Friday, 03 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Histórias do maior editor do Brasil

Um paraíso só de letras, este é o título de uma daquelas matérias que precisam reboar pela mídia.


Assinada por Mônica Sinelli, ocupa oito páginas da revista Carioquice (ano III, número 12, jan/fev/mar 2007), publicada pelo Instituto Cultural Cravo Albin, do Rio.


Seu assunto é o livro de Lucila Soares, Rua do Ouvidor 101(endereço da famosa Livraria José Olympio), escrito a convite de Maria Amélia Mello, a atual gerente da José Olympio, que desde 2001 pertence à Record, depois de ter sido do BNDES (de 1975 a 1985) e de Henrique Sergio Gregori, executivo da Xerox do Brasil (de 1985 a 2001).


Nenhuma editora atual cabe no perfil que segue:




‘Para além, muito além de um simples estabelecimento comercial, a livraria encarnava um templo de convívio da comunidade intelectual da época, para onde convergiam escritores de todo o Brasil’.


A empresa tinha tal alma que seu proprietário, ainda quando era ele o autor de frases, juízos ou desabafos, era tomado pelo que chamava de ‘a Casa’. Ninguém menos do que Carlos Drummond de Andrade, uma das estrelas da Casa, registrou esta singular filosofia de vida editorial, que misturava as pessoas física e jurídica:




‘J.O. em geral não emprega a primeira pessoa; diz: a Casa. ‘A Casa não pode editar um livro nessas condições, a Casa ficou magoada, a Casa está feliz’’.


Os antigos romanos, experientes e sábios, intuíram que também as empresas tinham personalidade e veio deles a expressão ‘personalidade jurídica’.


Mancadas do editor


Jamais houve um editor como José Olympio, mesmo porque aquelas condições especiais jamais se repetiram. Seu nome era José Olympio Pereira Filho, o mais velho de oito irmãos, que aos 11 anos já trabalhava num armazém e, aos 16, na Casa Garroux, que tinha ‘a livraria mais conceituada de São Paulo’. Com pouco mais de 20 anos, passou a gerente e depois a sócio. Aos 28, comprou, por 80 contos de réis, a mais valiosa biblioteca de São Paulo, propriedade de Alfredo Pujol, com cerca de 10 mil livros. Era o ano de 1931.


Em 1934, o acervo vinha para o Rio, em companhia de seu novo dono, J.O., como Gilberto Freyre o chamava carinhosamente. Estava nascendo a Livraria e Editora José Olympio que, nos anos JK, já estava entre as 500 maiores empresas brasileiras.


Mônica Sinelli informa que o trabalho de pesquisa durou oito meses. Foram entrevistadas personalidades como Antônio Olinto, Joel Silveira, Ledo Ivo e Maria Amélia Buarque de Hollanda, tendo Lucila Soares feito um périplo em busca de centenas de documentos, alguns muitos curiosos: o contrato de aluguel da loja da Rua do Ouvidor, a escritura da compra da biblioteca de Pujol, correspondências com os autores, contratos, recibos e rabiscos de Guimarães Rosa sobre como queria que fossem editados os seus livros etc.


José Olympio era casado com Vera Pacheco Jordão, que se ocupava do catálogo internacional da editora. J.O. deu algumas mancadas, como todo editor, de que é exemplo a recusa de …E o Vento Levou, de Margaret Mitchell, que se tornaria um best-seller mundial – depois de transposto para o cinema, com Clark Gable e Vivien Leigh.


Sístoles e diástoles


Natural de Batatais, no interior de São Paulo, J.O. publicava Getúlio Vargas, mas apoiava os escritores que editava, não medindo empenho para tirá-los da cadeia, nem sempre logrando êxito, como no caso de Jorge Amado e de Graciliano Ramos.


Quando morreu, em 1990, aos 88 anos, José Olympio morava num apartamento alugado na Rua da Glória, no Rio. O Brasil foi ingrato com quem tanto fez pelo país e pelos brasileiros.


Mas não espere gratidão quem trabalha com cultura. ‘Ele nunca mediu gasto nem se preocupou em guardar nada’, diz a jornalista Lucila Soares, a autora do livro, que lembra também fragmentos comoventes, como a vez em que, vendo a neta chorando numa cesta de vime, perguntou, aflitíssimo: ‘Vocês já chamaram os bombeiros?’.


Para o tipo de fogo que acabou com empresas como a antiga José Olympio, nenhum bombeiro foi chamado. Neste país, se socorrem bancos e banqueiros; editores e escritores, não!


Estes últimos, aliás, rendem graças quando os deixam escrever em paz, o que nem sempre conseguem, pois vários fantasmas ressurgem das cinzas, no varejo e no atacado, a começar pela perda da liberdade, cíclica entre nós, como se sabe, ou sujeita a sístoles e diástoles, como diria Golbery do Couto e Silva.

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Escritor, doutor em Letras pela USP, professor da Universidade Estácio de Sá, onde coordena o Curso de Letras; www.deonisio.com.br