Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Festival de Locarno: retrospectiva de Douglas Sirk, o cineasta anti-Goebbels

(Foto: Tima Miroshnichenko/ Pexels)

Um dos maiores nomes de Hollywood, Douglas Sirk, cuja carreira nos EUA começou praticamente logo depois do começo da Segunda Guerra Mundial, ficou conhecido por muito tempo como o mestre do melodrama ou novelões, que fazia o público chorar, mas sua extensa filmografia foi redescoberta e admirada pela Nouvelle Vague e por cineastas como Rainer Fassbinder e Bernardo Bertolucci. Alguns anos antes de sua morte, em 1978, o próprio Sirk, que já vivia perto de Locarno, participou do Festival, apresentando e comentando muitos de seus filmes.

Agora, passados 44 anos, o Festival de Locarno, em colaboração com as Cinematecas suíça e francesa, arquivos internacionais de cinema e documentos inéditos fornecidos por sua família pela Douglas Sirk Foundation, organizou para este 75 Festival uma vasta retrospectiva de 44 filmes, para ser exibida paralelamente a documentários e filmes inéditos sobre ele. Sirk não perde em atualidade num momento em que existem ou ressurgem em diversos países os monstros da extrema-direita e as assombrações de inspiração nazifascista. Ele mesmo deixou a Alemanha com a chegada de Hitler. Seus filmes plenos de paixão, depois de emocionar plateias de cinemas em todo mundo, inspiraram cineastas como Godard (que escreveu sobre ele no Cahiers du Cinema), Daniel Schmid, Almodóvar, John Waters, David Linch, Todd Haynes e François Ozon.

“Muitos expectadores pensavam que Douglas Sirk faziam cinema kitsch ou cafona, dando uma versão açucarada do sonho americano, muitos cineastas achavam se tratar de alguém esforçado, mas sem ter nada a dizer ou a mostrar, quando, na verdade, Sirk detém a potência da encenação ou mise-en-scène. Ele consegue reunir os que adoram o classicismo hollywoodiano com os que adoram os cineastas que quebraram as regras do cinema hollywoodiano”, argumenta Giona A. Nazzaro, diretora artística do Festival de Locarno e organizadora da retrospectiva. “Sirk soube desconstruir as hipocrisias da sociedade, criando os melodramas mais marcantes e mais políticos de todos os tempos, com as maiores atrizes e maiores atores da época, tendo mesmo dado o primeiro trampolim profissional a James Dean, desconhecido na época”, conta ainda Giona.

Uma grande parte das atrizes e atores da fase áurea do cinema norte americano faziam parte dos elencos dirigidos por Sirk e continuam vivos na memória dos espectadores mais idosos: Rock Hudson, admirado por ele como um filho, Bárbara Rush, Kathleen Ryan, Robert Stack, Lauren Bacall, Dorothy Malone, Jane Wyman, Lana Turner, Claudette Colbert, Robert Cummings, Barbara Stanwyck e Fred MacMurray.

Sirk, dinamarquês de origem, estudou direito, filosofia e história da arte antes de ir viver na Alemanha, onde criou um teatro, tendo montado mais de 300 peças em Bremen, Leipzig e Berlim. É dessa época o escândalo provocado pelos nazistas contra a ópera de Kurt Weil por ele montada, “O Lago de Prata”. Em Berlim, suas críticas chamaram a atenção do Partido Nazista, mas Sirk conseguiu sobreviver, mesmo se uma outra peça antinazista foi proibida, e ingressou na UFA, a grande produtora alemã de cinema de Berlim.

Porém, em 1937, os nazistas adquiriram a UFA e, negando-se a trabalhar para Goebbels, Sirk deixou a Alemanha. Com sua esposa judia, Hilde Jary, saiu da Alemanha, foi para a Holanda, mas, diante das perseguições que se anunciavam, emigrou para os Estados Unidos, onde se tornou fazendeiro e avicultor, antes de fazer seu primeiro filme, “O louco de Hitler”, que chamou a atenção de Hollywood.

Aos 74 anos, depois do grande sucesso do filme “Imitação da Vida” ou “”, com Lana Turner, que voltava ao cinema pela Universal depois de um drama de família, Sirk deixou os EUA e foi viver no cantão Ticino, na Suíça, onde morreu aos 90 anos.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.