Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A luz no lado escuro da vida

Foto: Mark Terrill/POOL/AFP

A cerimônia do Oscar modelo 2021 deu as cartas para o jogo da convivência no mundo pós pandemia. Algumas atitudes começam a ser banidas, a começar pelo próprio formato no salão da Union Station, bem mais modesto do que o opulento Dolby Theatre onde até o volume, a pompa e o brilho da indumentária feminina destoaram do tom minimal da ocasião. Ficou o marco para o abandono de algumas doenças da civilização, peruice, Idatite, racismo, xenofobia, discriminação e exclusão.

A segunda mulher a receber a estatueta pela melhor direção em 93 anos de Oscar, Chloé Zhao por “Nomadland”, ao ser nomeada usava tranças compridas, vestido neutro, tênis, nenhuma maquiagem ou jóia e era chinesa. A melhor atriz coadjuvante , a coreana Yuh-Jung Youn por “Minari- Em Busca da Felicidade”, vestia cor escura e simples e ainda gozou perdoando a todos que costumam errar a pronúncia do seu nome. Frances McDormand parecia nem ter ido ao cabelereiro e usava um vestido como se estivesse indo a um, não a uma cerimônia pomposa como costumava ser o Oscar. Frances roubou a cena até porque sua personagem emanava a pobreza que a aposentadoria representa para a maioria; os mais velhos são descartados muito antes de se sentirem jogados fora.

O ator mais velho a receber o Oscar máximo por “Meu Pai” tem 83 anos e é Anthony Hopkins, que apareceu na cerimônia sem discurso pronto, admitindo ter sido apanhado de surpresa, uma simplicidade que só os grandes têm. Yun-Jung Youn tem 73 anos, uma idade barrada em uma Hollywood para mulheres algumas décadas mais jovens.

Os atores negros fizeram a festa este ano, como Daniel Kaluuya pela atuação de ator coadjuvante em “Judas e o Messias Negro”, mas que não foi o único. O tema do racismo permeou a cerimônia em vários discursos relembrando a infância discriminada, e George Floyd esteve presente na fala e na memória de cada vencedor da noite. O próprio Kaluuya declarou “Fred Hampton (1948-1969) me ajudou a me amar” citando o líder do movimento dos Panteras Negras contra a segregação e o racismo, como o filme relembra.

Thomas Vinterberg, o diretor dinamarquês que ganhou o prêmio de melhor filme internacional por “Druk -Mais uma Rodada”, trouxe dor à vitória, a morte da filha adolescente que morreu no início das filmagens.

O foco foi o ponto menor, o desprezado, o escondido, o feio, o lado escuro da vida, a mulher, não o homem, o negro e o asiático, não o ariano, o charme discreto no lugar da pompa. A atriz Marlee Matlin, que tem deficiência auditiva e ganhou o Oscar de melhor atriz em 1986 por “Filhos do Silêncio”, anunciou a nomeação para curta-metragem. Os rechaçados imigrantes tiveram vez, personificados pela família coreana de “Minari”.

A festa da inclusão pode não ter agradado a quem esperava o glamour dos vitoriosos de sempre. Foi uma mulher que levou o prêmio de melhor roteiro, a britânica Emerald Fennell por “Bela Vingança”, seguindo os passos de um esforço da Academia em dar o lugar devido a um corpo mais justo e diverso, onde mais de 30 % são mulheres.

O excepcional “Mank” tinha 10 indicações e levou só a de melhor direção de arte mas também recoloca no palco o roteirista Herman Mankiewicz, esquecido na história do cult “Cidadão Kane” de Orson Welles.

Pode parecer pouco, mas foi um desafio e tanto aos padrões assimilados da cultura ocidental, que no mundo inteiro está perdendo o lugar.

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Norma Couri é jornalista e Diretora de Inclusão Social, Mulher e Diversidade na Associação Brasileira de Imprensa (ABI).