Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O primeiro episódio Cartas na Mesa pelo olhar dos estudantes de jornalismo da ESPM

Veja os principais temas discutidos no primeiro episódio da série no relato de Isabel Martins e Umberto Mannarino, estudantes do primeiro semestre de Jornalismo da ESPM-SP

Primeiro episódio da série Cartas na Mesa produzido pelo Observatório da Imprensa em parceria com o curso de jornalismo da ESPM. (Foto: Marina Lahr)

Revolução digital e papel da internet no jornalismo

Clóvis Rossi abriu o debate lembrando que Ricardo Kotscho cobriu todas as eleições até hoje, como repórter, e levantou o questionamento ao colega: como fazer a cobertura das eleições de 2018, considerando as características inéditas que ela apresenta?

“É algo completamente diferente de tudo que nós já vimos”, admitiu Kotscho, enfatizando a presença maciça das redes sociais nesse cenário, um fenômeno tão recente que ainda não foi (e dificilmente será) inteiramente desvendado.

Kotscho então remeteu a um evento na história internacional, sobre o qual Rossi escrevera em coluna na Folha de S.Paulo: na Itália, o chamado MoVimento 5 Estrellas (M5S), surgido em 2009 como um “não partido”, fruto do descontentamento italiano com a classe política, elegeu o comediante Beppe Grillo com um número espantoso de votos. Episódios como esse levantam questionamentos: até que ponto a internet pode transformar a política? Existe um limite? Se sim, já alcançamos esse limite? Ou mudanças ainda estão por vir?

Kotscho retomou a pergunta inicial do colega: disse que é difícil prever o papel das novas mídias no cenário político brasileiro. Destacou, porém, que, devido ao seu crescente poder de influência, as redes sociais precisam ser tema recorrente das coberturas midiáticas. “A imprensa tradicional vai ter que cobrir o que está acontecendo”, recomendou.

Ineditismo das eleições de 2018

Ambos os jornalistas concordam: esta será uma eleição atípica. Rossi destacou duas características inéditas no pleito de 2018: a primeira é que, desde o fim do regime militar, até hoje não houve uma eleição em que o nome de Lula não estivesse presente. “Eu tenho 75 anos, e nunca votei em eleição que não tivesse o nome do Lula ou de alguém indicado pelo Lula”, diz. Kotscho concordou com o colega e lembrou que, nas primeiras eleições presidenciais após o regime militar, em 1989, ele era assessor de imprensa de Lula. Rossi concluiu: no caso de 2018, mesmo que o ex-presidente consiga apontar um nome, este não será mais um indicado, mas um substituto (o que traz uma carga política muito distinta).

A segunda característica inédita, segundo Rossi, é a emergência do liberalismo, que agora chega com uma força nunca antes vista. “O liberalismo saiu do armário”, resumiu. Kotscho acrescentou: “E a extrema direita”. Ele lembrou que, nos pleitos anteriores, só se destacavam ideais de esquerda e de centro. Hoje, especialmente na internet, é a direita que prevalece.

Rossi rebateu, argumentando que liberalismo e direita são coisas diferentes: um governo liberal não pode endossar uma ditadura — que, por definição, suprime a liberdade individual. Kotscho, porém, disse que no Brasil os dois termos se uniram na figura de Jair Bolsonaro, que é orientado pelo economista ultraliberal Paulo Guedes. Ele ainda comentou sobre o pré-lançamento da campanha do presidenciável, em que Bolsonaro disse que é preciso ter coragem de dizer abertamente que se é de direita. “É a primeira vez que eu vejo um candidato fazer isso no Brasil”, comenta.

Brasil no período pós-ditadura

Rossi foi enfático ao dizer que o fim da ditadura foi um salto rumo à liberdade de expressão. Kotscho concordou, mas, com ar pessimista, comparou o pleito presidencial de 2018 (o oitavo, a contar de 1989) com os anteriores: disse que eles tinham muito mais nomes fortes, e que hoje em dia são raros os candidatos de qualidade. “Saímos da ditadura com muitas lideranças que não podiam se manifestar antes, mas chegamos a um ponto em que não há uma liderança”, disse. Acrescentou ainda que, a sete meses das eleições, ainda não há um cenário político definido: os partidos ainda não estão discutindo o plano de governo.

Internet, campanhas virtuais e papel do jornalista

Rossi expôs um desafio que a internet trouxe ao jornalismo. Disse que, antes das redes sociais, era relativamente simples fazer a cobertura de um candidato: o jornalista via sua agenda política e viajava aonde ele fosse, cobria os comícios, eventos. Hoje em dia, mesmo que ele faça isso com perfeição, não fez nem a metade. Os candidatos também estão nas redes sociais, bem como seus apoiadores, e é necessário um esforço para apurar também essas atividades. Concluiu dizendo que o jornalismo deve “nesta etapa da vida brasileira, lidar com a permanente presença das redes sociais no noticiário”.

Kotscho concordou e apontou o que acredita ser o cerne do problema: a internet criou novas demandas ao jornalista, então como se deve escalar os repórteres para cobrir as redes sociais? Devem ser quantos? E para que páginas direcioná-los?

“Eu não sei a resposta”, admitiu Kotscho. “Eu também não”, conclui Rossi. As questões ficaram em aberto.

E o futuro, a quem pertence?

Kotscho lamentou que, a menos de sete meses das eleições, ainda não há um cenário político definido. Tudo está incerto, e é preocupante a falta de discussão por parte dos políticos sobre os rumos da economia. “Essa revolução digital influencia as fábricas, as universidades. É o mundo que está mudando. E nós não estamos falando disso”, questionou. O próprio desemprego também tem relação com a revolução tecnológica, e não se discute isso nos debates. Universidades e partidos não estão abordando o tema. “Estão discutindo coisas do século passado”, protestou Rossi, dando como exemplos a intervenção militar na segurança pública no Rio e a reforma da Previdência.

Papel da imprensa nas campanhas eleitorais

Kotscho perguntou sobre o papel da imprensa nas campanhas eleitorais, questionando, se há viés político ou se a cobertura é isenta. Rossi respondeu: “As eleições nos Estados Unidos, Inglaterra e França são uma coisa; nessas transições, são outra: no caso de Espanha, Portugal e Argentina, de modo geral a imprensa séria e representativa tomava partido contra a ditadura. Eu, que sou radicalmente democrático, ficava feliz de ver que não estava sozinho naquele campo de batalha”. No caso em que as eleições eram rotineiras, Rossi disse perceber nitidamente inclinações dos veículos de comunicação. “O The New York Times é um jornal liberal que apoia o partido democrata. É tudo mais claro”, afirmou.

Modelo de negócio do jornalismo contemporâneo

Kotscho disse não acreditar no fim dos veículos impressos, mas sabe que esse modelo irá mudar. Apontou algumas mudanças que devem acontecer. “Jornais com uma circulação menor, um público menor, redações menores”, previu. De acordo com ele, o que vai garantir a continuação dos jornais de papel é o investimento em conteúdo de primeira necessidade: a história exclusiva, a reportagem, aquilo que não estava na TV ou na internet, aquilo que vai surpreender o leitor com algo que os outros jornais não têm. “Não vai acabar o papel; ainda tem público para isso. Assim como o cinema não acabou com o teatro; a televisão não acabou com o cinema e o teatro; e os livros continuam”, lembrou

Rossi, em contraste, tem uma visão mais pessimista sobre o futuro da mídia impressa. Ele reconheceu que o número de assinantes dos jornais digitais é, hoje, muito superior ao de assinantes dos jornais impressos. Um dos principais motivos é o preço, pois o jornal on-line é bem mais barato. Ele, no entanto, levantou uma questão a respeito de publicar matérias no ambiente virtual: poucas horas após a publicação, o texto do jornalista já fica defasado, e acaba se perdendo entre os conteúdos mais recentes da plataforma, atualizada constantemente. “Do ponto de vista do profissional, isso te frustra, porque você não acha o seu trabalho. Ele não está exposto como estava no papel”, lamentou.

Novas propostas em discussão

Em tom crítico, Rossi questionou se os jornalistas não estariam acostumados a cobrir os partidos convencionais, que têm representação no Congresso, os movimentos sindicais, deixando de olhar para outros movimentos mais difusos, culturais e outras essas tribos que estão espalhadas por aí.

Kotscho complementou dizendo que um movimento que teve grande visibilidade foi o das Diretas Já, nos anos 1980. Rossi lembrou que a força do movimento obrigou o jornalismo a cobrir os comícios. A dupla encerrou o debate entrando em consenso de que não dá para comparar o momento atual com o que houve em 1984, mas que os protestos mais recentes são marcados por pessoas

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Isabel Martins e Umberto Mannarino são estudantes do primeiro ano de Jornalismo na ESPM em São Paulo.

Fotos: Marina Lahr

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Um perfil dos debatedores

O jornalista Clóvis Rossi está há mais de 50 anos na profissão e já passou pelas redações da revista Autoesporte, e dos jornais O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil e Folha de S.Paulo. Ele desenvolve, principalmente, análises sobre política e economia, internacionais e nacionais. Porém, jornalismo não era a profissão dos sonhos de Rossi na infância.

Nascido no dia 25 de janeiro de 1943, em São Paulo, ele sonhava ser diplomata. Começou a estudar jornalismo apenas para os conhecimentos iniciais até que tivesse idade suficiente para prestar concurso e exercer a diplomacia. O que não esperava, entretanto, era ser indicado por um professor para trabalhar no periódico Correio da Manhã, apenas em seu segundo ano de curso. Desde então, nunca mais saiu da profissão, abraçou com paixão o jornalismo e esqueceu a diplomacia.
Clóvis Rossi foi responsável por diversas coberturas internacionais na época em que atuou como correspondente internacional em Buenos Aires, Argentina, e em Madri, Espanha. Ainda hoje, é reconhecido pela sua vontade de descobrir e perseguir notícias.

Com esse currículo, não lhe faltam histórias do ofício. Entre todas elas, relatou, em documentário para o 10º Congresso Nacional da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), que o período da ditadura militar no Brasil ainda o marca pela censura sofrida em suas matérias e pelo desaparecimento de colegas de trabalho.

Suas vivências durante o período de correspondente, como por exemplo o acompanhamento da queda do mundo de Berlim e o golpe militar do Chile, moldam suas opiniões e o concedem repertório para que ele enxergue além do comum.

A preferência pelo tema dos poderes, entretanto, não influencia em seu gosto pelo futebol. Rossi é torcedor do Palmeiras e do Barcelona. Inclusive, comentou, em tom de brincadeira, durante uma entrevista ao jornalista Juca Kfouri, que seu sonho seria ser setorista da Champions League.

Hoje, continua a atuar na profissão como colunista e repórter especial da Folha de S.Paulo. Clóvis Rossi é casado com Catarina Clotilde Ferraz Rossi, tem três filhos e três netos.

Ricardo Kotscho tem uma verdadeira coleção de prêmios de jornalismo. Além de haver ganhado dois prêmios Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, dois prêmios Comunique-se e um Cláudio Abramo, sua devoção à profissão rendeu-lhe um Troféu Especial de Imprensa na ONU e quatro prêmios Esso, o mais importante da área no Brasil, nos anos de 1975, 76, 78 e 95.

A tradição jornalística acompanha o sobrenome Kotscho há gerações, e o talento e o amor pela profissão correm em suas veias. Neto de um popular jornalista alemão, de quem ele e o irmão, Ronaldo, muito provavelmente herdaram a vocação, Ricardo Kotscho ainda é pai da jornalista Mariana Kotscho, apresentadora do programa Papo de Mãe, na TV Cultura.

Ricardo Kotscho já trabalhou em quase todos os grandes veículos da imprensa brasileira, desde repórter até chefe de reportagem, blogueiro e diretor de jornalismo. Compôs a equipe de grandes jornais impressos como o Estado de S. Paulo, o Jornal do Brasil e a Folha de S.Paulo; trabalhou em revistas como a IstoÉ e a Época; e marcou presença nas gigantes da televisão, como a Globo, o SBT, a Rede Bandeirantes e a Rede Record.

Em setembro de 2014, por uma única posição Kotscho não ficou entre os Top 10 da lista dos jornalistas mais admirados da imprensa brasileira, fruto não só de sua história profissional, mas por seus trabalhos recentes como comentarista de política da Record News e repórter da revista Brasileiros, e por seu blog pessoal, o Balaio do Kotscho — criado no portal R7, passou um tempo desativado e agora publica notícias de maneira independente

Kotscho escreveu mais de 20 livros, entre eles “Do golpe ao Planalto – Uma vida de Repórter”, “A prática da reportagem”, “Vida que segue” e “A aventura da reportagem”.