Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A cerimônia do adeus

A saída do ministro Nelson Jobim mereceu ampla cobertura: suas frases, suas entrevistas, a opinião de seus subordinados (se bem que, conforme o jornal, a maioria dos subordinados era a favor ou contra ele). Mas faltou uma análise: por que o ministro provocou sua saída?

Pode-se fazer uma série de críticas a Nelson Jobim, mas burro ele não é; nem inexperiente; nem pouco habituado às disputas dentro do governo. Uma declaração mal pensada, vá lá (embora seja difícil acreditar nisso); já uma série de declarações explosivas só pode ter sido deliberada, com o objetivo de forçar sua demissão – objetivo, aliás, alcançado com pleno êxito. E houve algumas iniciativas paralelas, que passaram despercebidas – por exemplo, as providências da família do ministro, bem antes da demissão, para se instalar em São Paulo.

Houve, nos meios de comunicação, algumas tentativas de chegar aos motivos que levaram Jobim a forçar sua saída. Transpirou, por exemplo, que em reuniões com amigos mais próximos ele deixava claro que não apreciava o estilo da presidente da República. Mas é difícil acreditar que um político deixe o poder só por isso. O mais provável é que Jobim tenha sido contrariado – e o foi, tanto na questão da compra dos caças da FAB quanto na insistência de montar uma Comissão da Verdade que, em sua opinião, serviria apenas para reabrir feridas hoje cicatrizadas. E, somando-se a isso, a convicção de que não teria mais o que fazer no ministério, com o corte de verbas e um prestígio que nem de longe atinge o de que desfrutava na época do presidente Lula.

Algumas coisas foram feitas: as negociações para a compra dos submarinos franceses, a montagem de um estaleiro no Brasil para cuidar deles, a compra, também na França, do casco do futuro submarino nuclear da Marinha. Outra, vultosa, ficou sabe-se lá para quando: a compra dos 36 supersônicos para a FAB. É caríssima, e muita gente no governo (especialmente quem não está envolvido na negociação) lembra que é muito avião para tempo de paz e pouco avião para tempo de guerra. Mas a negociação foi feita, e com a aprovação do governo brasileiro. Ao abandoná-la, o Brasil indicou que Jobim não era um interlocutor tão importante quanto se imaginava. Se não dá para fazer muita coisa, se parte do que já havia sido decidido também não se concluiu, que faria o ministro em seu cargo, daqui para a frente? Preferiu sair antes que forçassem sua saída – e sair por uma crise política, não por fracasso administrativo.

São hipóteses, claro. Mas os grandes meios de comunicação bem que poderiam debruçar-se sobre os motivos de Jobim. Quem pegar o fio da meada terá uma grande reportagem em mãos.

 

A verdade de Lyra

Fernando Lyra, ex-ministro da Justiça (escolhido pelo presidente eleito Tancredo Neves e mantido de março de 1985 a fevereiro de 1986 pelo presidente Sarney), aqui criticado na semana anterior pela censura ao filme Je vous salue, Marie, esclarece sua posição e conta a história completa do veto ao filme franco-suíço dirigido por Jean-Luc Goddard. A história como a história foi:

“1) Na eleição de 1986, ano em que deixei em fevereiro o Ministério da Justiça, tive a maior votação da minha vida parlamentar, com 90.767 votos.

“2) Abaixo o texto que enviei ao blog do Noblat assim que soube da censura ao filme A Serbian Film – Terror sem Limites:

‘A promessa de democracia no Ministério da Justiça foi cumprida no governo Sarney, durante minha gestão. Exceto, já no final, por causa daquele lamentável episódio de censura ao filme Je vous salue, Marie.

‘Fui chamado ao palácio pelo presidente Sarney. Chegando lá, ele estava com o general-chefe da Casa Militar e tinha um pedido do bispo de Aparecida, ao qual era muito ligado, para impedir a exibição do filme, que eles imaginavam ser um afronta à Igreja Católica.

‘Fui contra e disse ao presidente que jamais censuraria uma obra de arte, que por sinal para mim era medíocre. Mas o presidente reafirmou que era para censurar.

‘Eu repeti: ‘Eu não censuro.’ E o presidente respondeu: ‘Quem censura sou eu’.

‘Rebati: ‘Mas, presidente, quem assina é o ministro.’’ E saí da sala disposto a renunciar ao ministério.

“Faltavam oito dias para que eu deixasse a pasta.

“Chegando ao gabinete convoquei Cristovam Buarque, José Paulo Cavalcanti Filho e Joaquim Falcão, que trabalhavam comigo, para lhes comunicar que iria renunciar porque jamais censuraria o que o Palácio queria.

“Eles, menos Joaquim Falcão, argumentaram que eu não poderia renunciar a oito dias da saída. Fiz tudo para convencê-los, mas não consegui.

“Durante todo o período em que fui ministro, este é o único fato que me entristece.

“Hoje, o fato tende a se repetir e jamais poderia deixar de dar este depoimento.

“Uma democracia madura só pode se formar em um ambiente de consciências livres. E essa liberdade ampla não pode conviver com nenhuma forma de censura. Sobretudo nos dias que correm, já distantes dos tristes anos de autoritarismo e do cenário de incertezas que marcaram a transição democrática no Brasil.

“A censura ao filme A Serbian Film – Terror sem limites é, com todas as letras, um absurdo.

“Quem não gostar do filme, não vá vê-lo. Quem for e não gostar, saia no meio da sessão.

“É impensável que o Estado se atribua o papel de decidir o que devemos e o que não devemos ver. Um ambiente assim, de intolerância, no fundo conspira contra a democracia.”

É uma informação importante: como foi publicado na coluna da última semana, “o grande Fernando Lyra, até então impecável em sua trajetória política (…)”, este colunista via na carreira política do notável político pernambucano apenas esta mancha – uma grande mancha, por sinal. Os esclarecimentos de Lyra fazem com que a mancha desapareça, pois nunca existiu; e resta apenas uma carreira política impecável, como a de poucos brasileiros.

 

O Sarney de sempre

Já o presidente do Senado, José Sarney, está longe da transparência de atitudes que marcou a carreira de Lyra. Começou defendendo o sigilo eterno para “documentos ultrassigilosos”; agora diz que não é bem assim, que sigilo eterno não existe, e que na lei que fixa prazo para o sigilo dos documentos oficiais “não existe uma abertura total, mas uma comissão que vai classificar cada documento”. Sarney tenta bloquear a fixação de prazo para a divulgação de documentos oficiais tendo a seu lado o também ex-presidente Fernando Collor. E sua posição é claríssima, não por suas palavras que se modificam de tempos em tempos, mas por seus atos: é sua família que há dois anos consegue manter sob censura O Estado de S.Paulo, impedido judicialmente de publicar informações obtidas na investigação da Polícia Federal sobre o império econômico dirigido por seu filho, Fernando Sarney.

 

Não gostou? Insulte!

O prefeito de Mogi das Cruzes (SP), Marco Aurélio Bertaiolli, do DEM, decidiu baixar de vez o nível do debate. Após uma reportagem de Cléber Lazo, do Mogi News, o jornal publicou editorial dizendo que o prefeito foi infeliz ao dizer que Mogi das Cruzes não precisa de equipamentos para realizar ressonância magnética na rede pública. A reação de Sua Excelência: telefonou para o repórter, chamando-o de “moleque” e de outros termos mais chulos. Bertaiolli, a propósito, sangra em saúde: não gostou do editorial e xingou o repórter, que não é autor de editorial nenhum; teve sua carta publicada e mesmo assim reagiu agressivamente. E que diz o prefeito sobre o caso? Nada: segundo sua assessoria, “não tem posicionamento”. Nem postura.

 

É ou não é?

Não, caro colega, não é apenas o “suposto”. O futuro do pretérito, antigamente chamado de condicional, virou ferramenta essencial do texto jornalístico, utilizado sempre que o autor da matéria não tem lá muita certeza do que escreve.

1.Num grande jornal de circulação nacional, saiu que Casemiro Pinto Neto “teria sido” o inventor o sanduíche Bauru. Teria sido, não: foi. O Ponto Chic, boteco-símbolo do Bauru, conta a história da criação do sanduíche em seus cardápios. Casemiro, estudante de Direito conhecido pelo apelido de Bauru, tinha lido um livro sobre nutrição escrito por Vladimir de Toledo Piza (que depois seria prefeito de São Paulo). E montou o sanduíche com proteína animal (rosbife e queijo), vitaminas (tomate) e pepino em conserva e orégano, porque ele gostava. Outros estudantes passaram a pedir o sanduíche do Bauru e o nome pegou. Mais tarde, na maioria dos lugares, o rosbife original foi substituído por um produto já industrializado, o presunto, mas o nome foi mantido.

2.Diz uma grande agência noticiosa, sobre acidente automobilístico com um artista, que “o ator teria conseguido sair do veículo (…) teria sofrido uma lesão leve no ombro (…) mas teve de passar a noite no hospital”.

Se o ator passou a noite no hospital, é porque conseguiu sair do veículo, já que dificilmente seria internado com o carro como acompanhante. E a lesão no ombro “não teria” sido tão leve, ou não seria preciso interná-lo. Afinal de contas, que diabo será que aconteceu que a notícia não consegue informar?

3.De um grande jornal: “Um dos senadores que teria atendido a um pedido de Jucá e de Renan para, num primeiro momento, apoiar a CPI teria sido João Durval (PDT-BA)”. Por que “teria sido”? João Durval apoiou a CPI, assinando o requerimento pela convocação, e retirou a assinatura mais tarde. Não era segredo, nem suposição: era apenas a descrição do fato.

Houve época em que a muleta do repórter era o “nariz de cera”. Algo como “ao acordar, João da Silva não imaginava que aquele dia pudesse ser tão cheio de novidades”. Acabar com isso exigiu um trabalhão – o mestre Alberto Dines, que tanto lutou por um texto limpo, direto, conciso e preciso, que o diga. A muleta agora é dizer que o fato talvez tivesse acontecido, mas que não há muita certeza sobre isso. Alô, editores! Quem vai tomar a frente da luta para que a notícia conte o que houve, e não o que teria havido?

 

A volta do grande livro

Este livro é antigo, mas vale a pena: está sendo relançado Minha Mocidade, de Winston Churchill, primeiro-ministro da Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial. Churchill, pensador e político, foi também um excelente escritor, Prêmio Nobel de Literatura. Minha Mocidade tem tradução de Carlos Lacerda – ou seja, o texto em português guarda a qualidade do original inglês.

 

Como…

De um importante portal noticioso:

** “Motorista nu provoca acidente em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo”

De outro importante portal noticioso:

** “Motorista seminu se envolve em acidente no ABC, segundo polícia”

Nu ou seminu? De qualquer forma, estava bêbado. E tem o hábito de destroçar carros esportivos. Há quatro anos, acabou com uma Ferrari. Na ocasião, estava totalmente vestido. Agora, a vítima foi um Camaro.

 

…é…

Do cartaz de uma obra do governo do Estado de São Paulo, sob o título “Mais qualidade de vida”:

** “Ampliação do Cemitério Municipal de Roseira”

 

…mesmo?

De um press-release:

** “A (nome da empresa) apresenta uma nova linha de broxas.”

 

No capricho

Maria Tereza, atilada leitora desta coluna, fez uma seleção de frases e notícias de matar o leitor de riso e a imprensa de vergonha. E não é jornalista: é arquiteta, conceituadíssima, e sabe que o idioma bem falado é essencial em qualquer profissão. Há notícias antigas, mas que não podem ser perdidas de jeito nenhum – como a de Neymar grávido, publicada no site esportivo de um grande jornal:

** “Neymar será pai pela primeira vez aos 19 anos, após engravidar de uma jovem de 17 anos.”

Também do portal de um grande jornal, na notícia sobre a possível extradição do general sérvio Ratko Mladic, acusado de crimes de guerra:

** “Mladic, de 698 anos, foi preso na madrugada desta quinta.”

Com essa idade, será que ainda é possível julgá-lo?

Lembra de A morte e a morte de Quincas Berro d’Água, de Jorge Amado? Pois é: segundo um dos maiores portais informativos da internet, parece que o fenômeno se repetiu, e na mesma Salvador de Berro d’Água:

** “Homem morre é atropelado duas vezes e morre em Salvador”

Duas notícias, ambas na internet, sobre discriminação. A primeira sobre a campanha de um frade católico em favor da união homossexual:

** “Feliz do povo que houve os clamores dos que fazem outra opção sexual.”

O Supremo Tribunal Federal “houviu” suas preces!

A segunda notícia é sobre uma mobilização-relâmpago (flash-mob) em São Paulo, provocada por ataques racistas contra homossexuais, nordestinos, negros e judeus, em favor da tolerância, da igualdade e da fraternidade:

** “Flash mob em São Paulo pede respeito a todas as formas de discriminação”

Temos futebol. No caso, um jogo muito especial, em que o juiz será supervisionado, como diria um repórter de campo, por seu instrumento de trabalho:

** “O apito ficará responsável por Wilson Pereira Sampaio, do Distrito Federal.”

Noticiário policial?

** “O casal que foi encontrado morto no Hotel Ouro Preto agora estão mortos em locais distintos, um em cada andar.”

Na verdade, o que está escrito é ainda pior: é Hotel Ouro preto.

E terrorismo, claro: hoje não há jornal sem notícia de terrorismo.

** “Atentado suicida mata seis mortos no Paquistão”

Tem mais, muito mais. Fica para a próxima coluna.

 

Mundo, mundo

Aconteceu em Maracaju, no Mato Grosso do Sul. Um cavalheiro de pouco menos de 30 anos foi preso pela PM quando andava pela rua vestindo só calcinhas. Sua explicação: a namorada o expulsou de casa e não liberou suas roupas.

Os meios de comunicação deram a notícia numa boa, divertindo-se com ela, e pronto. Mas restou uma pergunta sem resposta: se ele foi expulso da casa da namorada e ela ficou com suas roupas, que diabo fazia ele de calcinhas?

A propósito, na delegacia lhe emprestaram bermudas e ele foi liberado.

 

E eu com isso?

Na Síria o governo está matando revoltosos no atacado, a fome na Somália se junta a fundamentalistas islâmicos que rejeitam ajuda dos infiéis ocidentais e preferem deixar multidões morrendo de inanição, a economia americana cambaleia, a economia européia balança, e no Brasil se discute se a ministra é fraquinha ou gordinha e, ainda!, o caso Sandy – dizem as más línguas que há outra cerveja interessada em seu passe, a Caracu. Então, vamos às notícias que realmente interessam:

** “Cantora Miley Cyrus é vista fumando durante visita ao namorado”

** “Galisteu afirma que homofobia é falta de educação e que finalmente Sandy ‘se posicionou como mulher’”

** “Premiê russo visita acampamento e amassa frigideira”

** “Hipopótama Teteia, do Zoológico de SP, sofre de perda de apetite”

** “Depois de ter gêmeos, Mariah Carey publica foto no Twitter de maiô”

** “Projeto apresentado por Marta e evangélicos foi totalmente rejeitado por colocar LGBTs em posição de inferioridade”

** “Nicole Kidman aparece loiríssima para as filmagens de longa”

** “Ivete e Carol Dieckmann vão à churrascaria no Rio de Janeiro”

** “Famosos circulam pelo aeroporto Santos Dumont”

** “Jogador Adriano é fotografado em restaurante de São Paulo”

Os craques também almoçam!

 

O grande título

Bem interessante a safra da semana. Podemos começar com um daqueles títulos que, à medida que os lemos várias vezes, vão mudando de sentido:

** “Ginástica com os dedos das mãos evita depressão”

Passemos por um que para caber no espaço foi torcido, torcido, torcido,até ficar assim:

** “Ladrões levam R$ 20 mil de estudante de medicina mala”

Talvez o título até esteja certo. Mas seu objetivo inicial era informar que roubaram a mala de um estudante de Medicina com R$ 20 mil dentro.

E o grande título – menos pela construção, bem comum, e mais por aquilo em que nos quer fazer acreditar:

** “Pão de Açúcar diz que relação com Grupo Casino é ‘ótima’”

A gente vê pelas entrevistas do presidente do Casino como ele se dá bem com seus sócios brasileiros.

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[Jornalista, diretor da Brickmann & Associados]