Thursday, 16 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Um crítico contra a corrente

[do release da editora]

José Ramos Tinhorão começou a escrever sobre Cultura em 1961, no Jornal do Brasil, quando recebeu a tarefa de produzir uma série sobre música popular brasileira. Entre muitas investigações e pesquisas do efervescente momento cultural, colocou à prova verdades sacramentadas sobre a música, provocou polêmicas, conquistou apoios e muitos inimigos. Essa e muitas outras histórias sobre sua trajetória profissional, contextualizadas nos bastidores do jornalismo brasileiro nas décadas de 60 e 70, principalmente, estão no livro Tinhorão, o Legendário, da coleção ‘Imprensa em Pauta’, editada pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. A obra será lançada dia 13 de abril, às 19h30, no Instituto Moreira Salles, à Rua Marquês de São Vicente, 476, no Rio de Janeiro.

A biografia, escrita pela jornalista Elizabeth Lorenzotti, mestre em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e doutoranda em Literatura Brasileira pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas pela mesma instituição, resgata fatos históricos de várias épocas.

Rigoroso e irônico

Tinhorão começou a escrever textos-legendas no histórico Diário Carioca dos anos 50. Fez carreira na ‘humilde função de copidesque (redator)’, como ele mesmo classifica, em veículos como Jornal do Brasil, Correio da Manhã, O Cruzeiro, O Jornal, Última Hora e Veja (neste último veículo, integrou a primeira equipe, em 1968), além do próprio Diário, sua porta de entrada na profissão.

As pesquisas na área musical o levaram pelo caminho da crítica, pautada principalmente pelo seu espírito nacionalista. Tinhorão, nas palavras da autora, sempre nadou contra a corrente: em suas colunas, contrariou o senso comum sobre a música popular. Entre suas descobertas, escreveu que a Bossa Nova é uma ‘variante americana do samba, tão brasileira como um carro montado no Brasil’ – ele também satirizava o fato de diversos artistas reivindicarem a paternidade deste estilo musical. Demonstrou ainda que o samba nasceu no Rio de Janeiro, e não na Bahia, como se acreditava. Era rigoroso e, muitas vezes, irônico nas críticas à indústria cultural e a artistas. Diversos artigos causaram reações furiosas. Alguns deles, não só os polêmicos como os engraçados, estão no livro.

A carreira

Tinhorão nasceu em Santos, SP, em 1928, e criou-se no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro. Em 1968, mudou-se para São Paulo, onde reside até hoje. É autor de uma extensa e diversificada obra sobre temas relacionados à música brasileira. Estudante da primeira turma de Jornalismo do país, colaborava desde o primeiro ano, 1951, como repórter free-lancer da revista A Semana (Rio de Janeiro) e da Uairá (Curitiba).

Em 1953, ingressou como jornalista profissional no extinto Diário Carioca, levado pelo amigo Armando Nogueira (falecido no fim de março), com quem se formou. Cinco anos depois, passou para o Jornal do Brasil, onde acumulou as funções de redator e colaborador dos suplementos ‘Estudos Brasileiros’ e ‘Caderno B’. Trabalhou também para os jornais Correio da Manhã, Jornal dos Sports, Última Hora e O Jornal; as revistas Singra, O Cruzeiro, Veja e Nova; e as televisões Excelsior, Globo, TVE (RJ) e Cultura (SP). Colaborou ainda com O Pasquim e as revistas Senhor, Visão e Seleções, entre outras.

Foi na redação de O Diário, na avenida Rio Branco, no centro da capital carioca, que o copidesque, recém-chegado à equipe, ganhou o apelido de Tinhorão, fruto de uma brincadeira do secretário Everardo Guilhon que, na tentativa de lembrar o nome do novato e sabendo se tratar de algum vegetal, chutou: ‘Zé Ramos? Zé Jardim? Zé Tinhorão?’ Tinhorão é uma planta ornamental tóxica. A alcunha emplacou de imediato.

No Diário, ele participou do importante processo da incorporação do lide como regra dos textos jornalísticos, assim como de outras mudanças estruturais com base nos padrões da mídia norte-americana. Para colocar tal transformação em prática, a função do copidesque era fundamental naquele momento. O livro traz detalhes deste período de reformulação no estilo da mídia brasileira, iniciada, na verdade, em 1950. Tinhorão entrou no Diário a reboque desta mudança, junto com outros novos jornalistas – os focas –, para montar uma equipe sem os antigos vícios do ofício, cujo trabalho seria regido pelo primeiro manual de redação do Brasil.

Na prática do jornalismo cultural, Tinhorão consolidou a fama de chato. ‘Poderia ter ficado como copidesque a vida toda, mas não o irrequieto Tinhorão’, afirma a autora no prefácio da obra. Durante sua carreira, realizou pesquisas nessa área e escreveu para suplementos de diversos veículos de comunicação.

Em 1966, estreou como escritor de livros com A província e o naturalismo. Assim como esta, algumas obras seguintes nasceram de artigos escritos para jornais. No final dos anos 70, insatisfeito tanto com a profissão como com a vida pessoal, optou pelo isolamento: homem de vida modesta, vendeu o carro, comprou uma quitinete na Rua Maria Antônia, no centro de São Paulo, e dedicou-se exclusivamente às pesquisas. Escreveu até hoje 28 livros, entre os quais Música popular, um tema em debate (1976) e A imprensa carnavalesca no Brasil: um panorama da linguagem cômica (2000), fruto de sua pós-graduação em História Social pela USP.