Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Crise no Festival de Berlim poderá provocar boicotes?

(Imagem: Reprodução Internet)

Uma semana depois da demissão do diretor-artístico do Festival Internacional de Cinema de Berlim, Carlo Chatrian, provocada pela ministra alemã da Cultura e Mídia, Claudia Roth, a crise não terminou.

O número de produtores e realizadores internacionais signatários de uma carta aberta criticando severamente a ministra do Partido Verde, na coligação alemã vermelho-verde, aumentou e já ultrapassa as 400 pessoas, entre elas Martin Scorsese, Olivier Assayas, Joanna Hogg, Angela Schanelec, Christoph Hochhauser, o diretor do Festival de Veneza, Alberto Barbera, e importantes nomes alemães como Margarethe von Trotta, Ulrike Ottinger, Maren Ade, Christian Petzold e Andres Dresen.

O jornal norte-americano Global Happenings cita as últimas três crises envolvendo o ministério da Cultura, mostrando que, em 20 meses de mandato, Claudia Roth acumula manchetes negativas. As crises, segundo o jornal, são: o escândalo da exposição Documenta, acusada de antissemitismo, o atraso na reforma da Fundação do Patrimônio Cultural Prussiano e a deterioração das melhorias do Museu de Arte. E o GH conclui: Roth já falhou?

O fato de haver intervenção política numa organização de arte como a Berlinale, ou Festival de Berlim, é inédito e pode fragilizar a ministra Roth, criticada pelo mundo do cinema por sua política cultural. Em síntese, a ministra deveria criar condições de funcionamento do Festival, mas sem intervir na sua estrutura. No caso de crise financeira afetando o funcionamento do evento, como parece ser o caso, caberia à direção do festival efetuar os cortes necessários.

Ao provocar a crise, a ministra Roth se esqueceu de que a crise pode levar à perda de patrocinadores do Festival. E isso é perigoso, pois já existe dentro do evento um clima de redução de gastos. As notícias filtradas dizem que o Festival terá um terço menos de filmes e que algumas mostras serão desativadas.

A demissão de Carlo Chatrian poderá ser interpretada como crise de qualidade e poderá provocar uma espécie de boicote, com os produtores e realizadores decidindo levar seus novos filmes a outros festivais. Pior ainda, as pessoas capacitadas para a direção poderão rejeitar o convite para o cargo em apoio a Chatrian.

Uma dupla direção

Até agora, a direção do festival tem sido dupla. Uma direção executiva, com a alemã Mariette Rissenbeek (que já havia anunciado sua partida em fevereiro de 2024, ao término do próximo festival), e uma direção artística com o italiano Carlo Chatrian que, depois de conversações com a ministra Cláudia Roth, sentia-se confirmado nessa função, apesar das modificações por ela programadas.

Isso não ocorreu, e teria sido oferecido a Chatrian um cargo irrelevante de consolação. Sentindo-se humilhado e ofendido, Chatrian, que já foi o diretor do Festival de Locarno, na Suíça, colocou no site da Berlinale sua demissão nos seguintes termos:

“Nos últimos quatro anos na Berlinale, tive a sorte de trabalhar com pessoas extraordinárias, tão apaixonadas por cinema quanto eu, que estão totalmente dedicadas a revitalizar um dos maiores festivais de cinema do mundo. Juntos ajudamos muitos talentos e grandes histórias a serem revelados ao mundo. Sou grato a todas as pessoas que me apoiaram e acreditaram em mim. Pensei que a continuidade poderia ser facilitada se eu continuasse a fazer parte do festival, mas, na nova estrutura tal como foi apresentada, é bastante claro que já não existem condições para que eu continue como Diretor Artístico. A próxima edição do festival será, portanto, o fim desta jornada gratificante.”

Diante desse comunicado, a ministra limitou-se a divulgar que lamentava a perda de Chatrian, deixando a impressão de que com isso ela pudesse evitar a demissão do Diretor Artístico.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de LisboaCorreio do Brasil e RFI.