido de Alexandre.


A mãe de Alexandre contou que o filho estava feliz porque, após concluir o curso superior de Rádio e TV, daria início ao de Jornalismo. ‘Ele era muito inteligente e muito esforçado. Trabalhava havia sete anos e começou como estagiário. Ele pagava todas as contas de casa’, disse Sandra. ‘Meu Deus, eu não acredito que perdi meu filho.’


Anna Terra, diretora do programa Pé na Rua, voltado para o público juvenil, disse que o trabalho de Alexandre não se limitava ao papel de editor. ‘Ele tinha boas sacadas, se envolvia incessantemente no trabalho e palpitava até sobre as músicas’, disse.


Na TV Cultura, Alexandre integrou também as equipes que produzem os programas Vitrine e Planeta Cidade.’


 


TELEVISÃO
Etienne Jacintho


Aqui Agora quer ibope da Globo


‘Silvio Santos não quer que o novo Aqui Agora seja comparado aos policialescos vespertinos dos outros canais. Sob slogan ‘Jornal completo. Jornal brasileiro’, a atração – que estréia na próxima segunda-feira, às 18 horas – traz a promessa do SBT de fazer um noticiário ‘sem política reacionária’ e ‘sem rancor’, como disse ao Estado uma pessoa ligada à produção do noticiário, em uma alusão aos apresentadores da concorrência que abusam do grito e do sensacionalismo e fazem uma ‘caricatura de mau gosto’ do que foi o Aqui Agora nos anos 1990.


Com essa regra, a intenção do SBT é fazer com que o Aqui Agora brigue com a Globo pela audiência do horário e firme a emissora na vice-liderança, tirando pontos da novela das 6, Desejo Proibido, e do SPTV. Para o SBT, a meta não é impossível, uma vez que defende o programa como um ‘jornal completo, com linguagem popular.’


Para isso, a produção tomou cuidado para não fazer simplesmente um remake do antigo programa. O formato será o mesmo, mas com novidades como a maior interatividade – o público poderá participar da atração por e-mail e por telefone – e o alto número de repórteres e apresentadores. A atração contará ainda com uma pequena platéia.


Não haverá bancada no noticiário. Os apresentadores Luiz Bacci, Herberth de Souza, Christina Rocha e Joyce Ribeiro vão ficar em pé e circular pelo cenário.


Nas ruas, a equipe será composta por 14 repórteres exclusivos, entre eles Magdalena Bonfiglioli, Celso Russomanno, Sérgio Frias, João Leite Neto e Luiz Ceará. Dessa forma, o formato da atração é outro ponto de defesa do SBT para esquivar-se das inevitáveis comparações com os policialescos. Na produção, o que se escuta é a frase: ‘O Aqui Agora é um jornal de repórteres.’’


 


CINEMA
Luiz Carlos Merten


O veterano Alan Arkin, vítima da maldição do Oscar?


‘A pergunta que não quer calar – A Pequena Miss Sunshine foi a Juno do ano passado? E vice-versa? Juno foi a Miss Sunshine no Oscar de 2008? Em termos. Por certas afinidades de tom, história, por tratar de família e de personagens jovens e com dificuldades de adaptação, pode-se dizer que sim. Mas A Pequena Miss Sunshine era a solitária jóia independente no Oscar passado. Este ano, os independentes deram as cartas – e ganharam, por meio dos irmãos Coen de Onde os Fracos não Têm Vez.


Miss Sunshine está de volta, agora na TV paga. A deliciosa comédia dramática de Jonathan Dayton e Valerie Faris estreou no Telecine Premium no último dia 23 e, desde então, tem tido sessões nos dois Telecines, o Premium e o Pipoca. Hoje passa, às 23h40, no Premium, como última atração do mês.


É tempo de pegar a van e cair na estrada com a disfuncional família da pequena Miss Sunshine, tão feinha, mas graciosa e que sonha ser rainha de beleza num concurso infantil. Alan Arkin, o avô, ganhou o Oscar de coadjuvante. No Oscar deste ano ele se queixou a Tilda Swinton, melhor atriz coadjuvante por Conduta de Risco. Desde que venceu no ano passado não o chamaram para fazer mais nada. Uma maldição do prêmio?’


 


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A nova era das trevas


‘No original, chama-se L’Âge des Ténèbres, A Idade das Trevas, mas a distribuidora Videofilmes, achando que o título para baixo poderia afugentar o público, rebatizou o novo filme de Denys Arcand como A Era da Inocência. A decisão é no mínimo discutível, além de aproximar o filme de Arcand de A Época da Inocência, que foi como se chamou, no Brasil, a adaptação que Martin Scorsese fez do romance The Age of Innocence, de Edith Wharton. A Era da Inocência, ou A Idade das Trevas, não é nenhum candidato a blockbuster. Destina-se a um público seletivo que acompanha o diretor canadense de O Declínio do Império Americano e As Invasões Bárbaras. Se O Declínio fez sucesso, por que não A Idade das Trevas?


O canadense Arcand constitui-se num caso interessante do cinema atual, mas está longe de tornar-se uma unanimidade. As Invasões Bárbaras ganhou o Oscar e melhor filme estrangeiro, mas é exasperante ver o diretor debruçar-se sobre sua geração, a que sonhou mudar o mundo em Maio de 68 – nós que amávamos tanto a revolução -, para criticar a falta de rumos da juventude. Se os jovens são alienados, é um pouco por causa do fracasso da geração de Arcand (ou não?) Esse ‘fracasso’ também precisa ser contextualizado, pois, na realidade, 68 é o ano que não termina nunca e ainda está aí. A Era da Inocência estréia hoje na cidade. O filme fecha a trilogia iniciada por O Declínio do Império Americano há 22 anos. Volta o cinema da palavra de Arcand.


Em Cannes, no ano passado, onde A Era da Inocência passou fora de concurso, Arcand contou a um grupo de jornalistas a gênese do filme. Durante um ano, desde que As Invasões Bárbaras passou, também em Cannes, até a vitória no Oscar, ele não fez outra coisa senão correr mundo, dando entrevistas. ‘Comecei a imaginar – será que alguém gostaria de estar no meu lugar?’ O filme nasceu dessa interrogação. Arcand desenvolveu a idéia de uma situação inversa à qual se encontrava. Um sujeito que nunca apareceu na TV e a quem nunca foi dirigido um microfone (ou um gravador). ‘Ele sonha ser entrevistado, conhecer estrelas de cinema, ser uma celebridade. E também quer dar seu depoimento sobre os rumos da sociedade.’


Embora não venha fazendo outra coisa, ele próprio, senão comentar criticamente os rumos da sociedade, Arcand lembra um velho dito de Hollywood. ‘Se alguém tem uma mensagem para enviar a alguém, chame a Western Union. Não é que eu não tenha nada a dizer, ou não queira fazê-lo. Existe em A Era da Inocência este lado de comentário sobre a vida atual, sobre a minha vida e a de meus amigos. Mas eu sou um contador de histórias. Como todas as que venho contando, esta também possui seu lado simbólico, mas não se trata de um filme de mensagem. Seria incapaz de fazer um filme trágico, do começo ao fim, ou uma comédia. Gosto de misturar o trágico, o cômico, o grotesco, o melodramático. Sou um diretor de cinema e não um militante político. Procuro sempre ver o outro lado de qualquer situação.’


No filme de Arcand, Jean-Marc vive num mundo de sonho em que ele é um pouco tudo – cavaleiro, estrela do teatro e do cinema, romancista de sucesso que não tem a mínima dificuldade em seduzir as mais belas mulheres. Mas a realidade é bem outra – e Jean-Marc tem um emprego medíocre, uma mulher que não lhe dá atenção. É um pai fracassado e até fumar, que é um de seus pequenos prazeres reais, ele tem de fazer escondido. Marc Labrèche é o intérprete do papel. ‘Ele é um ator muito conhecido em Quebec. Passamos certa vez uma tarde juntos, conversando sobre um projeto que não se concretizou. Adorei seu senso de humor. Marc me fez rir bastante. E, depois, havia o fator idade. Ele era perfeito para esse personagem que começou a me obcecar. Interessava-me saber como esse homem tão medíocre, tão ordinário – no sentido de insignificante – conseguiria encontrar uma saída para ele.’


No seu universo de fantasia, Marc se envolve com a glamourosa Diane Kruger. Tudo é muito simples e, no fundo, espontâneo. Marc, no mundo real, está preocupado com a saúde de sua mãe. Diz isso à mulher, mas ela não lhe dá a mínima. Diane, em seus sonhos, começa logo perguntando como está a mãe? Marc vai se dar bem? ‘Certamente que existe esperança para ele. Existe para todo o mundo’, diz o diretor. ‘Só que eu não sei qual é nem me preocupo em apontar um caminho. Não sei o que acontece com Marc no fim do meu filme. Não é o emprego que importa, é a consciência. O que ele precisa encontrar, o que todos precisamos, é a paz, uma espécie de equilíbrio.’ Os franceses têm uma expressão – clin d’oeil. É como se o diretor piscasse o olho para o espectador, numa espécie de cumplicidade. ‘Meu ‘clin d’oeil’ é muito pessoal. As maçãs no desfecho podem ser as maçãs de Cézanne. No meu caso, a solução está na arte. Faço filmes. Marc que procure sua solução.’


O que Arcand não tem dúvidas é que estamos vivendo uma nova ‘idade das trevas’. Por isso, nas fantasias de Marc, ele se veste de cavaleiro medieval e vai exibir suas qualidades na liça. ‘É o fim da minha trilogia. Depois do Declínio e das Invasões, chegamos a uma nova Idade Média. Pensem. O que é a Idade Média? É a guerra contra os muçulmanos, os infiéis, as cruzadas. Tudo isso está acontecendo de novo. Até as mulheres. Elas se tornam de repente inacessíveis, querem que as cortejemos.’ Como diretor, ele ficou satisfeito com o novo filme? ‘Vou responder de forma indireta. Lamento que A Era da Inocência esteja sendo apresentado aqui em Cannes fora de concurso. Gostaria, sinceramente, que estivesse participando da competição, não por mim, mas por Marc Labrèche. Acho, sinceramente, que ele teria grandes chances para o prêmio de melhor ator.’’


 


 


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