Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O que interessa aos candidatos à Casa Branca a CPMI do golpe?

Duas imagens da tentativa de golpe nos Estados Unidos e no Brasil entraram na história da luta da democracia contra o totalitarismo (Foto: Reprodução)

Na terça-feira, dia 25 de abril, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden (democratas), lançou a sua campanha à reeleição à Casa Branca em 2024 com um vídeo de propaganda de três minutos que começa com as imagens dos seguidores do ex-presidente americano Donald Trump (republicano) invadindo o Capitólio, o congresso americano, em 6 de janeiro de 2021. O objetivo da invasão era impedir a posse de Biden, que derrotara Trump na sua tentativa de reeleição. No dia seguinte, quarta-feira, 26 de abril, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, fez a leitura do ato oficial que instaurou a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que vai investigar os atos golpistas que aconteceram em Brasília (DF) em 8 de janeiro de 2022. Bolsonaristas radicalizados atacaram os prédios do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF), localizados na Praça dos Três Poderes, destruindo tudo que encontraram pela frente. O objetivo era criar o caos e derrubar o recém-empossado presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que venceu o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no pleito de outubro e impediu a sua reeleição.

Deixando de lado o destino da candidatura Biden e da CPMI, as imagens desses dois acontecimentos vão estar presentes nas campanhas presidenciais nos dois países por muitos e muitos anos, porque sintetizam a luta entre o estado de direito e a barbárie. Portanto, é lógico que as equipes dos candidatos à presidência dos Estados Unidos em 2024 estarão atentas ao que acontecerá nas sessões da CPMI em busca de algum fato que possa ser usado como munição contra o seu adversário. Cito que há muito por esclarecer nos acontecimentos de 8 de janeiro em Brasília. Já existem muitas informações circulando por conta das investigações da Polícia Federal (PF) e dos processos em andamento abertos pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF. Mas muitos pontos importantes ainda não foram esclarecidos. Um deles: quem são os grandes financiadores dos ataques em Brasília. Eles existem e conseguiram encobrir o rastro deixado pelo dinheiro utilizando-se de testas de ferro, como são descritas pelos policiais as pessoas que emprestam seus nomes para encobrir o autor de um crime. Nos estados do Sul do Brasil, especialmente no interior do Rio Grande do Sul e de São Paulo, é do conhecimento geral a existência de empresários que enviaram dinheiro e outros recursos para os bolsonaristas em Brasília. Mas não existem provas. O sonho de consumo dos agentes da PF envolvidos na investigação é que alguém abra a boca durante as audiências da CPMI e forneça pistas para esclarecer esses casos.

Vou usar como gancho para seguir a nossa conversa uma historinha que ouvi de um velho amigo que conheci nos anos 80 no interior gaúcho. Ele contou que logo que começaram as prisões dos envolvidos nos ataques aos prédios em Brasília um conhecido seu e grande empresário do setor de implementos agrícolas lhe contou que todos os dias esperava ser acordado com a PF batendo na sua porta. Com o passar do tempo, ele relaxou e voltou a sua rotina. Os pesadelos retornaram com a instauração da CPMI. Voltando a nossa conversa. Estou perfilando entre os jornalistas que não acreditava que os parlamentares ligados ao ex-presidente da República fossem insistir em realizar essa CPMI. Acreditava que era mais “jogo de cena” falar que queriam esclarecer os fatos. Pelo motivo que eles têm muito a perder. Existe uma enxurrada de provas contra os bolsonaristas radicalizados que atacaram os prédios. E também contra pessoas do governo Bolsonaro que fizeram vistas grossas, permitindo que acontecesse o ataque, como o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Anderson Torres, delegado da PF que cumpre prisão preventiva. A única explicação que encontram é que eles acreditam na narrativa que inventaram e que toda a destruição foi causada por esquerdistas infiltrados no movimento, somado com a intenção do governo Lula de deixar as coisas acontecerem. Digo o seguinte. Muitos seguidores do ex-presidente até podem acreditar nessa fantasia. Mas a cúpula do movimento bolsonarista composta pelo círculo íntimo de líderes sabe que é uma fantasia e vai usar as sessões da comissão para lançar vídeos e outras publicações nas redes. O que interessa é a sobrevivência do movimento. Mesmo que custe o sacrifício de uma liderança. Hoje um dos líderes que está agarrado no pincel é o delegado Torres. Para quem não é repórter, uma explicação. A expressão agarrado no pincel era muito usada nas antigas redações dos tempos das máquinas de escrever como uma analogia para dizer que alguém foi abandonado à própria sorte. O núcleo duro dessas lideranças é formado pelos filhos parlamentares do ex-presidente, Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador pelo Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal por São Paulo. E os chamados generais do Bolsonaro, um grupo de militares que foram seus ministros, como o general da reserva do Exército Braga Netto, que foi candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro.

Para fechar a nossa conversa vou contar mais uma historinha. Desde que entrei na redação de um jornal, em 1979, sempre ouvi dos fotógrafos que “uma imagem vale mais de mil palavras”. Usavam essa antiga expressão popular para justificar o fato  de que os fotógrafos sentavam sempre no banco da frente dos carros da reportagem, ao lado do motorista. Assim, poderiam sair mais rapidamente do veículo caso deparássemos com algum acontecimento imprevisto e registrá-lo com fotos. Vale lembrar que na época a maioria dos automóveis tinha apenas as duas portas dianteiras, e para que os passageiros do banco traseiro entrassem e saíssem do veículo era necessário reclinar o banco do carona da frente. Sempre que eles dormiam, eu fazia a sacanagem de acordá-los gritando: “Olha a foto que tu perdeu”. Voltando à conversa. O fato é que as imagens de 6 de janeiro, nos Estados Unidos, e de 8 de janeiro, em Brasília, mostram o poder da extrema direita, do nazismo e do fascismo ressurgindo das cinzas da Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945) em vários cantos do mundo. Trump e Bolsonaro são dois personagens desse ressurgimento. Podemos cansar os dedos escrevendo sobre esses dois e não conseguiríamos explicar o que minutos das imagens do 6 de janeiro (2021) e do 8 de janeiro (2023) mostram. É poder da imagem.

Texto publicado originalmente em Histórias Mal Contadas

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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.